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“Romper o ciclo da violência contra as mulheres perpassa pela autonomia econômica das mulheres”, explica Camilla Batista, superintendente da SPM-BA

Em entrevista ao Portal Umbu, Camilla Batista falou das ações para conter as violências contra a mulher, os índices de feminicídio e os articulações futuras da Superintendência

“Advogada e feminista”, estas são as palavras com as quais a Superintendente de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher na Secretaria estadual de Políticas para as Mulheres (SPM-BA), Camilla Batista, se define. Com 20 anos de atuação na militância pela defesa dos direitos femininos, ela assumiu o cargo de superintendente em janeiro deste ano.

Natural de Delmiro Gouveia, município localizado na mesorregião do sertão alagoano, Camilla atua no estado da Bahia há 15 anos. Antes de ir para a SPM-BA, ela ocupou cargos na gestão pública e no terceiro setor. Nos últimos anos, a superintendente esteve à frente da Secretaria do Desenvolvimento Rural da Bahia. Em Organizações Não Governamentais (ONGs), Batista colaborou na elaboração de projetos e captação de recursos. 

Em entrevista ao repórter estagiário do Portal Umbu, Jadson Luigi, por telefone, Camilla Batista explicou as ações para conter as violências contra as mulheres no estado, os altos índices de feminicídio e os próximos passos da Superintendência de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher da SPM-BA. Confira:

Portal Umbu: Sabemos que o acolhimento a mulheres vítimas de violência é promovido por diversas instituições como forças de segurança, Ministério Público e Defensoria Pública por meio da denúncia, o que leva às ações subsequentes. Deste modo, como funciona o trabalho na Superintendência de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher?

Camilla Batista: A Secretaria de Políticas para as Mulheres foi criada há 12 anos, em 2011, e ela tem como missão elaborar, propor, articular e executar as políticas públicas voltadas para as mulheres. Nesse sentido, foi criado no ano passado, dentro da estrutura, duas superintendências. Uma de prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres e a outra de Promoção e Inclusão Socioprodutiva. 

Na Superintendência de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher, temos três eixos prioritários. Um deles é o enfrentamento à violência, articulando toda a rede que compõe esses órgãos de enfrentamento violência que são o Ministério Público, Defensoria Pública, TJ (Tribunal de Justiça), a Ronda Maria da Penha, os centros de referência que são centros de atendimento psicossocial a essas mulheres e violência, as delegacias tanto as DEAMs (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) e os núcleos especializados como também as delegacias comuns que o Estado tem feito capacitação para que esses servidores atuem no acolhimento das Mulheres vítimas de violência. 

A gente também tem trabalhado com a questão da educação inclusiva e não sexista que é através do processo educacional. Então foi criado um programa na secretaria que é o “Oxe Me Respeite na escola”, que trabalha a questão da discussão sobre gênero e diversidade e a prevenção à violência. Porque a gente compreende que essa política do enfrentamento que são as estruturas de estado, que é a Deam e são centro de referência muitas vezes a estruturação da própria Polícia Civil e militar é importante, Mas a gente precisa fazer uma mudança de cultura patriarcal e geracional e só através da educação a princípio a gente transformar uma sociedade e trazer uma sociedade mais inclusiva mais igualitária e que respeito todas as diferenças.

Portal Umbu: Em agosto você foi uma das participantes de um encontro da campanha “Agosto Lilás”, que discutiu formas de combate à violência contra a mulher. Entre algumas estratégias, foram apresentadas a educação de futuras gerações e o investimento em políticas de defesa. De que forma essas medidas podem facilitar o acesso de mulheres sobreviventes da violência ao atendimento especializado?

Camilla Batista: No mês de agosto, conhecido como o Agosto Lilás, em referência à Lei Maria da Penha, a gente teve que desenvolver algumas ações em vários territórios de identidade. Foram mais de 40 atividades e, algumas delas, em alguns órgãos estratégicos como Tribunal de Contas dos Municípios, o TJ (Tribunal de Justiça) e ações em algumas prefeituras e municípios. Nessas ações, falamos sobre as políticas que a secretaria tem executado na questão do enfrentamento e a prevenção, mas também sobre as ações do Governo Federal, através do Ministério das Mulheres. 

