O ato de lançamento da IV Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial

(CONEPIR) reuniu militantes do Movimento Negro, lideranças religiosas e representantes de órgãos federais e estaduais na manhã desta sexta (21), às 09h, no Auditório da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) no Centro Administrativo da Bahia (CAB).
Com o objetivo de fortalecer as políticas de promoção da igualdade racial e dos direitos dos povos e comunidades tradicionais, a mesa de abertura da CONEPIR contou com a palestra especial do antropólogo e professor brasileiro-congolês Kabengele Munanga que, aos 85 anos, se emocionou ao retratar em palavras os avanços e desafios das leis em vigor na Constituição Federal desde 1988, quando se fala em o racismo estrutural, a intolerância religiosa e a educação antirracista no Brasil.
“Quando estamos em processo de transformar a sociedade, temos que, em vários momentos, parar para fazer uma reflexão sobre de onde viemos, para onde vamos, quais os novos desafios para vencer e continuar vencendo essa luta. Uma luta que ainda vai levar algumas gerações”, afirmou o antropólogo.
Quem também se fez presente no ato de lançamento da IV CONEPIR foi Zulu Araújo, baiano, doutor em Relações Internacionais, militante do Movimento Negro e ex-dirigente da Fundação Palmares. Para ele, o dia 21 de março é considerado um dia importantíssimo para a luta em Combate ao Racismo e a Luta pela Igualdade Racial no mundo. O pesquisador relembrou ainda que, neste mesmo dia, em 1960, na África do Sul, morreram mais de 60 adolescentes e mais de 200 ficaram feridos lutando por igualdade racial.
“É isso que nós precisamos. Eliminar toda a forma de discriminação racial no mundo. Toca a zabumba que a Terra é nossa”, finalizou Zulu.
A Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial tem suas etapas estaduais organizadas pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia – Sepromi, Conselho do Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado – CDCN, Conselho Estadual para Sustentabilidade dos Povos e Comunidades Tradicionais – CESPCT e do Conselho Estadual dos Direitos dos Povos Indígenas – COPIBA, e em parceria com as prefeituras e dos demais órgãos governamentais da sociedade civil. A estimativa é alcançar 15 mil pessoas dos 27 territórios de identidade e, na etapa estadual, contar com a participação de 800 pessoas delegadas e convidadas.
Para Lindinalva de Paula, membro do Conselho do Desenvolvimento das Comunidades Negras (CDCN), a importância de um lançamento como o da IV CONEPIR chega num momento crucial onde há pautas extremamente importantes a serem discutidas. Nesta conferência, a CDCN pretende avaliar as duas décadas de luta pela promoção da Igualdade Racial no estado da Bahia, pensar na perspectiva da população negra os avanços e desafios conquistados e repensar uma política de equidade no estado que garanta a igualdade de direitos e o pertencimento da população negra.
“Nós temos avanços significativos com criações específicas na luta antirracista do estado da Bahia como, por exemplo, o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa, Conselho de Povos Tradicionais e já se vão 37 anos de existência do Conselho do Desenvolvimento de Comunidade Negra. A Bahia mais uma vez da ‘régua e compasso’ na política antirracista”, contou.
IV CONEPIR e as lideranças religiosas na Bahia
Com um crescimento de 85% de casos no Brasil de intolerância religiosa , segundo dados do Disque 100, levantados pelo Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) em 2024. A Bahia ficou em terceiro lugar com dados relacionados à religião ou crença. As religiões que registraram o maior número de violações foram a umbanda seguida pelo candomblé, ambas religiões de matriz africana.
O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, 21 de março, é pautado como um dia de luta e de resistência, já que entre os incidentes mais preocupantes estão as invasões a terreiros de candomblé e atos de vandalismo contra espaços religiosos em Salvador e região metropolitana.
Marcelo Santos, supervisor nacional da Federação Nacional dos Cultos Afro Umbandistas do Brasil – FENACAB, afirmou que há uma expectativa muito grande por ser uma ação que fortalece e prioriza a defesa, a valorização e a preservação das religiões de matriz africana de forma que também contribui com a efetiva consolidação de uma sociedade mais justa e igualitária.
“É uma conferência de suma importância e relevância para a comunidade negra”, afirmou Gicélia Cruz, pastora e membro do Coletivo Negro Evangélico de Salvador .
A intolerância religiosa pode ser denunciada de forma anônima pelo Disque 100, serviço da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, disponível 24 horas por dia, incluindo finais de semana e feriados. Denúncias também podem ser feitas diretamente à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e de Povos e Comunidades Tradicionais da Bahia (Sepromi).
Para Ubiraci Matildes, assessora do gabinete da Sepromi e responsável pelo setorial de saúde da População Negra, é importante o lançamento da IV CONEPIR na Bahia por considerar a cultura de preservação da cultura afro-brasileira e da visibilidade ampliada da política de igualdade racial. O Fórum Nacional de Mulheres Negras, movimento social de mulheres negras do Brasil, também é coordenado por Ubiraci e está mobilizando toda a sociedade civil para participação das conferências nos estados e nas conferências a nível nacional.
