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Tradição e Contemporaneidade no Carnaval de Salvador

No carnaval de Salvador, tradição e contemporaneidade têm sido o combustível, ora das expressões conservadoras da nossa sociedade, ora das transgressões e invenções fantásticas da nossa criatividade

Foto: Antônio Queirós/GOVBA

Recentemente, participei, juntamente com o Reitor da Universidade Federal da Bahia, Paulo Miguez, de um Seminário intitulado País do Carnaval, realizado na cidade de Recife, pela Fundação Joaquim Nabuco. 

Lá estavam presentes representantes de vários carnavais brasileiros: Rio Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Salvador. Do mesmo modo, a plateia, que participou ativamente do Seminário, era bastante diversa. Tinha dirigentes de blocos, maracatus, gestores, pesquisadores e foliões. 

A discussão foi riquíssima. 

Fiquei impressionado com as semelhanças dos impasses e desafios que os carnavais Brasil afora, estão passando. Tudo muito parecido com os dramas do Carnaval de Salvador. Participação x Exclusão. Camarote x Carnaval de Rua. Espetacularização x Espontaneidade. Público x Privado. 

O fato concreto é que cada um a seu modo, todos esses carnavais, que são distintos, seja no formato, organização e participação, estão enfrentando desafios poderosos. E  nada melhor do que a reflexão coletiva para encontrarmos saídas. 

Espaço, regramentos, taxas, apoios, interdições, participação social, racismo, discriminações e monetização monopolizadora dos ganhos do Carnaval estavam presentes em todas as falas. 

Chamou minha atenção a forte preocupação com a consolidação no circuito carnavalesco da dimensão do negócio/indústria cultural/turismo. Ninguém sabe ao certo o que fazer. O fato concreto é que do jeito que está não dá pra ficar.  

Participei da discussão sobre Tradição e Contemporaneidade no Carnaval de Salvador. Temas aparentemente contraditórios, mas que em verdade caminham juntos desde que o mundo é mundo. No carnaval de Salvador, tradição e contemporaneidade têm sido o combustível, ora das expressões conservadoras da nossa sociedade, ora das transgressões e invenções fantásticas da nossa criatividade. 

Um exemplo desse falso conflito ficou marcado historicamente nos Carnavais de Salvador na década de 70. No mesmo espaço de tempo em que o trio elétrico ganhava as ruas da cidade, democratizando o carnaval e maximizando a participação popular, os blocos afros, por meio da tradição cultural de origem negra, pacificava o carnaval de Salvador, via sua reafricanização. 

É também nesse período que o Bloco de Trio, expressão das mais contemporâneas do Carnaval de Salvador, praticava o mais tradicional racismo soteropolitano, declarando por meio de outdoor que “o metro quadrado mais bonito da Bahia”, era branco, loiro e de olhos azuis. 

Esse racismo aliado da contemporaneidade de uma branquitude tradicional era tão evidente que explodiu numa Comissão Especial de Inquérito na Câmara de Vereadores, que apesar de manipulada, provocou mudanças importantes no combate ao racismo, tanto no carnaval quanto no cotidiano de Salvador. 

Ou seja, tradição e contemporaneidade, são partes integrantes da dinâmica social e consequentemente da dinâmica do carnaval. Ora cumpre o papel de modernização, ora de conservação, seja de normas, valores ou costumes.  

Enfim, já é passada a hora dessas discussões ocorrerem de forma mais ampla e articulada nacionalmente. A Bahia pode cumprir um papel importante nesse campo e dar uma contribuição mais importante ainda, visto que a singularidade do Carnaval de Salvador, tem muito a oferecer ao nosso país.  

Toca a zabumba que a terra é nossa!

OPINIÃO

O texto que você terminou de ler apresenta ideias e opiniões da pessoa autora da coluna, que as expressa a partir de sua visão de mundo e da interpretação de fatos e dados. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Umbu.

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Vadinho França
Vadinho França
10 meses atrás

Muito boa as observações

Lucia Correia Lima
Lucia Correia Lima
10 meses atrás

Zulu é pioneiro portanto teve tem um papel da maior importância. Mas estava cobrindo o carnaval para O Globo e somente este crachá me deu guarita, que ironia, para chamar policiais, pois um caminhão imenso de um trio, estava em frente a Casa da Itália, estrategicamente impedindo a ida do Ilê AIYÊ para o palanque do Campo Grande. Ou seja: o povo classe média dos trios elétricos, temiam a expansão dos blocos afros. O grupo de policiais tiveram que obrigar o trio desobstruir a rua para o Ilê passar.

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