Nos últimos anos, acordos de relacionamento estão sendo cada vez mais debatidos pelas novas gerações

Nos versos da música “Ninguém é de ninguém”, a cantora Pitty manda o recado: “Não pense que eu te tenho/ E muito menos que você me tem/ É lindo, baby, mas você sabe/ Que no fundo ninguém é de ninguém”. A letra, composta pela roqueira baiana e lançada no álbum “Matriz”, ilustra bem os novos modelos de relacionamento amoroso que estão disponíveis na modernidade.
De acordo com informações da revista Claudia, ‘não-monogamia’ é o termo usado para tratar de pessoas que fogem da norma monogâmica, ou seja, que mantêm um relacionamento em há um distanciamento da exclusividade afetivo-sexual e que não seguem o padrão estabelecido pela sociedade. Já o relacionamento aberto significa que existe um casal central e cada um pode ou não ter outras relações. Vale ressaltar que os acordos são estabelecidos, conforme os critérios de cada casal.
Há quem diga que a relação de Florípedes, seu segundo marido, Teodoro, e seu primeiro companheiro falecido, Vadinho, personagens da obra “Dona Flor e seus dois maridos”, de Jorge Amado, pode ser enquadrada como um relacionamento não-monogâmico ou um trisal. Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça deram vida aos protagonistas do livro na adaptação para os cinemas de 1976, na qual dona Flor, em seu segundo casamento, passa a dividir o leito também com o espírito de seu primeiro cônjuge.
Ainda segundo a publicação, o poliamor é a relação em que mais de duas pessoas se relacionam entre si. Essas relações também podem ser ou não abertas para que seus integrantes possam se relacionar com outras pessoas que não integram esse relacionamento central.
O poliamor e o relacionamento aberto têm se apresentado como alternativas para casais não-monogâmicos. Esses formatos não são necessariamente novos, no entanto, nos últimos anos essas alternativas têm ganhado novos contornos graças aos Millennials (nascidos entre 1980 e 1995) e a geração Z (de 1990 até 2010), que vem discutindo mais abertamente essas temáticas, especialmente através das redes sociais.
Além das letras de músicas e dos debates na web, essas “novas” formas de se relacionar têm sido discutidas também por celebridades, como a atriz Fernanda Nobre, que assumiu estar num relacionamento aberto. Quem também aderiu a este formato foi a cantora Aline Wirley, ex-grupo Rouge, que é casada com o ator Igor Rickli.
Um estudo realizado pela HSR Specialist Researcher, sobre a geração Z e o “casamento tradicional”, mostra que 76% dos jovens desejam morar com seu par. Entre eles, 57% querem casar no papel, com os dois morando na mesma casa, e 19% desejam uma união sem papel passado. Apenas 8% sonham com uma relação estável em que cada pessoa mora em locais diferentes, 9% não querem ter um relacionamento firme e 8% projetam ter uma relação aberta ou poliamor.
Quem tem uma visão privilegiada do assunto é o psicólogo Helton Messias. Especialista em relacionamento, o profissional atende casais da geração Z e os Millennials. Para Helton, as novas gerações têm priorizado mais a flexibilidade nos relacionamentos.
“Hoje, a geração [Millennial] está mais pautada em leveza e flexibilidade. Então, eles não querem um relacionamento que suga ou que exija demais. Eles querem um relacionamento onde ambos estejam dispostos a tratar da melhor maneira, da maneira mais leve, sem ter peso para nenhum e nem para outro. Então, se você gosta de se relacionar com mais de uma pessoa e você encontra uma outra pessoa que também está disposta a isso, torna leve para ambos desde que haja o contrato dentro do relacionamento para o que vai acontecer e como vai acontecer”, explicou o especialista.
Em meio ao avanço desses novos formatos, surgem as consequências, como a priorização da individualidade dentro do relacionamento, ao passo que algumas pessoas apontam que as relações estão mais descartáveis e voláteis, como o sociólogo polonês Bauman anunciou em sua famosa obra, “Modernidade Líquida”. Questionado sobre os impactos desse fenômeno. O profissional diz:
“Relacionar-se com o outro é criar construções dentro dessa relação. Então, a consequência maior é que, em relacionamentos, sejam de amizades ou namoros, podem ser rompidos pelo simples fato de que, por talvez eu não gostar de um tipo de doce, você acha isso um absurdo, ou por eu não compactuar com o mesmo gosto de músicas, de cultura e opiniões, sejam elas religiosas, políticas e demais assuntos que emergem no nosso planeta. Se eu não compactuo com você com a mesma opinião, pelo excesso da modernidade líquida, a gente rompe um relacionamento que poderia ser muito frutífero, onde duas opiniões diferentes podem ser muito produtivas, se ambos tiverem maturidade para poder lidar com isso. Mas a gente opta por romper, porque você não pensa como eu.”
“Nas experiências que tenho atendendo a geração Z e os Millennials, nessa transição rápida de individualismo, onde se você não pensa como eu ou pensa diferente demais de mim, eu vejo uma falta de disposição em criar laços e construir relações. Mas é preciso ressaltar que não é uma regra geral, as pessoas agem dessa forma devido às experiências que tiveram. O que significa que o sujeito não está enquadrado na sociedade da Modernidade Líquida, mas que talvez esteja carregando cicatrizes e traumas que o faz ter ações e reações que podem ser confundidas com o individualismo, mas que têm uma história. Para cada relacionamento existe uma ótica”, concluiu Helton.