
Whatsapp, e-mail e ligação por vídeo, esses são alguns dos meios de comunicação virtuais mais populares. Utilizados para as mais variadas finalidades, desde o contato com os amigos até uma reunião de trabalho, o foco principal dessas ferramentas é promover a comunicação instantânea entre pessoas em diferentes lugares. Por outro lado, nos últimos anos, meios de comunicação mais analógicos como a carta, foram perdendo espaço no cotidiano das pessoas.
Com o objetivo de resgatar e incentivar a escrita de correspondências entre mulheres lésbicas, o projeto ‘Troca Postal’ foi criado em 2022, idealizado pelo casal Fernanda Öberg e Renata Lopes. De acordo com elas, a ideia de criar a troca de cartas surgiu da necessidade de dar uma pausa nos imediatismos do virtual e fazer um convite para as participantes saírem das telas.
“Escrever é um gesto de resistência. Uma carta carrega tempo, afeto e presença. Entre palavras e papéis, nos conectamos para além das telas, das distâncias, das urgências do agora. A troca virtual é imediata, mas nada supera a emoção de abrir um envelope e encontrar palavras que viajaram até você”, diz trecho do texto que anuncia o projeto.
Além da oportunidade de aprofundar relações, o ato de escrever à mão já têm benefícios comprovados pela ciência. Segundo estudo da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, publicado em janeiro de 2024, a escrita manual traz benefícios como, por exemplo, facilidade na memorização e no aprendizado. “Escrever à mão cria muito mais atividade na parte sensório-motora do cérebro”, analisaram os pesquisadores.
A troca de correspondências
O projeto de escrita de cartas chegou a sua 2ª edição em 2025 e está com inscrições abertas. Quem quiser participar da troca de cartas, basta se inscrever no formulário disponibilizado na página do Instagram @SafoSapa. Após se cadastrar, a organização do projeto promove um sorteio dos endereços de forma aleatória. Em seguida, é realizado o envio das cartas, onde as participantes recebem o endereço de outra participante e escrevem a correspondência.
Quem enviar uma carta, também receberá uma correspondência de outra pessoa. Além disso, o projeto possibilita que a pessoa que recebeu a carta possa responder de volta. Logo, cada participante terá contato com duas pessoas diferentes. As interessadas em participar da troca de correspondências promovida pela Safo Sapa podem se inscrever, através deste link. As inscrições estão disponíveis até essa quinta-feira (27).

Nossa reportagem conversou com as idealizadoras do projeto, a artista urbana e cineasta Fernanda Öberg e a artista urbana e antropóloga, Renata Lopes. Fernanda é natural do Rio Grande do Norte, já Renata é do Rio Grande do Sul. Ambas vivem atualmente em São Paulo, onde decidiram criar juntas a plataforma ‘Safo Sapa’ e o projeto de troca de cartas.
“Nosso intuito foi [e continua sendo] criar uma rede de amizade, apoio, conexão e trocas entre lésbicas e que seja além do ambiente virtual. A ideia é manter a arte da carta viva, algo que fosse além da distância geográfica, que fosse sensível ao toque e seguro para trocarmos e falarmos sobre tudo. A Troca Postal é também uma tentativa de resgate histórico”, explica Renata.
Conexões
Criado em 2022, após o período do isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19, o projeto de correspondências entre mulheres vai na contramão do excesso do digital no cotidiano das pessoas. Com os computadores, tablets e celulares, meios de comunicação mais analógicos como cartas, telefone e até as trocas físicas foram perdendo espaço na rotina das pessoas.
“Durante a pandemia, vivemos de uma forma muito conectada e digitalmente. A Troca Postal surgiu da ideia de trazer uma espécie de ‘respiro’ e materialidade para a maneira que nos comunicamos. O tempo de espera da carta é um momento importante que nos permite experimentar conversar sem a expectativa de uma resposta instantânea. Acreditamos que todo momento é ideal para resgatar essa narrativa”, argumenta Renata.
Para as idealizadoras do ‘Troca Postal’, a escrita de cartas foi um meio de comunicação importante para as mulheres lésbicas. ”A troca de cartas sempre funcionou como uma ferramenta importante de conexões entre mulheres lésbicas que não podiam expressar seus sentimentos de outra forma”, analisa Fernanda.
Entre as novidades anunciadas nesta 2ª edição está o Clube das Cartas, um grupo para auxiliar no suporte, trocas e fortalecimento entre as participantes. Os encontros serão realizados em um primeiro momento no formato virtual. Segundo as idealizadoras, em breve o clube poderá ocorrer presencialmente.
“O Clube das Cartas é uma forma que criamos para dar continuidade e acompanhar o projeto após a divulgação dos endereços para correspondência. A ideia é que a troca não seja feita com apenas uma rodada de envio de cartas, e sim várias, e que seja algo em constante expansão. Para participar é necessário se inscrever para a troca e confirmar o envio da carta que enviaremos o link”, explica Fernanda.

Outras iniciativas
Além da troca de cartas, o instagram Safo Sapa, onde estão concentradas as novidades e informações do projeto, promove diversas iniciativas como a Zine Poética Lésbica e o Festival Elas na Rua. “A Zine Poética Lésbica foi uma zine criada em parceria com o Festival de Cultura Lésbica Sapiência idealizado pela coletiva Oitava Feminista, a zine foi uma criação coletiva em que diversas mulheres enviaram suas artes. O Elas na Rua é um projeto de valorização do graffiti feminino, em 2022 co-produzimos dois encontros e em 2023 fomos contempladas com a verba da lei de incentivo à cultura e co-produzimos o primeiro Festival Elas na Rua em Pelotas”, diz Renata.
“A Safo Sapa ainda não tem uma definição, mas nas artes, somos um duo, na vida somos companheiras e no instagram é meio que um mix de tudo, um espaço para divulgar artes, projetos e sonhos”, complementa Renata.
Em 2025, o projeto chegou a sua 2ª edição alcançando bons números. Isso porque, até esta terça-feira (25) ele já reuniu cerca de 550 mulheres que se inscreveram e escolheram participar da troca postal. As inscrições seguem abertas até a quinta-feira (27), logo, a tendência é que esses números cresçam até lá.
Sobre o retorno das mulheres que já participaram da troca de correspondências, Fernanda diz: “Recebemos mensagens recentemente sobre as participantes que mantiveram um diálogo mesmo depois do envio das primeiras cartas na primeira troca. Na época da primeira troca recebemos fotos via instagram das cartas chegando aos endereços, foi bonito ver, tiveram correspondências que atravessaram o oceano, pois, algumas das participantes moram fora do Brasil”.