Caso de racismo religioso em Salvador reacendeu debate sobre preconceito e violência a que religiosos de matriz africana são submetidos

Na semana que antecedeu o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado hoje (21), cenas de preconceito e violência se tornaram notícia.
Uma jovem que usava um fio de contas, item comumente utilizado por religiosos de matriz africana, foi hostilizada e atacada verbalmente por um homem no metrô de Salvador. A motivação do ataque foi o ódio religioso.
A Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais (Sepromi) repudiou o caso e acolheu a vítima.
O preconceito e a violência a que a jovem foi submetida por conta do fundamentalismo religioso, revelam que, mesmo após anos de aprovação da Lei Federal nº 11.635/2007, o ódio que alcançou a vida de Mãe Gilda de Ogum ainda não retrocedeu o bastante.
Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda de Ogum, foi líder religiosa do Terreiro Axé Abassá de Ogum, localizado no bairro de Itapuã, em Salvador. Ela morreu em 21 de janeiro de 2000, após ser alvo de uma campanha difamatória encabeçada por uma organização evangélica, que culminou em uma série de violências física e verbal à líder religiosa e sua família.
Um levantamento realizado pela startup JusRacial revelou que, em 2023, tribunais brasileiros registraram uma alta de processos judiciais relacionados a casos de racismo e intolerância religiosa. Foram 176.055 ações, número que coaduna os índices de casos similares em tribunais e Cortes como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com 4.292 processos, e Supremo Tribunal Federal (STF), que contabilizou 1.907 casos.
Ainda segundo o relatório, tribunais dos 26 estados e do Distrito Federal receberam 74.613 ações sobre racismo e intolerância religiosa no último ano.
Os dados apresentam um grande salto se comparados às estatísticas do II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, publicação organizada pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas e pelo Observatório das Liberdades Religiosas, com apoio da Representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, aponta aumento dos casos de intolerância religiosa no país.
Lançado em janeiro de 2023, o relatório aponta que as religiões de matriz africana, mesmo sendo uma minoria religiosa, são as mais atingidas pela intolerância. Em 2020, foram notificados 86 casos de intolerância religiosa contra religiões de matriz africana e 244 casos em 2021.
Conforme publicado pela Agência Brasil, dados do portal Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, revelaram que foram registrados 477 casos de intolerância religiosa em 2019, 353 casos em 2020 e 966 casos em 2021.
Políticas na Bahia
O governador Jerônimo Rodrigues anunciou, na última sexta-feira (19), a criação da Ronda Omnira de Proteção à Liberdade Religiosa, uma ronda policial que tem o objetivo de combater a intolerância religiosa, atendendo as demandas de vítimas desse tipo de crime.
O anúncio foi feito durante a Sexta da Paz, evento alusivo realizado no Largo do Pelourinho, em Salvador, que antecede o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado neste sábado (20).
A Ronda Omnira, que é uma palavra em yorubá para “liberdade”, é uma iniciativa do Grupo de Trabalho Permanente pela Igualdade Racial do Departamento de Promoção Social da Polícia Militar da Bahia (PM-BA), e é um serviço administrativo e operacional especializado na condução das ocorrências delituosas ligadas aos terreiros de matriz africana na capital baiana.
A operação será conduzida pelo Departamento de Promoção Social (DPS) da PM-BA que, através do Grupo de Trabalho Permanente pela Igualdade Racial (GTPIR), promoverá rondas circunscritas.
Um efetivo de 22 homens e mulheres da Polícia Militar da Bahia atuarão em espaços de sacralidade de matriz africana e em questões ligadas à intolerância religiosa e ao racismo estrutural.
Em 2023, o Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, um dos equipamentos para denúncias desse tipo de crime, localizado na capital baiana, registrou 33 ocorrências de atitudes ofensivas, discriminatórias e de desrespeito a práticas e crenças religiosas na Bahia.
Compromisso de governo
De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), é compromisso do governo “reiterar o respeito a todas as expressões de fé e fazer valer a laicidade do Estado brasileiro”.
Segundo a pasta, em 2023, dados do Disque 100 indicavam que, nos dois anos anteriores, houve uma elevação de 45% nos atos de intolerância religiosa. “Neste sentido, a nova gestão do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) reitera o compromisso em respeitar as diversas manifestações religiosas ou mesmo a ausência de crença”, assegurou.
Denúncias
Para relatar casos de intolerância religiosa, basta acessar a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), que é o setor do ministério para receber as denúncias da sociedade contra todo tipo de violência e abriga o Disque 100.
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil