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Lucas Reis, CEO da Zygon e presidente da ABMP, fala sobre diversidade no mercado de trabalho e ocupação de espaços na comunicação

“O cenário da publicidade na Bahia tem sido desafiador, mas há um contraponto, ainda é o estado que mais contrata pessoas negras. Não chegou no ponto que deveria mas o nosso papel também é forçar”, disse Reis

Em uma jornada de ascensão, Lucas Reis é CEO da Zygon, uma empresa de tecnologia e dados para publicidade digital, presidente da ABMP (Associação Baiana do Mercado Publicitário), membro do conselho do IAB (Internet Advertising Bureau) e prioriza a contratação de pessoas de grupos sociais minorizados como forma de inclusão no mercado de trabalho.

Doutor no uso de Big Data na compreensão de climas de opinião na sociedade, Lucas é pesquisador da área e já trabalhou com análise do que se fala sobre pessoas trans online e revelou dados a respeito de transfobia e questões ligadas à visibilidade de pautas de mulheres trans e travestis negras.

Em entrevista ao Portal Umbu, presidente da ABMP falou a respeito da ocupação de minorias no mercado de comunicação, sua atuação junto à mobilização de profissionais negros e suas inspirações no trabalho e na vida pessoal.

Portal Umbu: Quem é Lucas Reis? Quais caminhos te fizeram chegar até aqui?

A gente se apresentar é sempre um desafio, né? Porque a gente tem que selecionar a informação que a gente quer passar aqui, nesse momento agora, mas vou focar um pouco mais aí na minha carreira profissional. Eu hoje sou o líder, o CEO da Zygon, uma empresa de tecnologia e dados para publicidade digital. Além disso, hoje, também, eu atuo como presidente da Associação Baiana do Mercado Publicitário. Eu faço parte do conselho do IAB, que é a associação que define as boas práticas da publicidade digital no Brasil.

Eu sempre quis empreender, decidi empreender na adolescência. Defini que queria ter uma carreira que não me levasse à aposentadoria, quero trabalhar até o último dia de vida, enquanto estiver saudável e tal. Gosto de criar, de desenvolver as coisas, de ver um potencial e de realizar esse potencial e conciliei toda a minha trajetória até agora, de empreendedorismo, com a trajetória acadêmica também. 

Eu me formei em 2009, na Universidade Federal da Bahia, no curso de Comunicação e, imediatamente, também entrei no mestrado em Comunicação Digital, depois do mestrado eu fiz também o doutorado, aí já estudando o uso e análise de grandes volumes de dados, o chamado Big Data na comunicação, especialmente para entender os climas de opinião. Entender que as pessoas estão sentindo e achando sobre um assunto a partir do que elas falam nas redes sociais.

Então essa trajetória acadêmica e profissional, ela tem confluído aí, tem seguido, existido, de maneira conjunta nesses últimos 15 anos. Lucas pessoal também é várias coisas. Lucas pessoal é pai de uma menininha de 1 ano e 5 meses, é filho de um pai que foi taxista, que me criou, uma mãe que vendeu roupa na Baixa dos Sapateiros, depois vendeu geladinho em casa e tal. Os dois sempre priorizaram muito a educação dos filhos. Tanto eu, como meu irmão, como dois CDF, estamos conseguindo fazer um bom caminho e é muito bacana a gente poder oferecer um pouco mais de conforto para os nossos pais ainda em vida.

Além disso, o Lucas pessoal é um Lucas que gosta de dormir cedo, que gosta de praticar esporte, gosta de ler as coisas mais aleatórias – adoro história, adoro biologia, adoro sociologia, enfim. Meus hobbies são mais caseiros, a menos quando é praticar esporte, que eu gosto de correr na rua, andar de bicicleta, praticar arte marcial.

Portal Umbu: Você é CEO da Zygon, presidente da Associação Baiana do Mercado Publicitário (ABMP) e presidente do Comitê de Diversidade do IAB (Interactive Advertising Bureau) Brasil. Como é ocupar estes espaços como profissional negro?

