Pedagoga, ativista, yalorixá, mãe, escritora e digital influencer revela lutas e vitórias em sua trajetória
Thiffany Odara é uma mulher trans negra cuja história é marcada por lutas, conquistas, desobediências, resistências e atravessamentos. Nascida no Centro Histórico de Salvador (BA), sua família foi despejada de casa quando ela ainda era bebê, devido ao projeto de revitalização da região nos anos 1990. Desde então, Thiffany tem lutado por seu território e por reconhecimento.
Hoje, ela é pedagoga, ativista, yalorixá, mãe, educadora social e assessora parlamentar. Em 2020, fez história ao ser a primeira mulher trans a concorrer ao cargo de ouvidora da Defensoria Pública da Bahia. Thiffany é também mestranda em Educação e Contemporaneidade na UNEB e especialista em Gênero, Raça e Sexualidade pela mesma universidade:
“O que acontece, na verdade, é que quando a gente se coloca no lugar público a gente deixa de ter uma vida sua porque você acaba vivendo para várias pessoas e, aí, você acaba vivendo para atuar. As pessoas lhe cobram porque existe a Thiffany Odara que é mãe, a Thiffany Odara que é filha, a Thiffany Odara que é irmã, que é companheira, a Thiffany Odara que, dentro desse compilado que a sociedade impõe, eu sou. A Thiffany que eu verdadeiramente sou e a que as pessoas querem que eu seja. Por isso, acabo ganhando carisma muito grande, ódio muito grande, tem pessoas que passam a me odiar por eu ser eu, pessoas que passam a me amar por eu ser eu e tem lugares que eu consigo abrir portas e tem lugares que eu não consigo acessar”, explica.
“A minha história de vida já se tornou até um TCC, um trabalho de conclusão de curso. Eu já fui pesquisada várias vezes, então acaba que algumas pessoas começam a entender que eu ocupo uma posição que é uma posição de luta de resistência de grande alcance, mas ao mesmo tempo, é uma posição de silenciamento”, analisa Thiffany, que aborda os desafios de ocupar as posições de yalorixá, liderança comunitária digital influencer, comunicadora e pedagoga em um país cheio de preconceitos como o racismo, a misoginia e transfobia.
Sua luta por desbravamento de espaços também se manifesta na educação. Ela é a primeira mulher trans a se formar em pedagogia na UNEB (Universidade do Estado da Bahia) e lançou o livro ‘Pedagogia da Desobediência: Travestilizando a Educação’, que discute a inclusão e acolhimento da comunidade travesti em ambientes educacionais. “Nós somos uma maioria silenciada, somos uma maioria que foi tão negligenciada, tão pisoteada, tão aniquilada pela estrutura colonial racista que a gente não conseguiu alcançar o topo do poder e alinhar as estruturas sociais no sentido de comandar o país, de ter o que é nosso por direito”.
“Então eu gosto muito do termo: ‘Somos uma maioria silenciada, uma maioria que ainda não ocupa”, salienta, apontando a resistência e a força da luta do movimento de travestis. “Por isso eu escrevi o livro em 2021. É ali onde eu pego a história do movimento social de travestis no Brasil, e eu gosto de falar travestis no plural porque a gente faz parte de uma pluralidade, porque nós somos pessoas plurais, conectadas, e contar a história do movimento social através dessas pessoas”.
“Afinal, eu sou fragmento da luta de Erika Hilton, sou fragmento da luta de Jovanna Cardoso, eu sou fragmento da luta da saudosa Michele Marie, da saudosa Marina Garrett e de tantas outras mulheres trans e travestis que contribuíram para o meu fortalecimento, para que hoje eu possa ser reconhecida como Thiffany Odara.”
“Para que Erika Hilton ocupe essa bancada, Duda Salabert. Para que nós possamos ter voz e vez. A luta do movimento social de travestis é uma luta que se organizou nessa estrutura no Brasil a partir do ‘estouro’ dos casos de HIV e AIDS. O que eu faço no livro é começar a entender que a educação é um mecanismo de transformação social. A educação, ela é esse mecanismo de sociabilidade, de interação com o outro que é diferente da gente. Nós somos diferentes, ainda que sejamos pessoas pretas, e essas diferenças se constituem no processo de ensino e aprendizagem. Então esse livro vai dizer que o processo educacional precisa valorizar essa ideia da diferença de gênero, sexual, racial, diferença de estética, de demarcação territorial, porque elas nos constituem”, explicita Odara.
Além disso, Thiffany é yalorixá do Terreiro Oyá Matamba, em Lauro de Freitas (BA), e vê o Candomblé como uma filosofia de vida e resistência. Ela afirma que ser uma líder religiosa mulher trans e negra é uma disputa por território e um combate pela dignidade e respeito: “Nós precisamos levar em conta que o nosso país, o mundo como um todo, tem uma mania de determinar padrões, uma única forma de ser e estar no mundo. E aí eu vou contestar isso a partir do histórico de luta do movimento de travestis, daí eu começo a dizer que uma sociedade sem racismo, uma sociedade sem LGBTfobia, não é uma sociedade boa somente para nós, mas para todo mundo. Uma sociedade sem machismo, sem feminicídio, é melhor para todo mundo”.
Ela aponta que, apesar de parecer um futuro distante, “já estamos mostrando que podemos fazer melhor e estamos fazendo melhor”.
“E se essa porta não se abrir, nós vamos arrombar essa porta, entrar pela janela, tirar os telhados, mas nós vamos entrar”.