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“A diversidade de pessoas na psiquiatria tende a trazer um outro olhar para esse campo da saúde”, diz a psiquiatra Melina Teixeira

Melina Teixeira, mulher negra e psiquiatra, é formada pela Universidade Federal da Bahia, onde também fez residência

A psiquiatra Melina Teixeira sabe que está abrindo caminhos em sua área. Quando a reportagem do portal Umbu começou a pesquisar nomes de psiquiatras mulheres e negras encontrou dificuldades. O desafio enfrentado pela reportagem não passa despercebido, uma vez que em Salvador tivemos um médico que se tornou referência no assunto: Juliano Moreira.

O psiquiatra, que era um homem negro, é considerado o fundador da disciplina psiquiátrica e da psicanálise no Brasil e o primeiro professor universitário brasileiro a citar e incorporar a teoria psicanalítica no ensino da medicina. Devido as suas contribuições na área, Juliano Moreira foi escolhido para dar nome a um dos hospitais psiquiátricos de Salvador.

Noventa e um anos depois da morte de Juliano, os negros ainda encontram dificuldades para ingressar na psiquiatria no Brasil.

Melina Teixeira, mulher negra e psiquiatra, é formada pela Universidade Federal da Bahia, onde também fez residência. A profissional possui experiência internacional em Psiquiatria no London Health Sciences Center, Canadá. É arquiteta de soluções para telessaúde e saúde digital, além de ter experiência ainda em pesquisa de Psiquiatria na UFBA e produção bibliográfica com capítulos de livros de Psiquiatria.

Melina atua na saúde pública, na assistência clínica e como integrante do Programa de Combate ao Racismo Institucional. Nesta área, teve também sob sua responsabilidade o gerenciamento da assistência de saúde mental de um território quilombola em Salvador.

Atuou também como perita forense na Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) com emissão de laudos para o sistema judiciário onde criou espaço para impressão de uma ótica antirracista e antimanicomial.

No mercado de trabalho, atuou na saúde pública, principalmente pelo Governo do Estado. A psiquiatra trabalhou nos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, em emergências e em hospitais. Hoje, Melina focou seu atendimento no público feminino, onde atende em seu consultório. Segundo Teixeira, desde a pandemia da Covid-19, o espaço se transformou em teleconsultório, onde consegue atender tanto as mulheres brasileiras como as estrangeiras.

Além do consultório, Melina é bem ativa nas redes sociais. No perfil “Saúde Mental para Mulheres”, a psiquiatra compartilha dicas e abre um espaço para trocas com o seu público. Em entrevista à reportagem do portal Umbu, através de vídeochamada, a psiquiatra Melina Teixeira revela a sua trajetória profissional, compartilha os desafios da falta de representatividade e o perfil de pacientes fora do Brasil.

Desafios

Sobre os desafios que passou ao longo da sua trajetória, Melina conta que a falta de letramento racial para identificar algumas questões foram um dos entraves que precisou superar. “Eu não venho de uma história de movimentos e militância, então o maior desafio é a falta de letramento racial e a baixa representatividade de mulheres na medicina e psiquiatria. Se na medicina, é difícil, na psiquiatra ainda é mais. E é uma coisa que é construção de caminhos, porque ainda não acabou, está só no começo”, diz.

Melina disse que o que despertou seu interesse para escolher a psiquiatria como especialidade foi a curiosidade.

“Sempre fui muito curiosa e eu sempre quero saber o porquê de tudo, então, já achava a psiquiatria uma especialidade legal. Quando passei em medicina, eu gostava de tudo, exceto cirurgia. Gostei de clínica médica, dermatologia, entre outros. Com a psiquiatria, eu conseguir matar um pouco a minha curiosidade. Sempre quis saber porque uma pessoa está falando sozinha na rua ou jogando uma pedra em um ônibus, por exemplo. Rodando na enfermaria, concluí que isso aqui (psiquiatria) iria responder as minhas perguntas. Foi aí que eu decidi entrar nesse mundo que, para mim, é o mais completo da medicina”, explica.

