Prevalência da anemia falciforme na população negra dá-se por conta de uma mutação genética que surgiu no continente africano, trazida ao Brasil no período da escravidão.
A doença falciforme é hereditária, tem prevalência entre pessoas negras e se apresenta, principalmente, por sintomas como anemia crônica e dor severa, que decorre da má circulação sanguínea, sendo, ainda, uma das condições genéticas e congênitas mais comuns no mundo. Segundo o Ministério da Saúde (MS), no Brasil, cerca de 8% da população negra tem o diagnóstico de anemia falciforme. Já na Bahia há uma grande incidência da doença, considerando que mais de 76% da sua população é composta por negros.
Gleiciane Santos faz parte dessa estatística. Moradora do bairro de Cajazeiras, em Salvador, afirma que cresceu visitando o hospital, uma vez que seu diagnóstico veio a partir do teste do pezinho.
“Sou portadora da anemia falciforme e também tenho um irmão mais velho portador da mesma. A nossa doença foi descoberta bem cedo, ainda no teste do pezinho e logo minha mãe foi buscar o tratamento adequado. Como já cresci visitando hospital e realizando vários exames regularmente, sempre foi algo normal para mim. Graças a Deus e aos cuidados de minha mãe, tive pouquíssimas crises durante esses 23 anos”, afirma.
A jovem relembra o último momento em que esteve em aflição por conta da doença, para ela a dor da crise é uma sensação única e dolorosa. “Lembro-me da crise mais recente e mais forte que tive, no dia 23 de junho desse ano. Começou com uma dor quase insuportável, é como se todos os ossos do seu corpo estivessem quebrando ao mesmo tempo. Depois a dor ficou localizada apenas em um lugar, que foi nas minhas pernas. Precisei procurar atendimento na emergência duas vezes durante essa crise”, relata.
“Em uma das vezes a emergência estava super cheia e o atendimento levou horas. Lembro que abri a ficha às 9h da manhã e só fui chamada às 16h11. E quanto mais o tempo passa na espera por atendimento, mais a dor aumentava. Fiz uso de medicamentos fortíssimos, mas não era o suficiente para acabar com as dores. Fiquei cerca de 2 semanas sem conseguir andar direito.”
A moradora de Cajazeiras elogia os avanços em estrutura para o tratamento da condição, mas ressalta que ainda há dificuldades para superar. “Realizava meu tratamento na Hemoba, que foi referência, por muitos anos, em tratamento da Anemia Falciforme. Hoje temos o Centro de Referência de Doença Falciforme, inaugurado esse ano, no bairro do Garcia, com uma ótima estrutura e mais especialistas como Neurologista, Nutricionistas, Psicólogo. Mas minha maior dificuldade no tratamento é a realização de exames mais elaborados como angioressonância. O sistema do SUS demora muito para dar a liberação”.
“Apesar desses desafios com os exames e tendo a anemia falciforme, consigo levar uma vida tranquila e de qualidade. Realizo minhas atividades do dia a dia sem muita dificuldade. Ultimamente faço uso de dois medicamentos: Ácido fólico e Hidroxiuréia”, conclui Gleiciane.
Aliados no tratamento da doença falciforme, o ácido fólico – conhecido também como B9 e vitamina M – e a Hidroxiuréia desempenham, respectivamente, funções fundamentais para a construção das células do sangue e na diminuição da produção de citocinas inflamatórias.
Apesar dos desafios encontrados na vida das pessoas que sofrem com a Anemia Falciforme, o governo da Bahia entregou, em março, o Centro Estadual de Referência às Pessoas com Doença Falciforme – Rilza Valentim, o primeiro do tipo no país. O Centro de Referência é vinculado ao Estado e recebeu R$9,5 milhões para sua implantação. O espaço possui gestão da Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Estado da Bahia (Hemoba).
Para Larissa Rocha, hematopediatra e diretora de Hematologia da Hemoba/Centro Estadual de Referência às Pessoas com Doença Falciforme (CERPDF) a inauguração do Centro de Referência foi uma grande conquista para a população baiana.
