Em entrevista à reportagem do Portal Umbu, a bailarina Edilene Alves fala sobre o começo da sua trajetória profissional e o seu trabalho nas redes sociais

Se você dançou o hit “Zona de Perigo”, sucesso do verão anterior na voz de Léo Santana, saiba que ele foi coreografado pela bailarina Edilene Alves. Coreógrafa do artista desde 2016, os movimentos criados por Edilene foi um dos responsáveis pelo bom desempenho da canção no Carnaval. Mas não para por aí: além da dança, Edilene é influenciadora digital e acumula mais de 340 mil seguidores no Instagram.
“Sou uma bailarina, coreógrafa, produtora artística, digital influencer, mulher de candomblé, mulher de axé. Sou formada em Administração de empresas também, filha de uma mulher preta. Perdi meu pai aos 12 anos, de lá para cá, minha mãe sempre foi pai e mãe e meu tudo. Minha orientadora espiritual também, apesar de não ter sido iniciada por ela, mas faço parte do terreiro que ela é a pessoa que está ali gerindo tudo”, se apresenta Edilene.
Para Edilene, suas conquistas não são consideradas um ponto de chegada, mas um caminho. “Por onde eu passava, eu estava abrindo caminhos para outras meninas com o mesmo perfil que eu ocuparem esse espaço que só quem é preta e que faz arte em Salvador e no Brasil sabe, o quão é difícil conquistar algo. Então, estou aqui ainda. Não digo que cheguei em lugar algum, estou de passagem e abrindo esses caminhos aí para mim e para meu povo”, complementa.
A bailarina teve o seu primeiro contato com a dança a partir de um contexto religioso, no candomblé, e familiar. “Sempre vi minha irmã e minha mãe fazendo preparação dos iniciados. Esse momento que a pessoa entra na religião, que vai passar pela iniciação e que precisa aprender a dançar, precisa aprender a se comportar dentro do terreiro. Então vivi isso desde muito pequena e sempre me apaixonei muito pela dança”, declara.
Alves conta que a mãe, que havia se tornado o arrimo da família, também foi fundamental nesse processo de envolvimento com a arte. “Minha mãe sempre frequentou os ambientes de fanfarra. Minha família toda foi envolvida em fanfarra e quadrilha junina, então a arte, a dança sempre esteve muito presente no meu contexto familiar”.
Uma das fundadoras do bloco Ilê Aiyê, a mãe de Edilene tinha contato com outros blocos afros, o que tornou a convivência no meio artístico muito presente já nos primeiros anos de vida da coreógrafa. “Fui crescendo e tomando gosto por isso. E eu sempre ouvia muito das pessoas, ‘sim, você gosta de dançar, mas você quer trabalhar com o quê?’. Sempre menosprezando a dança, ouvia que a dança não era um viés profissional para mim”, relata.
No entanto, as críticas não desmotivaram Edilene. Ela ingressou em cursos na área de dança na Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), no Balé Folclórico da Bahia e no Liceu de Artes e Ofícios. “Fui buscando fazer aulas, cursos, me profissionalizar. Consegui participar dos concursos também de Bloco Afro, fui rainha do Malêzinho, fui Muzembela, a rainha do Ilê Aiyê, e sempre busquei me tornar profissional da área”, diz.
Em 2009, Edilene Alves foi eleita a Deusa do Ébano do Ilê Aiyê e, atualmente, é a coreógrafa do Balé de Léo Santana. Perguntada sobre a sensação de ver o seu trabalhando alcançando diferentes públicos, a bailarina diz:
“A minha sensação é de realização. Sei que ainda não é um quadro. A gente ainda consegue ver que precisa melhorar muito essa questão de ascensão da mulher preta em todas as áreas, mas principalmente na arte, que é um meio muito machista, principalmente do meio do pagode. Porém eu me sinto muito realizada e, justamente no ano que fui deusa do ébano, foi o ano que surgiu o meu primeiro convite para dançar em banda de pagode”, conta.

“Então, a priori, eu nem quis, recusei. Fiquei com muito medo de como seria isso de uma Deusa do Ébano estar dançando em um palco de banda de pagode. Mas ali entendi que seria uma virada de chave para quebrar muitos preconceitos, para poder trazer uma nova roupagem para esse olhar de que mulher que dança em um palco de pagode é mulher vulgar, é mulher que está nua sempre, é mulher que dança de qualquer forma. E independente do que ela vista, de como ela dança, a mulher precisa de respeito”.
“Eu vi esse momento como uma oportunidade dessa mudança e, graças a Deus, que deu mais do que certo, porque eu trouxe uma visão mais técnica para a dança de entretenimento, de banda de pagode, de banda de axé. Eu trouxe a visão de que a mulher realmente pode estar onde ela quiser, independentemente do título que ela tem, de quem ela seja. E venho nessa missão até hoje.”
Edilene Alves conta que percebeu sua influência no cenário coreográfico ao longo dos anos. “De 2009 para cá, tive grandes alcances e de influenciar outras bandas, outros balés. Vejo que a metodologia do meu trabalho é aplicada em outros lugares e isso, para mim, não tem dinheiro, não tem cachê no mundo que paga”, relata.
“Para mim, isso é materializar o que de fato acredito e que vejo que dá certo, que não adianta mudar e não ter resultados.”
“Então, vejo que é uma mudança que, desde os gestores ao público, o olhar de respeito realmente é intensificado e, para mim, isso foi o mais importante, realmente a valorização do corpo da mulher, da presença da dança, da estética, da mulher como um todo, cenicamente e fora da cena também”, diz.
Influência
Para Edilene, trabalhar com internet pode ser muito prazeroso, mas exige responsabilidades. “Vejo que o que faço, o que falo, o que eu posto como influenciadora digital porque reflete, de fato, na vida dessas mulheres, dessas pessoas. Não só mulheres, porque tenho um público infantil, tenho pessoas da terceira idade, tenho um público que me acompanha. Tenho muito cuidado com o que eu posto, com o que falo, com o que levo para essas pessoas consumirem, porque sei que interfere na vida dessas pessoas de alguma forma”.
Nas redes sociais, Edilene aproveita o espaço para dividir com os seus seguidores a rotina da sua profissão. Além da parte do “glamour, das viagens, das realizações”.
“Às vezes quem está de fora acha que é muito incrível dançar com um artista ou trabalhar viajando para outros países, outros estados. É interessante, é importante, é. Mas também mostro a abdicação da vida familiar, ou você não conseguir estar presente na sua terra natal, nas principais datas, no seu aniversário, no Natal”, diz.
“Enfim, você precisa realmente abrir mão de muitas coisas para poder estar vivendo a estrada, para poder estar acompanhando algum artista. E é a nossa realidade de vida que enquanto estamos na cena, somos artistas, mas quando estamos fora dela, somos uma pessoa como qualquer outra, que passa por qualquer outra dificuldade, que tem suas questões particulares, que às vezes tem dia que está bem, tem dia que não está”, completa.
“Busco não romantizar a minha rotina, trazer o meu público o mais próximo possível do que vivo, não esconder no que acredito. A minha fé está sempre em primeiro lugar, no meu dia a dia no terreiro, com minha mãe, com minha família, com as pessoas que conheço, convivo. Então, acredito que há mulheres que se sentem empoderadas por mim e acho que elas se inspiram. Tenho muito orgulho disso”, conclui.