
O Afoxé Badauê iria começar sua evolução sem maiores pretensões em 1978 para, meteoricamente, tornar-se a maior referência do segmento Afoxés, no diálogo com a musicalidade dos Doces Bárbaros. Caetano Veloso e Gilberto Gil, Moraes Moreira, Armandinho Macedo, os grupos Novos Baianos e A cor do Som aplaudiram, curtiram e registraram, literalmente, em letras e canções todo esse legado.
O ambiente do Afoxé é descrito pelos ilustres e anônimos frequentadores como um “Buraco Quente” do final da década de 70 e início dos anos 80 em Salvador. Esta descrição faz alusão ao Buraco Quente no bairro de Mangueira – RJ, onde se reuniam os criadores da Estação Primeira de Mangueira em 1928, cinquenta anos antes da criação do Badauê, e que também atraiu os bambas do samba e uma classe média carioca com sua leva de artistas e intelectuais.
Em Salvador, o samba concorria com o ritmo do Ijexá e sua riqueza estético- musical, agora através da juventude do Engenho Velho de Brotas. Moa do Katendê, Jorge Sacramento – o Jorjão Bafafé –, Edinho, Tremedeira, Nelsinho, Negrizu e Geraldo Badá – o jovem mascote – conduziram o “Neo-Afoxé”. Com seu brilho e sofisticação, o Badauê conquistou pessoas de classes sociais distintas, em especial artistas das diversas linguagens. Estudantes, jornalistas e toda gente da cidade que circulava pelo Centro Antigo se embalaram pelo canto do mensageiro da alegria.

Atravessando o vale da Vasco do Gama em direção ao bairro do Garcia, no mesmo período da criação do Badauê do Engenho Velho de Brotas, um outro ambiente de toques e trocas culturais surgia em 1979 – O Bar e Espaço Cultural Zanzibar.
Segundo relato de Ana Célia, criadora do Zanzibar, mestra da culinária baiana e ativista do Movimento Negro Unificado, esse espaço foi, inicialmente, pensado para atrair lideranças do movimento negro e a comunidade do bairro do Garcia.
Como a localização do bar estava muito próxima da Escola de Belas Artes, da Escola de Teatro e da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia, de teatros, seus frequentadores não se restringiam aos moradores do Garcia, que tinham que dividir o espaço com estudantes da UFBA (e de outras instituições de ensino) e com o público das salas de teatro e cinema.

E como apenas uma avenida de vale separa o Zanzibar do Badauê, tornou-se inevitável o intercâmbio de seus frequentadores. Como transitar por Salvador naquele período era muito menos perigoso que os dias atuais, salvo pela violência implacável de repressão da ditadura militar, costumava-se ir e vir de um point ao outro na busca de articulação política, amizades, paqueras, comida de gente groovada e da melhor sonoridade que embalasse noite adentro.
Nesses ambientes de convivência multifacetada, tropicalistas e puxadores de trio compuseram diversas canções que se pautaram na rítmica do Ijexá trazida na musicalidade do Badauê e na efervescência deste bloco e do Zanzibar, geradora de diversas crônicas sociais.
Portanto, a patota do “Mar Azul Badauê”, do Engenho Velho de Brotas, funda e introduz nas bases da música baiana as levadas do Ijexá, com sua malemolência e melodia leve e sutil. De Moraes Moreira até os dias atuais do nosso carnaval, passando por Gerônimo, Lucas Santana e Baiana System, a musicalidade do Ijexá do candomblé da Bahia se perpetua, contribui e nos revigora, sempre.