Essa é uma pergunta interessante, né? É importante que ela seja feita e vai ser mais importante ainda quando ela não precisar mais ser feita, né? Quando for natural que pessoas com tom de pele mais escuro, com um tipo de cabelo e um tipo de nariz, por exemplo, que elas naturalmente ocupem os espaços de empresário, de pesquisador, de acadêmico e tudo mais.

É muito curioso porque, assim, no Brasil você tem o fenômeno do colorismo, né? E como eu nasci num bairro pobre de Salvador, apesar de ser uma pessoa de classe média baixa ali, nascido em um conjunto habitacional, mas ao redor tinha várias invasões, como se chamava na época. Então por ter o tom de pele um pouco mais claro, eu era sempre classificado como moreno no meu bairro, nunca como negro. Mas quando eu entrei nos ambientes universitários, no ambiente empresarial, aí sim é que eu passei a ser classificado como negro porque eu era a única pessoa que não era obviamente branca naquele ambiente. Então foi bem interessante, primeiro eu me reconhecer negro ao entrar nesses ambientes e depois entender que o papel da gente, enquanto esse futuro não chega, o futuro em que é natural existirem pessoas negras em espaços de poder e prestígio, e o nosso papel é o de inspirar outras pessoas e trazer outras pessoas também.

Então tive algumas sortes na vida. A minha primeira sócia é uma mulher negra, muito mais velha do que eu, na época, muito mais experiente do que eu – eu tinha 20 e poucos anos, ela estava perto dos 50 anos – e a gente abriu uma empresa junto. Meu orientador de doutorado também é um professor negro, referência na área. Essas ligações aconteceram de forma muito natural.

Mas é curioso destacar como pessoas negras que já estavam em espaço de poder me auxiliaram também a ter essa caminhada e hoje, entendo que eu ainda tenho muita coisa para percorrer, mas já busco poder ajudar outras pessoas que, como eu, não têm o estereótipo padrão dos lugares de prestígio, de poder, para que essas pessoas também possam seguir a sua caminhada terem sucesso.

Portal Umbu: De acordo com o site oficial da ABMP, a Bahia tem 169 agências de propaganda entre capital e interior, além de 269 portais de notícias, 17 televisões e 50 agências digitais. Em uma análise, como você descreveria o atual momento do mercado publicitário no estado?

O momento, ele é desafiador não só aqui no estado como, eu diria, que no cenário global. Fazendo primeiro uma análise mais macro, a gente ainda está sofrendo as consequências da pandemia, que aconteceu em 2020, então isso teve um impacto muito grande social, econômico e político. Isso ainda não está completamente superado. A gente inclusive dentro desse desse reflexo, se ainda tem taxa de juros alta, inflação ainda preocupante, tudo isso segura um pouco o investimento e o mercado publicitário, ele é um reflexo da economia, da pungência da economia. Quando a economia vai bem, o mercado publicitário vai melhor, quando a economia não vai tão bem, fica tudo muito mais desafiador, inclusive para o mercado publicitário.

Olhando mais especificamente para dentro do mercado publicitário, é um mercado que está passando por uma disrupção nas últimas duas décadas. Todas as tendências que a gente tem visto que envolve em uso de tecnologias digitais, elas realmente desafiaram o status quo da área de publicidade e várias empresas estão vendo como se adaptar a esse novo momento por um lado, enquanto outras empresas têm surgido – a minha empresa é uma dessas que surgiram por conta desse cenário novo das últimas duas décadas. Além disso, a própria economia da Bahia também tem enfrentado desafios, né? A economia da Bahia sofre pela falta de lideranças ou de atores em algumas áreas com áreas de produto, áreas de ponta, de desenvolvimento de tecnologia. A gente tem bons casos aqui, mas ainda são andorinhas que não fazem o verão que a gente gostaria.

Então, o cenário é desafiador ao mesmo tempo a gente tem aqui na Bahia a agência de publicidade mais longeva do Brasil, que é a Morya que tem mais de 60 anos, a gente tem um grupo de TV também com mais de 50 anos, que foi um dos primeiros do Brasil, enfim. Então a gente, apesar do cenário desafiador, tem mostrado que a Bahia ela é anti-frágil, para usar um termo da moda, a gente passa pelas dificuldades e sai mais forte do que quando entrou nesses momentos mais difíceis

Portal Umbu: Qual a sua percepção sobre a ocupação de pessoas negras em agências de publicidade e comunicação? Há muitas ou poucas pessoas negras em posições de coordenação e gestão do seu ponto de vista? 

