
Mais da metade dos jovens entre 13 e 18 anos já foi vítima de violência sexual no ambiente virtual, é o que diz a segunda etapa do Mapeamento dos Fatores de Vulnerabilidade de Adolescentes Brasileiros na Internet, realizado pela organização ChildFund Brasil, que integra a campanha Maio Laranja de combate ao abuso e à exploração sexual infantil.
Conforme o levantamento, 54% dos adolescentes já sofreram violência sexual online, o que corresponde a 9,2 milhões de pessoas. Na pesquisa foram ouvidos 8,5 mil adolescentes em todo o Brasil, com destaque para as regiões Nordeste e Sudeste.
A pesquisa apontou que, com o aumento da idade, cresce o tempo de uso da internet e a variedade de aplicativos, o que eleva em até 1,3 vezes o risco de violência online para jovens de 17 e 18 anos em comparação aos de 15. Os dados chamam atenção e dialogam com levantamento Estatísticas TIC para crianças de 0 a 8 anos de idade, estudo inédito produzido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR.
Segundo o estudo publicado em fevereiro deste ano, houve um salto na estatística de presença online entre criança nos últimos 10 anos. Na faixa etária de 0 a 2 anos, por exemplo, a proporção de crianças usuárias de internet saltou de 9% em 2015 para 44% em 2024. Já na faixa etária de 3 a 5 anos, o salto foi de 26% para 71% no mesmo período e, entre 6 e 8 anos, o uso dobrou, passando de 41% para 82%.
Os índices despertam preocupação pela introdução precoce de menores ao mundo virtual. O tema foi alvo de debates em 2025, após o lançamento da série britânica “Adolescência” pela Netflix, onde o protagonista, um garoto de 13 anos, se vê envolvido em um crime contra uma colega de sala e as redes sociais se apresentam como terra fértil para problemas do mundo real.
Casos
Além de abuso sexual, o acesso irrestrito e, muitas vezes, sem supervisão, deixa menores vulneráveis a conteúdos perigosos, abordagens de aliciadores e participação em “trends” e “desafios” virais. Em abril, a menina Sarah Regina Pereira de Castro, de apenas 8 anos, morreu após realizar um desafio online. A morte dela foi um dos estopins para a operação Adolescência Segura, da Polícia Federal, que investigou uma rede criminosa voltada a práticas de ódio e incentivo ao autoextermínio de menores.

Na última semana, durante viagem à China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama Janja da Silva pediram uma intervenção no TikTok ao presidente chinês Xi Jinping após meses de defesa da regulação das plataformas digitais. Lula quer que o Congresso Nacional regule as redes sociais e defina responsabilidade das empresas sobre o conteúdo publicado nas redes, mas ainda não obteve aval de parlamentares para acelerar o andamento do assunto.
Também neste mês, a Polícia Federal impediu um atentado a bomba que seria realizado durante o show da cantora Lady Gaga na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. A operação, batizada de Fake Monster, desarticulou o grupo que planejou o ataque em ambientes virtuais e promovia discursos de ódio. Entre os investigados, estava um adolescente e, segundo a PF, um dos envolvidos mantinha em sua posse material de pornografia infantil.
O caso reacendeu o alerta sobre o uso criminoso de redes sociais por grupos extremistas e como elas podem colocar em risco a segurança de menores de idade. É o caso de Pedro Ricardo Conceição da Rocha, vulgo “King”, que, aos 19 anos, foi condenado pela Justiça do Rio de Janeiro a 24 anos de prisão pelos crimes de associação criminosa, estupro qualificado e coletivo, estupro de vulnerável e corrupção de menores. Ele utilizava o aplicativo Discord para incentivar outros jovens a cometer crimes.

