Cidade busca reparação por genocídio promovido pelo Estado durante a Guerra de Canudos, que deixou milhares de mortos

A Prefeitura de Canudos, na Bahia, entrou com uma ação civil pública contra a União pedindo reparação pelos danos causados durante a Guerra de Canudos, ocorrida em 1897. O processo, que tramita na 1ª Vara Federal de Feira de Santana, solicita uma indenização de R$ 300 milhões e a implementação de políticas públicas para o município.
De acordo com informações divulgadas pelo Bahia Notícias, os fatos ocorridos na antiga comunidade de Belo Monte, onde viviam camponeses liderados por Antônio Conselheiro, constituem um genocídio promovido pelo Estado brasileiro. A prefeitura sustenta que a ofensiva militar foi marcada por execuções em massa de civis, incluindo mulheres, crianças e idosos.
O município argumenta que o Brasil, por ser signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto de San José, tem a obrigação de reparar violações históricas. A ação também se fundamenta no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Além da indenização, a prefeitura pede a criação de um programa de desenvolvimento regional voltado para a cidade. Entre as medidas sugeridas estão a construção de hospitais e universidades, ampliação do sistema de irrigação do rio Vaza Barris, cotas universitárias para descendentes das vítimas e pagamento de um salário mínimo mensal a estudantes canudenses no ensino superior.
“Há 128 anos, Canudos foi apagada do mapa. Essa ação é sobre resgatar nossa dignidade”, afirmou ao Bahia Notícias o prefeito Jilson Cardoso (PSD), que propôs a ação após audiências públicas com moradores, camponeses e descendentes dos sobreviventes.
O advogado responsável pela ação, Paulo Menezes, defende a reconstrução simbólica de Canudos, com museus e memoriais, e solicitou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participe pessoalmente da audiência de conciliação.
O processo ainda aguarda a definição da data para a audiência, onde a União poderá apresentar uma proposta de acordo. Caso não haja conciliação, a ação seguirá com a oitiva de testemunhas e especialistas.
Contexto histórico da Guerra de Canudos
A Guerra de Canudos, travada entre 1896 e 1897, foi um dos maiores massacres da história brasileira. O confronto aconteceu no sertão da Bahia, quando o Exército Brasileiro destruiu a comunidade de Belo Monte, formada por camponeses pobres, indígenas, ex-escravizados e sertanejos liderados por Antônio Conselheiro. Mais de 25 mil pessoas foram mortas, a maioria civis.
A comunidade de Canudos surgiu em um contexto de abandono e profunda desigualdade social no Brasil pós-abolição. Após o fim formal da escravidão, em 1888, a população negra recém-liberta foi deixada à própria sorte, sem acesso à terra, educação ou reparações mínimas. A República, proclamada no ano seguinte, manteve estruturas de poder racializadas e excludentes, beneficiando elites econômicas e latifundiárias.
Foi nesse cenário que milhares de pessoas negras e pobres, expostas à fome, à seca e à violência do latifúndio, encontraram em Conselheiro uma liderança espiritual e política. Em 1893, instalaram-se em um antigo latifúndio improdutivo às margens do rio Vaza-Barris e fundaram Canudos. No local, não havia propriedade privada e os alimentos eram distribuídos coletivamente, uma experiência de organização popular que confrontava diretamente a ordem social imposta pela elite branca.
O modelo autônomo e solidário de Canudos incomodava a Igreja Católica, os grandes proprietários de terra e o governo republicano. Acusados de não pagar impostos e de representarem uma ameaça à nova República, os “conselheiristas” foram duramente reprimidos. O vilarejo resistiu a três expedições militares até ser exterminado pela quarta, enviada pelo governo com milhares de soldados, canhões e autorização para destruir.
A destruição de Canudos representa não apenas um episódio de brutalidade estatal, mas também o apagamento violento de uma das primeiras tentativas coletivas de população negra e pobre de viver com dignidade e autonomia em território brasileiro.
Com informações da Revista Afirmativa.