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Mulheres, o machismo e o racismo dentro das redações jornalísticas

Apesar dos avanços, ainda encontramos retrocessos quando se diz respeito a gênero e raça no Brasil

Muito se fala da importância de um país diverso para todos, mas pouco se debate sobre a necessidade de esforços na construção do mesmo. Nos bastidores  das redações jornalísticas, as mulheres desempenham um papel fundamental, direcionando a narrativa e a cobertura dos acontecimentos que moldam nossa sociedade, mas mesmo assim, ainda são a minoria nos postos de liderança.

Nos últimos anos, com a transição para o jornalismo digital, a presença e a contribuição femininas tornaram-se ainda mais marcantes e, mais uma vez, esse lugar só serviu para evidenciar aquilo que já havia sido percebido: as problemáticas sociais andam lado a lado.

A pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro, realizada pela Rede de Estudos, Trabalho e Identidade dos Jornalistas (RETIJ/SBPJOR), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2021, apontou que as mulheres representam uma parte significativa dos profissionais de jornalismo. Na região Nordeste, por exemplo, elas correspondem a 54,4% dos jornalistas, demonstrando sua presença expressiva nas redações.

No entanto, apesar dessa representatividade numérica, a presença feminina nos cargos de liderança ainda é baixa, com apenas 13% ocupando posições de chefia. Esse cenário reflete a persistência do machismo e do patriarcado, fatores que continuam a contribuir significativamente para a manutenção dessa desigualdade de gênero dentro e fora dos polos de comunicação.

O estudo ‘Mulheres e liderança na mídia: evidências de 12 mercados’, elaborado pelo Instituto Reuters e publicado em março de 2023, analisou a desigualdade de gênero no Jornalismo em quase 240 organizações jornalísticas de 12 países.

Em análise global, a pesquisa, que foi divulgada pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) revelou que a “sub-representação das mulheres na liderança das redações faz com que suas vozes permaneçam silenciadas em uma indústria global ainda dominada por homens”.

“De acordo com os dados coletados, apenas 22% dos 180 principais editores que lideram os 240 veículos de imprensa analisados são mulheres, apesar de elas representarem 40% dos jornalistas dos 12 mercados. A liderança das mulheres nas redações não progrediu: em 2022, esse percentual era de 21%”, revela o relatório.

Além da questão de gênero, a representatividade racial também é um ponto crucial a ser considerado. O Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (Gemaa), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ),  analisou o perfil racial de quem está por trás do  noticiário brasileiro.

O levantamento sobre a composição de raça e gênero de colunistas dos três jornais de maior circulação no Brasil – todos do sudeste brasileiro – Estadão, Folha de S. Paulo e O Globo), revelou que apenas 2% do grupo é composto por mulheres negras, índice igual ao de homens negros. Mulheres brancas são 28% e homens brancos, 68%. Foram considerados 287 profissionais da área.

Na avaliação da coordenadora de Igualdade Racial da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Valdice Gomes, a pesquisa mostra de maneira clara que negros e mulheres são minoria nas redações da grande mídia, e o estudo do Gemaa/Uerj confirma o retrato que vem sendo feito sobre o perfil racial da imprensa brasileira.

Valdice Gomes, coordenadora de Igualdade Racial da Federação Nacional dos Jornalistas, apontou que a presença minoritária de negros e mulheres nas redações reiteram a necessidade de reivindicações de mecanismos como políticas públicas.

Em comentário para a Agência Brasil, por exemplo, ela disse que “o perfil traçado só vem provar o quanto o jornalismo feito por esses veículos é prejudicial para a própria população. Não é representativo da sociedade brasileira, quando se sabe que a maioria da população, 56%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são pessoas negras.”

“E um jornalismo feito com esse perfil retratado na pesquisa mostra que a realidade da sociedade brasileira não está sendo mostrada de forma mais verdadeira. Isso prejudica o jornalismo que está sendo feito. É um jornalismo prejudicial, não só pelo perfil dos profissionais que fazem, mas também pelas fontes que são ouvidas e apresentadas. Nem a população está representada nas fontes e, muito menos, pelos profissionais. E isso, logicamente, é prejudicial para a sociedade e não contribui para a redução do racismo, nem do machismo.”

O abismo se aprofunda quando, ao pesquisar sobre a presença feminina e negra no mercado publicitário e em outras frentes da comunicação, como Relações Públicas, há dados não específicos sobre o trabalho nos bastidores. Uma pesquisa realizada também pelo Gemaa, por exemplo, aponta dados apenas sobre representação midiática em peças publicitárias, mas não sobre quem idealiza seus conceitos.

No projeto Diversidade Racial na Publicidade Brasileira foram analisados anúncios publicados em 370 edições da Revista Veja entre 1987 e 2017. No total, mais de 13 mil figuras humanas foram observadas. Em conclusão, homens brancos foram maioria dos modelos em anúncios e representaram cerca de 52,5% do total.

Mulheres não brancas, isto é, pretas, pardas, amarelas e indígenas, formam o grupo menos presente, com apenas 3,5%. Os números indicam a normalização dos padrões de beleza, especialmente no contexto racial.

Esse cenário ressalta a importância de promover a diversidade e inclusão nas redações jornalísticas, bem como em outros espaços de mídia, especialmente em uma sociedade que ainda é marcada pelo racismo e pelo machismo, onde essas questões se entrelaçam e impactam diretamente a vida das pessoas, limitando suas oportunidades e reforçando estereótipos prejudiciais. O desafio é transformar essa realidade, garantindo que as vozes e experiências de mulheres negras e de outras minorias sejam ouvidas e valorizadas, contribuindo para uma imprensa mais justa, plural e representativa.

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