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Justiça Econômica e o Direito à Dignidade Financeira das Pessoas Negras: Que debate tem sido feito?

A justiça econômica para pessoas negras não é apenas uma questão de reparação histórica, mas de sobrevivência e dignidade no presente. Por séculos, decisões políticas e econômicas foram tomadas deliberadamente para excluir populações negras das oportunidades de desenvolvimento financeiro, estruturando uma economia que concentra riquezas em mãos brancas enquanto marginaliza comunidades negras. Entender o impacto dessas escolhas é essencial para conceber uma sociedade verdadeiramente equitativa e funcional.

O isolamento econômico das pessoas negras não é um acidente ou uma consequência inevitável do racismo; é um ato político consciente. Desde a abolição formal da escravidão, no final do século XIX, políticas públicas foram desenhadas para limitar o acesso de pessoas negras à educação, à terra e ao mercado de trabalho formal. No Brasil, a ausência de políticas estruturadas para integrar ex-escravizados à economia formal consolidou um sistema que relegou a população negra a trabalhos informais e mal remunerados. Esses “não-lugares” econômicos foram criados para perpetuar a desigualdade e manter intacta a hierarquia racial herdada do período escravocrata (vide o fracasso da educação publica e estrutura de funcionamento).

A exclusão econômica das populações negras não só perpetua a pobreza, mas também limita o desenvolvimento de toda a sociedade. Estudos mostram que economias com maior diversidade racial e inclusão financeira tendem a ser mais inovadoras e resilientes. No entanto, ao longo da história, houve um apagamento sistemático das contribuições negras para o desenvolvimento econômico global. Desde os conhecimentos de cultivo e manejo de terras trazidos por africanos escravizados até as práticas cooperativas em quilombos e comunidades afrodescendentes, as contribuições negras foram deliberadamente invisibilizadas ou atribuídas a outras fontes.

Esse apagamento não é apenas histórico; ele continua no presente, quando empresas, instituições financeiras e universidades não reconhecem o valor dos saberes e práticas negras. Muitos modelos econômicos que hoje sustentam economias modernas foram inspirados em práticas afrocentradas, como as economias solidárias e sistemas de cooperação comunitária. Mesmo assim, pessoas negras continuam excluídas dos espaços de decisão e poder econômico, perpetuando ciclos de pobreza e dependência.

Justiça econômica para pessoas negras exige que se reconheça que o racismo não é apenas uma questão social, mas também econômica. As estruturas que determinam quem tem acesso a crédito, emprego e formação profissional são as mesmas que reproduzem o racismo institucionalizado. Por isso, discutir economia sem dialogar com o racismo é negligenciar o papel central que a discriminação racial desempenha na configuração das desigualdades econômicas.

O racismo não só afasta pessoas negras de oportunidades financeiras, mas também impõe custos emocionais e sociais imensuráveis. Para uma pessoa negra empreendedora, por exemplo, a falta de acesso a crédito ou a subvalorização de seus produtos no mercado não são apenas barreiras financeiras; são lembretes constantes de que seu lugar na economia foi cuidadosamente delimitado para impedir sua ascensão.

Diante disso, a luta por justiça econômica não pode ser reduzida à inclusão simbólica ou a pequenas reformas no sistema. É necessário um comprometimento estrutural com a redistribuição de recursos e o reconhecimento das contribuições negras na construção da riqueza global. Políticas públicas que promovam acesso a crédito, apoio ao empreendedorismo afrocentrado e investimentos em educação financeira para comunidades negras são passos fundamentais. Além disso, é imprescindível reformular currículos educacionais para incluir a história e o impacto econômico das populações negras, rompendo com a lógica do apagamento.

A justiça econômica para pessoas negras também precisa desafiar a narrativa de que inclusão racial é um “favor” ou uma “estratégia de diversidade”. Trata-se de um direito fundamental e de uma condição essencial para o desenvolvimento sustentável e equitativo de qualquer sociedade. Somente ao enfrentar o racismo em todas as suas dimensões – incluindo a econômica – é que podemos aspirar a uma economia verdadeiramente justa, onde todas as pessoas, independentemente de sua cor, tenham acesso às mesmas oportunidades e possam desfrutar de uma vida digna.

Reconhecer o isolamento econômico das pessoas negras como um ato político é o primeiro passo para desmantelar essas barreiras. Construir um futuro de justiça econômica exige mais do que corrigir os erros do passado; é preciso reimaginar um sistema econômico que valorize, respeite e promova o potencial humano de todos. Pessoas negras não precisam ser integradas a uma economia que foi desenhada para excluí-las; precisam ter a oportunidade de reconstruí-la em termos mais justos, a partir de suas próprias histórias, conhecimentos e visões.

OPINIÃO

O texto que você terminou de ler apresenta ideias e opiniões da pessoa autora da coluna, que as expressa a partir de sua visão de mundo e da interpretação de fatos e dados. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Umbu.

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