No último período, nós tivemos o desmonte das políticas públicas e uma delas era uma garantia de uma política que estava dentro do Programa “Mulher Viver sem Violência”, que era a construção da Casa da Mulher Brasileira, que tem todo um equipamento com suporte às mulheres vítimas de violência, desde o acolhimento até a finalização do processo e incluindo elas também na questão do autonomia econômica. Então, o Estado da Bahia vai receber quatro casos dessas, uma delas vai ficar em Salvador; outra localizada em Feira de Santana, que deve atender a região do sertão; terá também uma entre Itabuna e Ilhéus, que vai atender todo o litoral sul. E a quarta ficará no município de Irecê.

A gente tem trabalhado no sentido de que, essas políticas, elas tragam um fortalecimento também pela autonomia econômica, porque romper o ciclo da violência contra as mulheres perpassa pela autonomia econômica das mulheres, mas também sobre a questão da dependência psicológica. Então, foi criado também um programa paralelamente que é o chamado “Cuidar de quem cuida”, cuidar dessas mulheres que sempre cuidam de alguém. 

 romper o ciclo da violência contra as mulheres perpassa pela autonomia econômica das mulheres, mas também sobre a questão da dependência psicológica.

Logo, esse fardo pesado que a gente carrega na sociedade com dupla, tripla jornada, ela tem trazido transtornos psicológicos para as mulheres, porque as violências acontecem de forma muitas vezes silenciadas, não é uma violência em forma de agressão, mas a violência psicológica do “fazer” e de colocar ela numa condição que ela precisa fazer, além do trabalho  financeiro que ela desenvolve. Mas também a divisão sexual do trabalho, onde foi colocada toda carga para essa mulher, então o programa foi construído nessa perspectiva de também trabalhar a auto-estima das mulheres que é muito importante.

Portal Umbu: No primeiro trimestre deste ano, segundo o Monitor da Violência, foram registradas 1.289 ocorrências de mortes violentas, estatística onde entram os feminicídios, que apresentou queda de 13% nos primeiros seis meses, segundo a SSP, em razão da nova diretriz de integração das forças policiais. Sabemos que a população negra é mais atingida pela violência nos centros urbanos, como a SPM está atuando para promover a defesa e segurança de mulheres desse grupo? Há iniciativas de prevenção com algum recorte racial?

Camilla Batista: Sim, infelizmente os índices de feminicídio ainda são bem altos. O Brasil é o quinto país que tem o maior índice de feminicídio e de violência contra as mulheres, a Bahia tem tido um índice muito alto e a gente tem trabalhado, com a construção de políticas públicas para o enfrentamento imediato. 

Quando a gente olha para o Estado da Bahia, são 417 municípios. Nós só temos, hoje, 38 centros de atendimento especializados mulheres, apenas três casas abrindo para atender essas mulheres e ainda uma quantitativo baixo de delegacia especializada. 

Nós só temos, hoje, 38 centros de atendimento especializados mulheres, apenas três casas abrindo para atender essas mulheres e ainda uma quantitativo baixo de delegacia especializada.

Então o governo do estado, nessa perspectiva, criou algumas ações emergenciais e prioritárias. Primeiro, a Ronda Maria da Penha, que passou a ter um batalhão de enfrentamento a violência com uma nova estrutura para a Polícia Civil, para atender a mais municípios. A Secretaria de Segurança Pública criou um departamento de proteção às mulheres e pessoas vulneráveis. Antes era apenas uma coordenação, agora é um departamento que faz toda a interlocução com as delegacias com as Deams e as delegacias territoriais que atendem às mulheres vítimas de violência. 

Foi intensificado o programa de capacitação, onde servidores públicos da segurança pública, da saúde e da assistência social que são portas de entrada também dessas mulheres vítimas de violência, como também o programa educacional mudança de geração.

Então com a política alinhada com o governo federal, a gente consegue perceber que há uma diminuição dos índices de feminicídios, apesar de ter um aumento na questão da denúncia e para gente isso é fundamental, porque muitos casos eram subnotificados. Então as mulheres não procuravam (atendimento) porque não tinha os equipamentos em seu município. A partir do momento que ela passa a ter aquele equipamento no território, há um aumento no número de denúncias, mas também um acompanhamento, porque muitas mulheres vítimas de violência, a primeira coisa que elas pedem é a medida protetiva. 

