Ela é a primeira mulher indígena a assumir o cargo para, junto a ouvidora-geral Naira Gomes, fazer ecoar nos projetos, atuações e estrutura da DPE/BA os anseios da sociedade civil e, em especial, dos povos originários.
Indígena do povo Pataxó (Bahia), graduanda em Direito pela Universidade Federal da Bahia, Rutian do Rosário Santos possui graduação em Ciências Econômicas pela UFBA (2014), e hoje é a primeira mulher indígena ouvidora-adjunta da Defensoria Pública.
O anúncio aconteceu dentro da programação do Acampamento Terra Livre (ATL) – Bahia no dia 16 de junho deste ano e foi celebrado por lideranças indígenas, parlamentares e representantes de diversos movimentos sociais.
O ingresso de Rutian na estrutura da Ouvidoria Cidadã acontece em um momento de avanços e intensificação do trabalho voltado à garantia de direitos das comunidades indígenas pela Defensoria da Bahia e se soma às ações iniciadas em 2007, através do projeto Balcão de Direitos, e que culminaram na instalação da primeira sede com base na presença de comunidades indígenas no território.
No cenário nacional, os desafios são o esvaziamento de atribuições do Ministério dos Povos Indígenas e a votação do Marco Temporal.
Para a missão que passa a assumir na Ouvidoria da DPE/BA, Rutian traz a experiência de ter sido secretária geral do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – Mupoiba; a força e resiliência dos 30 povos indígenas existentes no estado e a união das mulheres e homens que entraram de mãos dadas com ela no plenário: a defensora-geral da Bahia, Firmiane Venâncio, Naira Gomes, a Cacica Maria Kiriri e Kãhu Pataxó.
Em entrevista ao Portal Umbu, Rutian Pataxó traz diversas memórias da sua trajetória na vida comunitária dos povos pataxós, além de ressaltar a importância da sua família como primeiros incentivadores da sua luta e a sensação de ocupar esse cargo é justamente porque teve a segurança de pessoas que estiveram antes dela, como Aléssia Pâmela.
“Estamos em um momento de visibilidade de muitas temáticas. A gente vem de um período de quatro anos de muita resistência, foi uma luta de não perder direitos, todo dia a gente acordava com uma bomba diferente e durante os últimos dois anos eu fui Secretária Geral do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – Mupoiba, então toda articulação do movimento passava por mim, por isso eu era responsável por todos os ofícios, encaminhamentos das temáticas indígenas, tanto estadual quanto federal”, inicia a ouvidora-adjunta.
“E aí a gente acaba também tendo nessa luta do movimento indígena que é o grande precursor dessas lutas porque nada é dado de graça, tudo é uma forma de lutar por espaços. No ano passado teve o concurso da DPE, que Aléssia Pamela, foi a primeira defensora indígena, então, de certa forma, a presença dela na DPE demonstra também como a DPE consegue ficar mais próxima das comunidades indígenas através da atuação de Aléssia e de nos vermos também nesses espaços que é importante ter esse espelho. Assim como Samara foi convidada pelo Ministro para ser assessora, as meninas também se vêm nela, é uma advogada no Supremo, como assessora então a minha visibilidade veio também através dela”, afirma.
Rutian Pataxó aponta a importância de ter espaços como o da Defensoria Pública ocupados por pessoas indígenas. “A ouvidoria é esse órgão externo e liderado por movimentos sociais, por isso é diferente, é como se o movimento social estivesse ali para dizer ao judiciário que são eles que precisam ser ouvidos, é do jeito deles que devem ser ouvidos”.
Apontando a DPE como uma porta de acesso à justiça, Rutian indica que a formalidade do judiciário nem sempre é o necessário na Ouvidoria. “Talvez com movimentos sociais as coisas não precisem ter tanta formalidade, por isso, a Ouvidoria é esse lugar de acolhimento, é o espaço de escuta aqui não é a primeira porta que as pessoas batem, é a última, então de certa forma é um lugar que poderíamos acolher as pessoas”.
“Às vezes as pessoas chegam aqui e elas só precisam ser ouvidas, e se não for assunto da DPE é dever acompanhar e orientar porque a gente pensa que o conhecimento e a informação estão para todo mundo, mas não está. A gente tem grande parte de uma população que não sabe ler, não sabe fazer uma ligação, não sabe ir em um banco e a gente acha isso tudo normal, eu consigo enxergar a dificuldade das pessoas porque eu tive essa dificuldade, pois não era algo comum na minha vivência e a gente precisa ser sempre sensíveis a entender que nem todo mundo passou pelos mesmos processos”, analisa.
Embasamento e histórias dos povos indígenas foram importantes para a formação de Rutian, e fazendo referência à data de hoje, dia Mulher Negra Latino Americana e Caribenha a defensora pública aponta que têm referências de mulheres que a fortalecem na luta.
“Pessoas contribuíram para a luta do povo Pataxó, Dona Josefa Pataxó, Dona Zabelê Pataxó são pessoas que cravaram uma luta contra o estado exatamente para proteger o seu território. São pessoas que não vão estar em livros didáticos, mas são pessoas que estavam ali através da resistência desafiando o estado para poder permanecer no território, e foi através delas que a gente não perdeu nosso território” declara a ouvidora-adjunta.
“Zabelê foi uma pessoa que sempre manteve viva a cultura, ela foi uma das últimas falantes da língua, uma pessoa que propagou a cultura Pataxó depois do massacre sofrido, então assim, elas são as minhas heroínas, eu não cheguei a conviver naquela época mas são histórias que são repassadas de geração a geração. Eu tenho sempre a relação das minhas heroínas serem mulheres, referencio a luta das mulheres indígenas há muito tempo também eu sempre acredito que só precisa nos dar oportunidade que a gente consegue ter o mesmo sucesso que os homens, então eu acredito que essas mulheres são influências positivas para a minha trajetória, além da minha mãe que foi uma pessoa que foi muito guerreira na sua época”, finaliza.