Criadora da iniciativa Letras Pretas, Almeida assina uma campanha de enfrentamento à misoginia encabeçada pelo Esporte Clube Bahia

“Eu sou uma mulher preta, baiana, brasileira que acredita no poder da criatividade que está intrínseca no nosso povo como ferramenta de sobrevivência e arte e que está em constante processo de evolução, mudança e aprendizado”. É assim que se apresenta Jessica Almeida. Escritora, roteirista, publicitária e mãe, ela conta que está fazendo um exercício de “cada vez mais entender quem é a Jessica para além da profissional”.
Diretora de Criação Associada da Agência Gana e co-fundadora e Diretora Criativa da plataforma Lúcidas, com foco em amizades femininas, a Jessica conta que o início da carreira não foi fácil. Oriunda de Feira de Santana, ela lembra que, em 2005, ainda não tinha uma faculdade de Comunicação.
“Precisei vir para Salvador para fazer faculdade. Mas antes disso, eu já tinha sido picada pelo bichinho da Publicidade”, brinca. “Meu irmão mais velho, Jeferson Almeida, já tinha abandonado o destino de ser industriário como meu pai e já trabalhava como redator publicitário em uma grande agência da cidade. Eu já me encantava pelo ofício e, sem dúvida, ele foi um dos meus maiores mentores”, recorda.
Almeida conta que já se “arriscava” na produção de textos para uma agência pequena em Feira de Santana, o que a levou a estudar Publicidade e Propaganda em Salvador. “Como estudante, eu fui entendendo que a profissão era, de fato, uma vocação. Mas ainda assim, tive muita dificuldade para entrar no mercado de Salvador por ser de outra cidade, por não ter contatos nas agências”, conta.
“O networking ainda tem um papel muito importante na construção da carreira de um publicitário na Bahia. Imagina isso há 14 anos atrás?”, questiona a escritora. “Voltei para Feira de Santana e fui crescendo na profissão. Fui redatora, depois DC [diretora de criação], voltei pra Salvador, novamente, e abri outras portas a partir do social e da estratégia digital, o que me abriu outros caminhos para trabalhar num mercado maior, com marcas nacionais e onde estou trilhando minha trajetória até hoje”.
Com mais de 15 anos de carreira, Jessica desenvolveu projetos para Rede Bahia, Sistema Fieb, Neoenergia, O Boticário e Grupo Jcpm, além de ter trabalhos junto às agências W3Haus e Morya Comunicação.
“Mas em resumo, é um caminho cheio de desafios. Onde a autoconfiança não pode ser atravessada pelo ego, principalmente quando nós estamos falando de uma profissional que quebra alguns estereótipos do mercado.”
“Ser uma mulher preta e nordestina numa indústria sudestina ainda majoritariamente branca e masculina, é muito mais sobre acreditar em mim. Exige atenção, estratégia e, principalmente, a vontade de mudar realidades através do meu trabalho”, comenta.
Além da atuação na plataforma Lúcidas, Jessica também desenvolve, como escritora, a iniciativa Letras Pretas. Jessica explica que “são projetos que falam sobre amor próprio. Seja transformando isso em arte ou levantando pautas importantes que fortalecem o autocuidado entre as mulheres”.
“Letras Pretas começou como uma brincadeira, pois sempre gostei de escrever, mas deixava os meus escritos ali, num caderno, num Word perdido na área de trabalho e não divulgava isso. LP [sigla do projeto] virou um lugar de refúgio criativo e de mostrar uma outra Jessica para as pessoas”, conta a publicitária.
“Já Lúcidas, foi idealizado por Larissa Magrisso que me convidou, junto a Ana Briza, para ser um polo de conversa sobre amizades femininas e que de lá partissem discussões fundamentais para que nós pudéssemos nos olhar com mais carinho, sororidade e, principalmente, curiosidade para entender os laços que nos unem e o poder deles”, explica.
Na última sexta-feira (22), o público conheceu um novo trabalho de Jessica. Em uma campanha do Esporte Clube Bahia contra a cultura do estupro, a roteirista assina o texto que narra as múltiplas violências a que as mulheres estão expostas em uma sociedade que protege homens que abusam e violentam. Com um mote antimachismo, a mensagem é uma só: “a realidade pode mudar e isso começa, sim, pelos homens”, como publicou em seu Instagram.
Na rede social, ela conta que o fotógrafo Pis Santos a abordou e desenvolveram juntos como o conceito funcionaria. “Vai doer, vai ser difícil. Mas a gente tem que colocar isso no ar. A gente repetia todas as vezes que ‘algo não saía como esperado’”, traz na legenda da publicação.
“Mas saiu. Saiu com dor e tocando muitas dores que a sociedade não estava pronta pra ouvir e ver, mas precisava. Mas se dói escrever, dói ainda mais sentir. E como mulher e mãe, 1 minuto que alguém pare para prestar atenção nesse vídeo, pode ser menos 1 mulher sendo vítima nesse país”, declara.