Portal Umbu entrevistou apreciadores da bebida para entender como o apreço ao “menorzinho” surge na cultura brasileira

Uma das figurinhas carimbadas na mesa do brasileiro, o café é um dos produtos de maior relevância econômica quando se trata de exportações brasileiras, colocando o país no primeiro lugar do ranking e de produtores mundiais. Antes de se popularizar pelo sabor forte ou pelo bordão “cafezinho, dona Helena”, dito pela atriz Thalma de Freitas na pele da personagem Zilda, da novela “Laços de Família” (2000), o café já era consumido desde a antiguidade.
Com raízes na África, o grão foi levado para diversas regiões do mundo por persas e árabes até chegar no Brasil nos anos 1720, pelas mãos de Francisco de Melo Palheta, depois de viajar pela Guiana Francesa.
Foi a partir de 1837 que o café ganhou destaque no cenário internacional como o principal produto de exportação do Brasil Império. O cenário foi propício para que os chamados “Barões do Café” ascendessem economicamente, se tornando os principais mantenedores do país à época, enquanto os escravizados, responsáveis pelo cultivo, colheita e beneficiamento, seguiam sendo explorados.
Homenageando a importância histórica, cultural e econômica da semente, a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) instituiu o Dia Nacional do Café em 2005. O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, representando cerca de 38% da produção global. Conforme o Sistema Faeb, a Safra 2023/2024, o país produziu 66,4 milhões de sacas de 60kg, à frente de Vietnã (27,5 mi), Colômbia (11,5 mi), Indonésia (9,7 mi), Etiópia (8,3 mi), Índia (6 mi) e Honduras (5,7 mi).
Este ano, a ABIC, em parceria com o sistema Horus, divulgou balanço sobre o consumo de café no varejo brasileiro entre janeiro e abril de 2024. No acumulado dos primeiros quatro meses do ano, o consumo da bebida registrou um aumento de 0,16% em relação ao mesmo período do ano anterior. No total, foram consumidas 4.963.725 sacas de 60kg pelo mercado interno. No primeiro quadrimestre de 2023, o volume consumido foi de 4.955.567 de sacas. Ao compararmos o consumo de abr/24 com abr/23, é possível notar um aumento de 9,20%. Já de mar/24 para abr/24, as vendas subiram 1,11%.

O consumo da bebida no Brasil pode ser vista como culturalmente indissociável da formação do paladar do cidadão. Presente na vida de Ivan Cézanne, engenheiro de software e “cafezeiro” em transformação digital e inovação, o “menorzinho” ganha mais apreço a cada gole. Em entrevista ao Portal Umbu, ele contou que beber café se tornou um prazer que “só aumenta à medida que eu pesquiso e experimento mais”.
“O momento do café, seja no início do dia ou em um fim de tarde, invoca uma aura de tranquilidade e revitalização, um universo de sabores e possibilidades que, sinceramente. É irresistível!”
Já Analice Carvalho diz que sua história com o café é antiga, consumindo desde nova por ser um produto tradicional e essencial em casa, mas que começou a apreciar a bebida há cerca de 2 anos. “Apesar de ser somente alguém que experimenta de vez em quando, por conta do custo, a minha relação com café se tornou algo especial que passou a me identificar nos lugares que frequento. Sempre que posso, estou experimentando novos sabores em algumas cafeterias da cidade, mas acredito que o sonho de qualquer entusiasta de café é ter os equipamentos – e tempo – para fazer todos os dias. Afinal um bom café alimenta a alma”.
Quantos aos tipos preferidos de café, os entrevistados pontuam: “Café capixaba, de torra média, moído na hora e feito na prensa francesa é minha pedida clássica. Duvido alguém achar ruim”, brincou Ivan. “Sinceramente, hoje eu não tomo mais pelo efeito de disposição da cafeína, pra essa proposta existem produtos melhores no mercado. É um hábito sinestésico de cheiros, sabores e rituais que ajuda na qualidade de vida”.
“O meu preferido é o café especial torrado em grãos. Acho que tem um sabor do verdadeiro café, forte, concentrado e único”, explicou Analice. “Experimentei, há um tempo, um café com perfil sensorial de maracujá, que gostei bastante, e outro também com perfil sensorial de caramelo. Incríveis”.
Os cafés especiais apreciados pelos entrevistados são preparados pelos baristas, profissionais que também são homenageados neste 24 de maio. O Dia do Barista é uma celebração em homenagem aos profissionais que trabalham na criação de técnicas e na preparação de café e outras bebidas quentes, como chás e cappuccinos. A data foi criada em 2015 pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA).
Um dos alvos de debate entre consumidores é a diferença de qualidade entre cafés de produção industrial e de origem orgânica. Ivan Cézanne explicou que há, sim, diferença, mas que isso não é fora do comum ou recente. “Todos os produtos de massa sofrem adição de compostos e simplificação de processos regulados por órgãos para manter padrões de pureza mínimos para consumo, no caso do café tem a ABIC – Associação Brasileira da Indústria do Café. O café de mercado não faz mal, a ABIC garante isso, mas não tem todas as qualidades de um café bem cuidado”.

“O ‘café de verdade’ é o caldo da semente que vem de uma fruta selecionada por espécie e qualidade do fruto que foi armazenada e secada evitando contaminação e depois foi torrada de acordo com a sensibilidade à temperatura típica do grão. É um processo honesto com quem consome e, geralmente, com quem trabalha; favorece muito o comércio justo”, apontou.
Dando dicas para quem pensa em se aventurar no mundo dos cafés mais “diferentões”, Analice ressaltou que as versões especiais da bebida são mais caras, assim como os equipamentos. Contudo, a professora pontua que, da perspectiva da acessibilidade para pessoas negras e periféricas, “há a possibilidade do moedor elétrico, que não leva a qualidade do moedor manual, mas que traz o sabor mais acentuado do café”. “Há alguns cafés em grãos que são mais em conta, então acredito que há a possibilidade de experimentar uma qualidade melhor do café, não diariamente, a depender do consumo. Mas para aqueles que puderem, garanto que não irão se arrepender”.
Já Ivan elencou alguns espaços de Salvador e explicou um pouco do processo de preparo. “Em Salvador, os melhores cafés estão no Café Bola (Porto da Barra), Garimpo da Barista (Caminho das Árvores) e Latitude 13 (Barra). Neles é possível experimentar e comprar, inclusive já moído, uma grande variedade de cafés. Com o café em mãos, a forma mais fácil de preparar é usar uma prensa francesa, pois basta jogar o pó de café com água quente e esperar de 3 a 4 minutos”.
“A prensa tem um êmbolo que a gente pressiona para separar o líquido do pó, o que ajuda a servir na xícara. A partir daí é se aventurar pelas receitas; trocar o café, alterar a quantidade de pó e água, mudar o tempo de infusão e até mesmo usar outro equipamento como filtros, máquinas e coadores variados e por aí vai, é uma alquimia de sabores sem fim”, concluiu.