 A gente pode olhar a parte meio cheia ou a parte meio vazia do copo. A gente pode olhar a parte meio cheia a parte meio vazia do do copo, né? A gente tá longe de ter um ecossistema de comunicação e publicidade, na Bahia, que reflita a demografia da cidade, do estado, de Salvador mais especificamente, que tem aí mais de 80% da sua população afrodescendente. Então por esse olhar a gente tá muito atrasado. De outra maneira, a gente tem alguns sinais positivos. Por exemplo, numa pesquisa que a ABPA, que é a Associação Brasileira de Agências Publicidade, fez, mostrou que as agências da Bahia são as que têm a maior proporção de pessoas negras no Brasil inteiro.

A gente tem visto algumas iniciativas, como por exemplo da Rede Bahia, de trazer mais pessoas negras pra frente pro vídeo, ter programas específicos falando sobre cultura negra. Há alguns anos, num festival que a nossa associação promove, que é o Scream, foi assinado um termo de compromisso para que o mercado publicitário contratasse mais pessoas negras. Então os movimentos têm acontecido. É natural, de alguma maneira, que a gente sinta que não chegou no ponto que deveria e que o ritmo tá mais dentro do que a gente gostaria. Mas também é nosso papel forçar, né? Então faz parte de iniciativas como a da Umbu e aqui da minha gestão na ABMP, que a gente consiga estimular mais a presença de pessoas negras, não só no mercado publicitário, mas especialmente em posições de liderança, né? Quando você tem o poder ali para de fato provocar mudanças.

Portal Umbu: Recentemente, você participou de um evento em Brasília onde se falou sobre comunicação democrática, personalização e consumo de mídia. Como você enxerga a participação e a influência de profissionais de publicidade e do público negros nesses processos?

Essa é uma questão que foi até debatida. A comunicação pública, nesse evento que você citou, que foi sobre comunicação pública no ambiente digital, tem um objetivo estratégico óbvio que é de fazer com que a comunicação do governo tenha o efeito desejado de influenciar percepções e comportamentos, os mais diversos possíveis. Ao mesmo tempo que a comunicação pública é também um pilar democrático de tornar as informações públicas para que os cidadãos possam tomar suas decisões e tudo mais. 

Tem um outro viés aí que é o investimento da comunicação pública viabiliza que o conteúdo seja feito ou não. Então nesse nesse espaço, para que a verba da comunicação pública também chegue para veículos que são liderados por pessoas de grupos minorizados, como as pessoas negras, existe uma avenida pra gente desenvolver, ou seja, existe muito espaço e um reconhecimento do Governo Federal de que isso aconteça. 

Chegar em uma solução é complexo como tudo na vida, né? Então você precisa desenhar uma política que, de fato, seja focada, ou seja, que atenda as pessoas que você deseja, ao mesmo tempo que evite que alguém use a regra para deturpar regra. Como é que você cria essa política para que de fato chegue para produtores de conteúdo negro, pessoas como o Umbu Podcast entre outros, mas que alguém não coloque um sócio ou sócia negra para poder pegar, enfim, não é tão simples quando a gente pensa nos detalhes. Mas de fato a gente tá muito aquém do que poderia, a boa notícia é que há uma boa vontade, um interesse de quem tá no poder hoje de ajudar a reverter essa situação.

Portal Umbu: Ao longo da sua trajetória, você já teve alguma experiência com a discriminação em ambiente profissional? Se sim, como foi lidar com isso?

É impossível dizer que você não passou, como a gente está no Brasil, esse racismo é comum que seja velado, né? Como eu comecei a empreender muito cedo. Eu enfrentei alguns preconceitos e algumas discriminações de fato em conjunto, né? O fato de ser muito jovem, o fato de ser baiano. Então como a gente tem atuação fora da Bahia, ser nordestino também gera uma discriminação e o fato de ser negro.

