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Quando a vela não apaga: O novo tempo do Samba Baiano

Banjo Novo | Foto: Agência WAV

A nova cena do samba em Salvador pulsa em muitos ritmos, lugares e linguagens.

Nos bairros tradicionais — como Liberdade, Santo Antônio, Feira de São Joaquim, Pelourinho, Engenho Velho de Brotas, Federação, Saúde, Garcia, São Lázaro, Cajazeiras e Itapuã — a cultura do samba vive hoje um florescimento, com eventos e grupos reafirmando sua presença. Nesses territórios, berços históricos de resistência cultural, a reverberação se propaga para velhos e novos espaços da contemporaneidade.

Com o anúncio da Prefeitura de Salvador de que o samba será o tema do Carnaval 2026, esses movimentos ganham ainda mais força neste verão: o que se vive nas rodas, terreiros e palcos da cidade é um prenúncio potente de uma festa que promete colocar o samba no centro da cena.

Da mesma forma que o samba de roda — patrimônio nacional e da humanidade — permanece forte nos terreiros e nas comunidades tradicionais de toda a Bahia, e o samba junino — patrimônio da cidade de Salvador — torna-se cada vez mais pulsante no período do São João, a partir desses legados surgem novas experiências que conectam juventudes negras, cultura ancestral, musicalidade urbana e sentimento de pertencimento. 

Três cenas de segmentos diferentes do samba vêm cada vez mais atraindo um grande público e se consolidando no mercado cultural: 

  • Samba de Terreiro: grupos como Samba Trator, Omo Obá, Orisun, Alacorin, Viola de Isa, Giro Delas (samba junino).
Alacorin e Viola de Isa | Foto: Divulgação
  • Grupos de samba femininos: que seguem legados históricos como o das Ganhadeiras de Itapuã. Destacam-se: Coletivo do Samba de Mulheres de Itapuã, Afro Pérolas, Samba de Pretas, Samba de Oyá, Samba das Cumades, Samba da Niega, Sambaiana, Samba Pra Rua, Terreiro de Preta e Samba Ohana. 
  • Eventos temáticos: uma cena impactante na cidade nos últimos dois anos, que alterna em suas grades atrações locais e nacionais, promovendo uma inversão de representatividade e valorizando os grupos, artistas e produtores negros da cidade.

Essa cena é diversa, pulsante e representa diferentes segmentos do universo do samba: o samba de roda, o partido-alto e o pagode carioca. Eventos como Banjo Novo, A Cor do Samba, A Maior Roda de Samba do Mundo, Quintal du Samba, Samba Saboeiro, Ê Ai Dêu Samba, entre outros, se revezam entre espaços tradicionais da cena — praças e bares do Centro Histórico, Clube Fantoches, Pier da Feira de São Joaquim, Pátio da Igreja de Santo Antônio — e passam a ocupar casas de eventos e museus anteriormente acessados apenas por grandes produções de axé music e MPB.

Levam grande público a espaços como o Museu de Arte Moderna, Casa Pia dos Órfãos de São Joaquim, Museu Afro, Casa de Castro Alves, Arena Parque Santiago e Santa Casa Pupileira. Essa presença afirma a legitimidade e o valor do samba como expressão artística e política, capaz de tensionar a lógica excludente da cena cultural local.

Samba das Cumades | Foto: Reprodução/Instagram

O Banjo Novo, criado por Igor Reis e Samora Lopes, nasceu em encontros informais no bairro do Trobogy e hoje se firmou como um espaço de samba raiz que funde ritual, música e ancestralidade. Realizado às sextas-feiras com traje branco, o evento resgata o samba dos terreiros e comunidades, sendo marcado pelo fim da roda apenas quando a vela se apaga. Em maio, lotou o MUNCAB e reuniu mais de 2.000 pessoas em julho, na Casa Pia de São Joaquim, mostrando seu poder de unir cultura, juventude, identidade e comunidade.

Esses eventos marcam o surgimento de uma nova cena do samba com linguagem urbana, aproximando o ritmo da juventude periférica alternativa e da classe média negra universitária.

Um suporte de comunicação importante e estratégico para tatuar essa avalanche no mercado são as plataformas digitais especializadas em divulgar e cobrir esses eventos: programas de rádio AM e FM, perfis no Instagram dedicados à promoção e difusão das agendas semanais, transmissões no WhatsApp, blogs, podcasts etc., funcionando como guias culturais dessa nova cena do samba em Salvador. Esses canais não apenas informam datas e locais, mas também ajudam a criar uma rede de afetos, pertencimento e valorização da cultura negra.

É importante destacar também a centralidade das mulheres negras nos bastidores, atuando como produtoras culturais, articuladoras, responsáveis por redes de afeto, segurança e cuidado nos eventos. Em festas como o Banjo Novo, o Samba Saboeiro e o Quintal do Samba, boa parte da logística, da curadoria artística e do planejamento é executada por equipes de produção lideradas por pessoas negras.

Quintal du Samba | Foto: Divulgação

Esse protagonismo rompe com o histórico do mercado cultural, que por muito tempo reservou às pessoas negras apenas funções subalternizadas nos bastidores. Hoje, Salvador vive uma virada em que a cadeia produtiva do samba é cada vez mais preta — nos microfones, nas bilheterias, na fotografia, no som, na luz, nos contratos e nos palcos.

A força dessa cena tem gerado também um circuito de trabalho para músicos, produtores, artistas visuais, empreendedores e técnicos, além de reafirmar o valor do samba como patrimônio vivo, reatualizado a cada geração. Ao contrário da ideia de que o samba estaria em crise, Salvador vive um momento de reinvenção profunda do gênero, onde tradição e inovação andam lado a lado.

A árvore do samba baiano, enraizada nos terreiros, nas periferias e nos quintais, segue florescendo com vigor. Seus ramos se expandem em novas direções, acolhendo juventudes, renovando linguagens e afirmando memórias. Cada roda é uma semente plantada para as próximas gerações, garantindo que o samba continue sendo ritmo, palavra, abrigo e futuro para o povo de Salvador.

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