Yalorixá e doutoranda em Educação pela FACED/UFBA, Thiffany Odara é líder do Terreiro Oyá Matamba, em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador, e reafirmou a importância do retorno ativo desta IV Conferência Estadual de Promoção da Igualdade Racial para que se tenha um olhar mais atento para outras realidades negras como a população LGBT, da população Trans e Travestis, já que a Bahia tem liderado a marca de truculência contra esse grupo.
“A Bahia é o segundo estado do Brasil no ranking e o primeiro estado do Nordeste que mais mata pessoas trans, negras e negres. É importante que essa conferência tenha um olhar, não de sensibilidade, mas sim de política atuante em prol da proteção da nossa população”, lamentou a yalorixá e pesquisadora.
IV CONEPIR e os movimentos sociais na Bahia
A deputada estadual Olívia Santana foi a mestre de cerimônia na mesa de abertura da IV CONEPIR na manhã desta sexta-feira, no Auditório da Assembleia Legislativa da Bahia e falou ao Portal Umbu a sua percepção sobre os próximos passos para a 5ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial a ser realizada em setembro de 2025, em Brasília.
“Hoje é um dia muito especial nessa trajetória de luta que é cotidiana. Hoje é o dia de lançamento da nossa IV CONEPIR e aqui está reunida a militância negra antirracista de forma presencial. Essa gente que na sua cidade, no seu distrito, no seu município faz a diferença lutando contra o racismo e combatendo esse sistema brutal que nos mata todos os dias, que violenta os nossos direitos. É o momento da gente se ver, se enxergar, se unir e se fortalecer para seguirmos em frente lutando. A conferência confere as políticas públicas que vem acontecendo e ao mesmo tempo deve apontar caminhos novos, apresentando novas alternativas, projetos e propostas para que os governos executem a obra de desconstrução do racismo que envolve o poder executivo, legislativo e o poder judiciário. O sistema como um todo que movimenta o estado que precisa operar na contramão dessa estrutura racista e para isso acontecer, nós precisamos nos reunir e dizer o que o povo negro e o povo indígena exigem do estado brasileiro”, disse a pedagoga, escritora e fundadora da União de Negros pela Igualdade (UNEGRO).
Para o sociólogo Ailton Ferreira, gestor do Instituto Reparação e representante da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social – SEADS, é de importância e referência esse ato de Lançamento da IV CONEPIR já que, segundo o sociólogo, do golpe do ano de 2016 até o presente momento, a Bahia resolveu não participar de nenhuma conferência que vinha sendo realizada por não acreditar no governo em questão. Tanto que na Bahia será a IV CONEPIR e em Brasília será a V CONAPIR (Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial).
“É um momento de reconstrução. É o momento de acreditar na democracia. Enquanto o presidente Lula garante a democracia, nós seguimos tentando melhorar as relações dentro dos movimentos sociais negros para consolidar as políticas públicas de igualdade racial. É preciso estabelecer no Brasil [como prioridade] a educação, a Lei 10639, já que somente 500 cidades brasileiras implementam essa lei em suas unidades escolares e a questão da segurança pública. A cor da pele não pode continuar sendo indicador de suspeição”, lamenta o sociólogo baiano.
O empreendedorismo baiano também se fez presente na abertura da IV CONEPIR. A empreendedora Cynthia Paixão, presidente da Confraria das Deusas e empresária da Afrocentrados Colab, falou da relevância dessa quarta edição da CONEPIR para as mulheres negras, já que ela destaca como representatividade a gestão da secretária Ângela Guimarães como mulher negra e professora ao seguir firme no legado da construção da fala do povo preto e a ocupação do cargo ao qual ela está inserida.
Vadinho França, presidente do Bloco Alvorada, que completou 50 anos de resistência e existência no Carnaval de Salvador, vibrou pela data representativa que é o 21 de março e pela expectativa diante de todas as falas ditas durante a abertura do lançamento da IV CONEPIR. O fundador do bloco de samba mais antigo em atividade também ressaltou a importância de se colocar em prática todas as palavras ditas durante o evento para que não fiquem apenas em “conversas soltas” lançadas ao vento sem efetivação.
Para Sirlene Assis, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais na Bahia, a IV CONEPIR é mais um instrumento de luta e de resistência de nosso povo e de avaliação de nossas políticas até então realizadas. É importante propor novos caminhos para Igualdade Racial na Bahia, segundo Sirlene.
“São 27 territórios na Bahia e cada uma tem a sua especificidade que, ainda hoje, devido ao racismo institucional e estrutural, ceifa vidas e sonhos, retirando a dignidade das comunidades negras e dos povos tradicionais no que diz respeito ao seu acesso a dignidade humana”, finalizou a assistente social e ex-Ouvidora Geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia.
Para a secretária Ângela Guimarães, gestora da Sepromi, a IV CONEPIR será uma experiência grandiosa, uma vez que se passaram 12 anos sem a realização de uma Conferência de Promoção de Igualdade Racial na Bahia. Todos têm um espaço amplo, politizado, de bastante participação democrática e de escuta para transformar as políticas públicas de igualdade racial para os próximos anos.
“Pelo que foi esse lançamento, dá pra ver o quanto a Bahia é potente em contribuições com essa agenda”, finalizou Ângela .
*Matéria escrita por Patrícia Bernardes Sousa, jornalista e mobilizadora de projetos de Impacto Social pela Bahia.