Graças a Deus, nunca enfrentei um momento que ele fosse colocado de uma forma frontal. Por outro lado, a gente acaba criando nossas defesas, então quando a gente percebe que não, digamos, não tá no nosso lugar, de alguma maneira, a gente acaba tendo que ser muito melhor, né? Então, acabou que a forma que eu usei para evitar que uma situação dessa acontecesse, foi uma forma de sempre ter uma entrega muito acima, de chegar muito mais preparado do que precisaria nos lugares, para que esse tipo de coisa tivesse menos espaço para acontecer. Então, tenho a sorte de dizer que nunca vivi um momento mais frontal, mas já percebi, sim, e acabei tendo que fazer esse esforço de ser 200% melhor para ser visto como 100% aceitável, senão igual.

Portal Umbu: Com a posição que você ocupa hoje, quais caminhos você encontra para empoderar pessoas negras na sua área de atuação? Você percebe algum movimento de ocupação de espaços profissionais em prol desta população?

Na Zygon a gente sempre teve um olhar intencional de contratar pessoas de grupos minorizados, tanto do ponto de vista racial, como de gênero, de orientação sexual, localização geográfica, origem social, etc. Isso começou de uma forma natural dentro da Zygon até o momento que a gente percebeu, ali quando já tinha mais ou menos umas 30 pessoas na empresa, que a gente deveria transformar isso numa política, isso tá escrito e a gente passou a fazer essas contratações, de fato, intencionalmente diversas e entendendo que, em vários momentos, a gente precisaria fazer o papel de formação, tomar outros cuidados pensando na incorporação dessa pessoa na no corpo da empresa etc. A gente percebeu também que, estrategicamente, foi uma decisão acertada.

A gente percebeu que enquanto alguém desse perfil poderia ser contratado na Zygon atendendo a 70% dos requisitos da da vaga, essa mesma pessoa precisaria atender 150% dos requisitos do nosso concorrentes. Então a gente traz pessoas que têm potencial, amadurece esse potencial e depois essas pessoas acabam passando no período muito longo na empresa, ou seja, a gente passa a ter uma vantagem de retenção, mesmo, profissional e reter profissionais bons, capacitados é sempre uma questão relevante para qualquer empresa. Então para a Zygon, a gente faz isso de forma intencional. Hoje 60% das pessoas que estão no quadro societário da Zygon são mulheres, nos cargos de liderança, a gente tem 40% das pessoas que são negras, mais da metade das pessoas da Zygon são pessoas negras. Enfim, então a gente tem uma empresa que de fato é diversa em diferentes áreas.

E na ABMP, primeiro a gente organiza o festival chamado Scream e no Scream a gente sempre se preocupou em trazer pessoas que não fossem estereótipo padrão de alguém que empreende na área de inovação. Então o Scream tem a maior parte do seu line-up de pessoas negras, de mulheres, pessoas que fazem parte do público LGBTQIAP+, pessoas deficientes, pessoas que são do interior do estado e a gente sempre busca dar destaque para o que a pessoa faz. Se é uma mulher negra, vamos destacar o que ela faz na empresa dela, se é um homem gay, vamos destacar a iniciativa que essa pessoa tá liderando e focar no trabalho, no talento. Nessa nessa edição do Scream, por exemplo, a gente vai fazer uma turma de formação de creators em um bairro periférico de Salvador.

A creator’s economy, que é a economia dos influencers, a economia dos conteúdos para as redes sociais, dos infoprodutos, já movimenta mais de R$ 1 bilhão por ano no Brasil e boa parte dos principais influencers, de quem tá nessa indústria, são pessoas brancas e tal. Então a gente vai fazer uma formação intencional para pessoas que estão em bairros periféricos para poderem entrar numa indústria que tem baixa barreira de entrada, ou seja, você pode já começar a atuar e que tem um potencial exponencial, né, assim ninguém sabe até onde alguém nessa indústria pode chegar. Pode se tornar uma empresa bilionária, milionária ou se tornar uma pessoa com um padrão de vida bastante confortável. É isso que a gente quer, mais pessoas negras tendo uma vida confortável.