Melina é uma das cinco médicas psiquiatras cadastradas na plataforma, Afrosaúde, sendo que é a única médica natural de Salvador. Sobre as barreiras encontradas por pessoas pretas para acessar a psiquiatria, Teixeira diz: “Acredito que exista um entrave. No começo, é uma carreira bem elitista, falando de Brasil, então o primeiro desafio é a educação. Tive muita oportunidade, vim de uma família com uma estrutura sólida financeiramente, então vim de colégios bons. Na faculdade, eu só estudei, logo não precisei trabalhar”, diz.

“Logo, uma pessoa que não tem as condições que tive, como acesso a uma bolsa permanência, por exemplo, que precisa estudar e trabalhar, é difícil. Então, a educação e o fator social que dificultam muito o acesso. Depois de formada, a menina que está em um contexto de vulnerabilidade social, vai trabalhar para ajudar em casa, não vai pensar em se especializar logo de cara”, conta.

Essa ausência de pessoas pretas pode contribuir para perpetuação de estereótipos e preconceitos em relação às questões de saúde mental, diagnósticos, entre outras compreensões da área de saúde para a população negra.

“Não se falava de atravessamentos raciais como determinantes sociais de saúde, afetando a saúde de pessoas e a saúde mental pior ainda. O foco ainda está no biológico. Durante a minha residência, cheguei a pensar em pesquisar a população negra, mas eu não tinha professores psiquiatras negros e, quando propus, achavam que era um assunto polêmico, por falta de conhecimento. Então não avancei naquilo”, diz.

Foi só quando formou que Melina conseguiu focar o seu trabalho na questão racial. “Conheci a Dra. Jeane, psicóloga da UFRB e fiquei encantada com a pesquisa dela, tem uma brasileira falando desses assuntos. Em seguida, comecei a estudar por conta própria e fazer um mestrado”, recorda.

“Mas ainda há muito desafio para os negros. Até os editores-chefes dessas revistas [científicas] não costumam ser negros, então barram muitos desses assuntos, não entendem o que está se falando. A medicina é um campo bem difícil, mas eu acho que a diversidade de pessoas nessa área tende a trazer outro olhar para esse campo da saúde”, relata Melina.

Pacientes

Com a possibilidade de trabalhar remotamente, Melina consegue levar seu trabalho para mais pessoas e atingir um público diverso. “Hoje em dia é bem heterogêneo, na verdade [os pacientes], mas a maioria é de mulheres e de mulheres negras. Tem alguns pacientes que são homens brancos, mas na maioria são mulheres negras”, relata.

“No exterior tem essa questão cultural e se comunicar em uma língua não nativa é bem difícil. E comunicar e expressar suas emoções às vezes o psiquiatra que está ali atendendo aquela pessoa pode entender de uma forma diferente, as pessoas às vezes não conseguem se conectar tanto. Então faço essa ponte com outros especialistas ou com os médicos clínicos de lá, às vezes também não é preciso, outras a pessoa só quer uma orientação lá no exterior. Logo, rola essa identificação das pessoas do exterior comigo”, diz.

Questionamos Melina acerca da sua perspectiva sobre um profissional negro ser procurado por pacientes em razão de uma identificação ou na expectativa de maior acolhimento e os fatores de gênero e raça podem influenciar a relação de médico e paciente sobretudo na saúde mental.

“Alguns pacientes que chegam, têm um sofrimento tão grande e a falta de letramento racial não permite enxergar os aspectos do racismo, da misoginia no acometimento de saúde da pessoa. Outros já chegam letrados, com esse conhecimento e querem de fato um acolhimento de uma médica, que tenha esse conhecimento e estudo. E, na prática clínica, de fato percebo uma diferença. Temos dados de estudo que corroboram a minha percepção. Infelizmente pela questão histórica e o racismo estrutural, não temos tantos pesquisadores médicos negros nas pesquisas, mas nos Estados Unidos pela história deles, eles tinham um pouco mais de avanço nisso”, explica.

Foto: Reprodução/Doctoralia

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