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Portal UMBU

O que mudou em 92 anos da conquista do voto feminino?

Em entrevista ao Portal Umbu, Ana Paula Matos, Olívia Santana e Lídice da Mata analisam atual cenário político na Bahia e no Brasil

Foto: Reprodução

Hoje, dia 24 de fevereiro, é celebrada a conquista do voto feminino no Brasil. O direito das mulheres de também escolher representantes políticos foi reconhecido em 1932, com o decreto nº 21.076, de Getúlio Vargas, que reconheceu a prerrogativa feminina e criou a Justiça Eleitoral.

A Assembleia Constituinte, em 1933, incorporou o sufrágio feminino para maiores de 18 anos, alfabetizadas, sem restrição ao estado civil e somente obrigatório para as servidoras públicas na Constituição de 1934.

1946 foi o ano em que a Constituinte tornou obrigatório o voto para homens e mulheres alfabetizados de todo o país, que seguiu até 1988, quando homens e mulheres analfabetos também ganharam o direito.

O Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil é celebrado oficialmente desde 2015, quando foi instituído pela Lei 13.086.

A vez delas

Mesmo antes da oficialização do voto feminino em 1932, Celina Guimarães Vianna já havia se inscrito como eleitora em Mossoró, Rio Grande do Norte, em 1927. O estado não tinha distinção de sexo para o voto em virtude da Lei nº 660/1927. O movimento tornou Celina, aos 29 anos, a primeira mulher eleitora do país e da América Latina.

Celina Guimarães Vianna votando | Foto: Autoria desconhecida/Domínio público

A nível nacional, em 1933, Almerinda Farias Gama, reconhecida ativista pelo sufrágio feminino, participou da escolha de representantes classistas para a Assembleia Nacional Constituinte. Feminista negra, Almerinda foi uma sufragista de alta relevância na luta pelos direitos da mulher na política, chegando a se candidatar ao cargo de deputada federal em 1934.

Almerinda Farias Gama depositando cédula eleitoral | Foto: Reprodução/História de Alagoas

Advogada, datilógrafa e ativa da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, contou com o apoio de Bertha Lutz, outra sufragista do contexto da Constituinte do governo provisório, organizou o Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos do Distrito Federal, entidade que passou a presidir.

A ativista maceioense foi líder sindical e sua iniciativa foi fundamental para a criação da associação Ala Moça do Brasil, ainda em 1933. Apesar das articulações e progressos, as organizações sempre lidaram com boicotes e ações para desestimular a organização feminina – por questões não apenas de gênero, como de raça.

Uma das figuras mais discutidas no âmbito do sufrágio feminino, Antonieta de Barros foi a primeira deputada negra a ser eleita no país. Professora, jornalista e política, Antonieta venceu o pleito em 1934, sendo eleita Deputada Estadual por Santa Catarina pelo Partido Liberal Catarinense.

Antonieta de Barros | Foto: Reprodução/Alesc

Em entrevista ao Portal Umbu, Jeruse Romão, autora do livro “Antonieta de Barros: Discursos, entrevistas e outros textos”, contou um pouco da trajetória profissional da política que passou a integrar o Livro de Heróis e Heroínas da Pátria em 2023, coma sanção da Lei 14.518/2023 pelo presidente Lula.

“Ela foi uma jornalista negra, a única jornalista negra do tempo dela e uma das jornalistas mulheres com mais tempo na imprensa catarinense. Ela escreveu de 1922 e 1951, com interrupções no período que ela teve mandato.”

>> Leia a entrevista de Jeruse Romão para o Portal Umbu aqui

À época do lançamento do livro, Jeruse analisou a baixa representatividade racial na política nacional: “O parlamento brasileiro aumentou o número de população negra, mas ainda é muito pouco, se você considerar que nós somos a maioria da população. Mas ainda assim é importante que esses negros na política entendam o papel importante da Antonieta para abrir esse caminho, essa porta. Temos uma dificuldade de memória muito aguda para alguns campos no Brasil. A gente acha que está sempre descobrindo a roda do nosso tempo e Antonieta abre as portas da política para os negros no Brasil”.

A observação sobre a baixa representatividade negra dialoga com a baixa representatividade feminina. Segundo os dados do Censo 2022 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres representam mais da metade da população brasileira, ocupando 54,5% do total. O número expressivo, no entanto, não se repete nas casas legislativas, como a Câmara dos Deputados, que tem apenas 18% de seu corpo composto por mulheres, e no Senado, que de 81 cadeiras, apenas 15 são da bancada feminina.