Tem um termo popularizado pelo atual ministro Sílvio de Almeida, do “racismo estrutural”. Então no Brasil, o racismo tá na estrutura da nossa sociedade. Isso se reflete também no mercado de publicidade, mas especificamente no mercado de publicidade digital. Quando eu falei que a gente, na Zygon, contrata uma pessoa negra que atenda 70% dos requisitos e essa pessoa precisaria atender 150% no concorrente, isso já mostra como, na média, as empresas têm uma tendência a priorizar o estereótipo padrão. Até de uma forma inconsciente por conta do nosso racismo estrutural. Então isso existe. Espero que, no meu tempo de vida, isso desapareça, né? Se a gente pensar na evolução que o nosso país teve na questão racial nos últimos 50 anos, a gente poderia projetar que em 50 anos seria uma questão eventualmente até vencida.

Mas isso existe hoje e por isso a gente precisa ser muito consciente e intencional no combate ao racismo estrutural, sim.

Portal Umbu: Você esteve envolvido em uma pesquisa a respeito do que se fala sobre pessoas trans online, que revelou dados a respeito de transfobia e questões ligadas à visibilidade de pautas de mulheres trans e travestis negras. Você percebe algum esforço no setor publicitário no sentido de fortalecer a presença de pessoas trans, em especial negras e oriundas de periferias, neste espaço?

A questão do público trans é uma questão extremamente sensível porque realmente é um público que sofre muito preconceito, que acaba tendo as oportunidades muito diminuídas pelo simples fato de serem pessoas trans, né? Nessa pesquisa que você cita, a gente mostrou a quantidade de ataques que essas pessoas recebem e também que em vários momentos para subsistir, a única saída é entrar por exemplo na prostituição. O fato de essa pesquisa ter acontecido, de ter sido apresentada num evento que contou com a participação de pessoas bastante influentes, já mostra que o problema ele tem visibilidade, alguma visibilidade ainda não a devida.

Quem organizou esse evento e demandou a pesquisa foi Raquel Virgínia, que é a fundadora e CEO da Nhaí!, que é uma agência, uma consultoria focada em inserir pessoas trans no mercado publicitário e realizar ações através do mercado publicitário para oferecer oportunidades para as pessoas trans. Existe uma plataforma da Nhaí! que envolve eventos, mentorias, auxílio empreendedorismo, entre outros para que as pessoas trans tenham mais oportunidades. Acho que dentro das discussões que estão em pauta hoje, a do público trans realmente precisa e merece ter uma visibilidade, uma atenção maior, mas existem já alguns esforços e vale a pena a gente destacá-los e parabenizá-los, né? Realmente o trabalho da Raquel, por exemplo, é um trabalho louvável.

Portal Umbu: Quais são as suas expectativas para que a população negra se movimente para ocupar o mercado de trabalho, a produção de conhecimento e a intelectualidade?

Como eu falei, a gente teve uma evolução nas últimas décadas, ainda muito aquém, mas uma evolução aconteceu. Ainda me preocupa muito o acesso à educação. Se a maior parte das pessoas negras no Brasil, na Bahia, em Salvador tem acesso à educação pública e a qualidade da educação pública não é a ideal, isso influencia muito. Ter ou não ter formação é uma chave, além do que, boa parte das oportunidades acontecem em ambientes que são muito endógenos, né? Então é muito difícil furar as bolhas e a educação pública seria uma das formas. Se as pessoas ricas e pobres estudassem nas mesmas escolas, as pessoas brancas e negras, você criaria ali laços e ajudaria que as bolhas se integrassem.

A gente tem um desafio que é bastante grande, então a gente vai precisar trabalhar muito para que quando a gente chegue na terceira idade, digamos assim, a situação racial do Brasil, esteja significativamente melhor do que ela está hoje. Assim, ao natural, por inércia, as desigualdades vão continuar se replicando porque uma pessoa pobre, negra, que nasce no bairro periférico de Salvador, ela tem menos oportunidades de estudar, menos oportunidades de conhecer, de ter repertório, mesmo, de possibilidades do que uma pessoa branca, que nasce em um bairro de classe alta em Salvador, também. A gente precisa agir mesmo porque, naturalmente, as coisas vão se perpetuar do jeito que estão e aí do jeito que está não é bom pra gente.