Os crimes ocorreram entre agosto de 2021 e março de 2023, na plataforma que permite que as pessoas se comuniquem em transmissões de vídeos ao vivo. O criminoso foi alvo da segunda fase da operação “Dark Room”, em 2024, que aconteceu em Cachoeiras de Macacu e Teresópolis, quando a Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (Dcav) realizou a prisão.
As investigações mostraram que adolescentes eram chantageadas e constrangidas a se tornarem escravas sexuais dos chefes destes grupos. Segundo os policiais, eram cometidos “estupros virtuais” que eram transmitidos ao vivo por meio de transmissões ao vivo para todos os integrantes do servidor.
Além do Discord, plataformas como X (antigo Twitter) e Telegram têm sido apontadas como espaços críticos. Com moderação leniente, permitem a circulação de discursos extremistas, conteúdo violento, pornografia infantil e crimes de ódio.
Uma pesquisa realizada pela SaferNet, organização não governamental (ONG) que, desde 2005, atua na promoção dos direitos humanos na internet, revelou que o número de denúncias de grupos e de canais do Telegram contendo imagens de abuso e exploração sexual infantil cresceu 78% entre o primeiro e o segundo semestres de 2024. O levantamento divulgado em fevereiro apontou ainda que houve alta no número de grupos e de canais do Telegram com imagens de abuso e exploração sexual infantil, passando de 874 para 1.043, o que representou aumento de 19%. Desse total, 349 ainda continuavam ativos ou em funcionamento, sem qualquer moderação da plataforma.
Em 2023, a SaferNet recebeu um total de 101.313 queixas, sendo 71.867 relacionadas a imagens de abuso e exploração sexual infantil, o maior número da série histórica iniciada em 2006.

Combate
A falta de regulação e fiscalização eficaz, somada à ausência de uma legislação brasileira mais dura e atualizada sobre crimes digitais envolvendo menores surgem como desafios para combater criminosos online. O anonimato e a arquitetura dessas plataformas também dificultam ações preventivas e o rastreamento de criminosos, mas há meios de orientar, monitorar e proteger crianças e adolescentes.
O estudo da ChildFund Brasil mostrou que apenas 35% dos pais acompanham o que os filhos fazem quando estão conectados, fator determinante para aumentar a vulnerabilidade à qual os menores estão expostos. O dado dialoga diretamente com a informação de que 94% dos adolescentes afirmaram não saber como proceder em situações de risco de violência, como denunciar esses casos.
Um levantamento realizado pelo Porto Digital, em parceria com a Offerwise, empresa especializada em estudos de mercado na América Latina e no universo hispânico, apontou que 90% dos brasileiros maiores de 18 anos com acesso à internet acreditam que adolescentes não recebem o apoio emocional e social necessário para lidar com o ambiente digital, em especial as redes sociais. Foram ouvidos mil brasileiros na pesquisa.

A pesquisa mostra que uma das ferramentas usadas pelos pais é o controle do tempo de navegação na internet. Segundo o estudo, entre crianças de até 12 anos, o controle tende a ser mais rígido e constante, inclusive com o uso de mecanismos de monitoramento. No entanto, apenas 20% dos pais responderam que pretendem usar futuramente alguma ferramenta de controle.
Já entre os adolescentes de 13 a 17 anos, a supervisão tende a diminuir. Os pais ainda acompanham, mas de forma mais flexível, permitindo maior autonomia.
Quanto à responsabilidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), segundo o qual, provedores, websites e redes sociais só podem ser responsabilizados por conteúdo ofensivo ou danoso postado por usuários caso descumpram uma ordem judicial de remoção.
Elaborado em 2014, o Marco Civil da Internet estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e a defesa do consumidor. Em relação à privacidade, os provedores de serviços online são obrigados a adotar medidas de segurança para proteger as informações dos usuários e a respeitar a privacidade.
Enquanto os debates pelo avanço da legislação não findam, é possível combater crimes sexuais e contra menores online de outras formas. Há formas de denunciar nas plataformas de redes sociais e jogos, frequentes palcos dos abusos, e também na polícia, em qualquer delegacia, assim como o Conselho Tutelar, através do Disque 100.
A SaferNet Brasil também conta com canais de denúncia e orientações em seu site oficial.
Com informações de Agência Brasil, G1 e SaferNet Brasil