Na Câmara Municipal de Vereadores de Salvador, das 43 cadeiras disponíveis, apenas sete são ocupadas por mulheres, a exemplo de Laina Crisóstomo (PSol), Ireuda Silva (Republicanos) e Marta Rodrigues (PT). Na Assembleia Legislativa (AL-BA), o cenário não muda muito: de 63 deputados, apenas apenas 10 são mulheres, a exemplo de Olívia Santana (PCdoB), Fabíola Mansur (PSB), Kátia Oliveira (União) e Maria del Carmen (PT).

Ocupando espaços

Em 2022, a Agência Senado constatou um recorde de candidaturas femininas com 33,3% dos registros nas esferas federal, estadual e distrital. À época, eram 82 milhões de mulheres votantes, representando 53% do eleitorado do país.

Mesmo com a Lei 12.034, de 2009, que incentiva a participação feminina na política assegurando o mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de homens ou mulheres e destinando pelo menos 30% dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, bem como do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV, a presença feminina ainda é considerada pequena.

Analisando os mecanismos dispostos para aumentar a participação feminina na política, a deputada federal pelo PSB, Lídice da Mata, em entrevista ao Portal Umbu, aponta para caminhos que possam fortalecer a presença feminina neste cenário.

“Nós já mudamos um pouco a lei eleitoral, conseguimos cotas e financiamento do fundo eleitoral […]. São instrumentos de estímulo para que o partido político tenha interesse em promover a mulher dentro da sua estrutura, dentro da sua legenda.”

Lídice cita a presença de mulheres à frente de ministérios como Margareth Menezes liderando a Cultura e Marina Silva no Meio Ambiente, além das pastas de Planejamento, Ciência e Tecnologia, Gestão, Saúde, Igualdade Racial e do próprio Ministério da Mulher. A deputada federal diz ter convicção “do grande número de mulheres que se incorpora, que se agrega às nossas campanhas, ao nosso mandato, acompanhando, debatendo mandando sugestões”.

Ela declara alegria com a participação das mulheres mas reflete sobre o machismo. “Um desafio cotidiano. O machismo está presente na estrutura do pensamento cultural do Estado brasileiro, do homem brasileiro e, portanto, vencer é um desafio de todos os dias. Em todos os momentos a gente se pergunta: será que eu não consegui isso por que sou mulher? Seria mais fácil, se eu fosse homem, para conseguir ocupar tal espaço na Câmara ou tal espaço no governo ou ter força para indicar? Enfim, é realmente um grande desafio”.

“A nossa reivindicação também é uma mudança no sistema eleitoral para que nos possamos ter vagas reservadas previamente, 30% do parlamento de vaga de mulheres. Tem diversos instrumentos que podem fazer com que a mulher participe mais da política”, comentou.

Assista a análise da deputada federal Lídice da Mata a seguir:

Em entrevista ao Portal Umbu, a deputada estadual pelo PCdoB, Olívia Santana comentou a necessidade de paridade e diversidade na política.

“O avanço é muito lento e nós precisamos fazer um movimento de ruptura com essa estrutura que detém o desenvolvimento das mulheres na política. Participação democrática, paritária das mulheres na política. Não há uma democracia plena sem que haja uma paridade com diversidade no exercício dos cargos de poder político de representação da sociedade”.

Olívia Santana | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ouça o comentário da deputada Olívia Santana na íntegra:

Ela também aponta para a necessidade termos mais mulheres negras e indígenas na política brasileira. “A questão étnico-racial também é fundamental ter uma estratificação nas estruturas de opressão que considera gênero raça e classe. Então é preciso transpor todas essas barreiras – de gênero, de raça, de classe – para que as mulheres cheguem e cheguem com diversidade”.

“Mulheres negras não podem ser só eleitoras. Mulheres negras precisam ser eleitas parlamentares e também gestoras dos municípios, dos estados, do país”, analisa.

Para Ana Paula Matos, vice-prefeita de Salvador e secretária municipal da Saúde, o direito das mulheres ao voto é uma conquista histórica de um processo que “avançou à passos lentos, mas com determinação e garra”.

Ana Paula Matos | Foto: PDT

“Se podemos ir às urnas exercer um dos atos mais importantes para a democracia, é porque mulheres lutaram ao longo dos anos. Avançamos, porém ainda há muito a conquistar. Somos mais da metade do eleitorado no país, no entanto ainda somos minorias nos espaços de poder”, analisou.

Ana Paula se declarou honrada por representar as mulheres na vice-prefeitura da capital baiana e apontou que “representatividade importa, impulsiona e transforma gerações de mulheres que passam a acreditar em seu potencial, na realização dos seus sonhos e na força da coletividade feminina”.

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Ester
Ester
1 ano atrás

Muito bom

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