Portal Umbu: No começo do ano, você participou da inauguração do Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres (Nevid) do Ministério Público estadual. Sete meses depois, a SPM já teve acesso aos índices coletados pelo núcleo? Quais foram os resultados?

Camilla Batista: Não. Os índices são apurados pelo núcleo, fazem um demonstrativo anual, mas a gente tem um diálogo permanente com o núcleo. No caso do Ministério Público, tem chegado muitas denúncias, não só de feminicídio, mas de violência sexual e importunação que muitas vezes não passa por dentro da Secretaria de Segurança de Segurança Pública.

Então, houve uma auditoria externa, uma auditoria internacional em vários tribunais de contas e uma das determinações que veio para Bahia foi a criação da rede institucional por decreto, para que esses fluxos, desses documentos, desses dados, sejam passados para toda a rede de enfrentamento. Então no monitoramento que hoje a gente tem, a rede de enfrentamento perpassa pelos dados que são computados pela SSP ou pelo Anuário Nacional de Segurança Pública.

Portal Umbu: Quais são os próximos passos da superintendência e da SPM? Há novas iniciativas em vista para 2023 ou 2024?

Camilla Batista: A gente está passando, agora, pelo processo do PPA (Plano Plurianual), que é o PPA que constrói as políticas públicas e as iniciativas que serão desenvolvidas de 2024 até 2027. Com o PPA participativo esse ano, foram construídas propostas que vieram dos movimentos sociais dos territórios. A gente averiguou que a maioria dos territórios tem uma demanda muito alta e represada sobre a questão da política de enfrentamento a violência contra mulheres.

E nesse sentido, nós construímos agora o PPA, com propostas que vão interiorizar essas ações, então terá a construção de equipamentos como os centros de referência, que irão levar atendimentos em 8 territórios do estado. Identificamos que essas localidades têm uma ausência do equipamento que é um equipamento que funciona de forma ainda precária. 

A questão também das unidades móveis, que são as unidades de atendimento, contarão com uma equipe multidisciplinar para fazer o atendimento social e jurídico às mulheres da zona rural.  O governo federal autorizou a entrega de 270 unidades móveis para o Brasil. A Bahia tem duas apenas, então nessa perspectiva a gente entende que vamos receber cerca de 10 unidades para atender aos territórios. 

O governo federal autorizou a entrega de 270 unidades móveis para o Brasil. A Bahia tem duas apenas, então nessa perspectiva a gente entende que vamos receber cerca de 10 unidades para atender aos territórios. 

Temos também o programa, que é o programa carro-chefe, que é o “Oxe Me Respeite” na escola. (Ele) será interiorizado no estado para a rede estadual e municipal, através dos protocolos de acordo e cooperação técnica com as prefeituras.

A gente tem desenvolvido um projeto agora com os cartórios notariais do estado, com uma proposta do programa “Sinal Vermelho”, em que as mulheres também vão poder procurar algum tipo de auxílio nos cartórios e os cartórios vão fazer um encaminhamento para as redes de proteção em todos os municípios e territórios do estado.

Tem um programa também que está sendo criado sobre a questão assédio no trânsito, trabalhando tanto a questão da importunação sexual como do assédio que ocorre no trânsito e o empoderamento das mulheres, pois, lugar de mulher também é na direção, uma parceria que estamos desenvolvendo juntamente com o Detran. 

Do programa educacional, a parceria foi estendida tanto com a Secretaria de Educação e a Secretaria de Cultura, a Coordenação de Juventude, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, por entender que as violências atinge em um número muito maior as mulheres negras, as mulheres indígenas, que estão em estado de vulnerabilidade social, além das mulheres trans, lésbicas ou bissexuais. Então tem todo esse esforço de transversalizar essas ações nas escolas e também com o Fundo Nacional das Populações Unidas.
A gente tem dialogado muito com a Secretaria de Direitos Humanos, porque é a secretaria que tem competência e uma coordenação específica para trabalhar com a questão da diversidade. Porém, sobre as mulheres trans, a gente tem trabalhado com um programa educacional que inclui o módulo específico para trabalhar com debate sobre a transfobia que ocorre no universo escolar. Mas também há um projeto que a gente trabalha, que é a dignidade menstrual pensado para as pessoas que menstruam, que são mulheres cis e homens trans.

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