“Todo tratamento referente a anemia é feito pelo Sistema Único de Saúde e, antes da inauguração do Centro Rilza Valentim, que inclusive é uma grande alegria para nós, o atendimento era realizado na sede do Hemocentro. Sempre atendemos com muito prazer a todos os pacientes e ver que esse tratamento está se expandido é uma conquista importante. É válido ressaltar que além da Fundação Hemoba, existem outras unidades de atendimento para esses pacientes na rede SUS, tanto em Salvador como em algumas unidades do interior, é uma grande”, destaca.
Rilza Valentim, nome que batiza o local, homenageia uma mulher negra, ex-prefeita da cidade de São Francisco do Conde, na Bahia. Líder idealista, que combatia injustiças e defendia a liberdade e a igualdade, Rilza deixou um legado de grandes realizações e desenvolvimento para a cidade onde nasceu e construiu sua trajetória política.
Sobre a doença:
A doença falciforme é hereditária e se caracteriza pela mudança na estrutura dos glóbulos vermelhos no organismo, assumindo um formato semelhante a uma foice, ou uma meia lua, dificultando o transporte de oxigênio entre as células e até obstrução nos vasos sanguíneos. Essa mudança de formato ocorre em situações de esforço físico, estresse, frio, traumas, desidratação, infecções, entre outros. Nesse formato, os glóbulos vermelhos não oxigenam o organismo de maneira satisfatória, porque têm dificuldade de passar pelos vasos sanguíneos, causando má circulação em quase todo o corpo.
As manifestações clínicas da doença falciforme podem afetar, assim, quase todos os órgãos e sistemas. Podem ocasionar crises de dor, icterícia, anemia, infecções, síndrome mão-pé, crise de sequestração esplênica, acidente vascular encefálico, priapismo, síndrome torácica aguda, crise aplásica, ulcerações, osteonecrose, complicações renais, oculares, entre outras.
O diagnóstico da doença é feito, principalmente, no Programa Nacional de Triagem Neonatal – Teste do Pezinho. Crianças a partir dos quatro meses de idade, jovens e adultos que ainda não fizeram diagnóstico para detecção da doença podem realizar o exame de sangue chamado eletroforese de hemoglobina, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Este exame está inserido também na rotina do pré-natal, garantido a todas as gestantes e parceiros.
O diagnóstico precoce ajuda a reduzir os danos causados pelos sintomas, a exemplo da diminuição das crises de dor e da redução da necessidade de transplantes de forma precoce, resultando em mais qualidade de vida para o paciente e toda a família.
Sobre o Centro Estadual – Rilza Valentim:
Com horário de funcionamento de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h. Para ser atendido pela unidade é necessário passar pela triagem hematológica, para uma avaliação específica. Após isso, o paciente solicita atendimento, a partir do envio de um e-mail para ambulatorio.triagem@hemoba.ba.gov.br.
Para os pacientes que já são acompanhados pelo serviço, as consultas podem ser agendadas pelos telefones (71) 3116-5675 ou 3116-5676, das 8h às 19h, de segunda a sexta-feira, ou por email, no endereço consulta.ambulatorio@hemoba.ba.gov.br.
O Centro Estadual de Referência às Pessoas com Doença Falciforme – Rilza Valentim tem capacidade para atender 100 mil pessoas por ano, um acréscimo de 25%, com atendimento ambulatorial multidisciplinar, que inclui especialistas em hematologia, ortopedia, hepatologia, neurologia, oftalmologia, além de nutricionista, psicólogo, odontologia, fisioterapeuta, assistente social, assistência farmacêutica.
A unidade também está equipada para realizar o Doppler transcraniano, exame fundamental para diagnóstico precoce de alterações de vasos cerebrais relacionadas ao desenvolvimento de AVC. A unidade de saúde oferece ainda exames hematológicos, bioquímicos e conta com uma agência transfusional. A equipe multidisciplinar é composta por 141 profissionais, dos quais 51 foram contratados e se somam aos 90 profissionais que atuavam no antigo ambulatório da Fundação Hemoba e que agora fazem parte da equipe do Centro.