Portal Umbu: Quem te inspirou e quem te inspira hoje?

Tem um livro que eu li, a autora é uma mulher branca, mas o livro é a história de uma mulher negra, que é “Um Defeito de Cor” e nesse livro tem vários aforismos, que são provérbios em iorubá. Um desses provérbios me marcou muito, que é “Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que ele lançou hoje”. Eu acho que isso é muito interessante para quem trabalha com inovação e empreendedorismo, porque quando você está empreendendo ou inovando, em vários momentos algo que você fez no passado só vai ter significado com algo que você vai fazer no futuro. E você precisa ter força, ter a resiliência para se manter parecendo que você tá fazendo algo completamente inócuo, por meses ou anos, e lá na frente aquilo faz sentido. 

Então a filosofia iorubá, mas especificamente me inspirou e me inspira muito hoje. Eu tenho a sorte de ser casado com a neta de Milton Santos, a minha filha é a bisneta de Milton Santos. Então tenho a sorte de ter os livros do Professor Milton em casa para ler e tal. Até brinquei, quando a gente namorava, que eu ia perguntar qual era o livro que ia ser debatido no jantar da família, mas isso é brincadeira, não é isso que acontece. Então essa também é uma figura que me inspira hoje, inclusive pela relação familiar que existe hoje. E eu destacaria uma figura, já de outro campo, que é o campo da música, que é o Emicida. Eu acho que é uma figura incrível, que se tornou uma referência, um ícone não só da música, mas dos negócios. É uma figura que, de fato, me inspira. 

E no campo da política, o professor Silvio Almeida, que hoje é ministro também, é um cara impecável. Óbvio que quem tá na vida pública, a qualquer momento pode ter uma nódoa na sua biografia, mas é uma figura incrível, um pesquisador excepcional que popularizou o conhecimento sobre racismo estrutural e que hoje tem um cargo de poder e eu acho que é importante a gente destacar isso hoje. Acho que a atuação que ele tem tido no ministério também tem sido uma atuação bastante positiva. Então, só para citar alguns nomes. Toda vez que a gente faz uma lista, a gente deixa nomes de fora, né? Então fazer listas é sempre injusto, mas vamos considerar que essa foi só uma lista de exemplos e não a lista exaustiva, né? Não são todas as minhas referências passadas e presentes, mas algumas delas para compartilhar com vocês.

Eu tive uma sorte muito grande de ter uma família nuclear muito estruturada. O simples fato de ter pai e mãe casados até hoje já é uma diferença grande, ter pai ali, presente. Meu pai e minha mãe têm características muito diferentes, perfis muito diferentes e os dois passaram pra gente alguns ensinamentos muito importantes. 

Primeiro, de fato, dar muita atenção para a família, dar muita atenção para o que é importante. Meu pai sempre foi um cara muito trabalhador e muito preocupado, não só era arrimo da nossa família, como era o arrimo da família estendida, da minha avó, dos meus tios, então isso de ser responsável e de conseguir se manter firme mesmo quando a situação tá complicada é o que eu aprendi muito com meu pai. E a minha mãe tem uma uma leitura de mundo assim que é muito muito rica, minha mãe me ensinou muito a me comprometer com algo até o final, não importa se aquilo é importante. Ela falava assim, “olha não importa se você tá lavando um pano de chão, lave direito”. Assim, “coloque você nessa situação”. 

E isso me ajudou, por exemplo no que eu falei de que eu chegava nos lugares tentando estar 200% mais preparado do que precisava e tal, justamente por esse ensinamento de fazer as coisas bem feitas, de fazer algo, digamos, olhando porque eu estou fazendo isso, não porque o outro está pedindo, então ter esse olhar que coloca muito poder dentro da gente foi algo que eu aprendi muito com a minha mãe, além da compreensão e tudo mais minha mãe e meu pai são pessoas de fato muito especiais e me considero muito sortudo de tê-los tido na minha vida e ainda tê-los, né? Os dois estão vivos, graças a Deus.

Fotos: Alisson Santos

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