
Não faz nem um mês, mas parece que já se passou um ano. Ainda mais em uma realidade tão “líquida” como a que vivemos, onde as notícias ficam velhas em poucas horas. Então, por que ainda falar sobre o Oscar 2025 e o filme Ainda Estou Aqui? Porque o que aconteceu na noite de três de março, em pleno domingo de carnaval, não foi apenas a vitória de um filme brasileiro em uma premiação estadunidense.
O “clima” de Copa do Mundo, os gritos, os fogos, o drone com o rosto da atriz Fernanda Torres no Farol da Barra. Todas as manifestações de alegria que contagiaram o país naqueles dias foram uma celebração pelo cinema nacional, pela arte e pela sensação de que sonhos podem ser realizados. Afinal, o cinema é também sobre isso: sonhos e realizações, desejo de pertencimento, reconhecimento de emoções e reflexões sobre tudo ou sobre nada.
A expressão cultural de um povo precisa continuar viva e ser valorizada pelos governos, pelas empresas privadas e, principalmente, pelo próprio povo. Há muito tempo o cinema brasileiro não era reconhecido por aqueles a quem ele se destinava: a população brasileira. Com raras exceções, os filmes feitos por aqui eram taxados como menores e resumidos a gêneros também considerados, erroneamente, como menores (as comédias). Mas aí já é outra conversa.
Quero me concentrar hoje no selo “cinema brasileiro” e no preconceito com tudo que possa ser feito por aqui, enquanto lotamos as salas de cinema para ver blockbusters estadunidenses ou “filmes de arte” europeus. Isso sem falar dos filmes coreanos e outros fenômenos, claro. Aliás, a chamada onda coreana foi planejada por uma política governamental na qual poderíamos nos inspirar. Foram feitos investimentos financeiros no setor e leis de proteção de tela que ajudaram as produções a serem realizadas e à formação de plateia.
Minha questão aqui é: passada a euforia carnavalesca da campanha de Ainda Estou Aqui, desde o Festival de Veneza, das salas cheias quebrando recordes de público e de todas as premiações e reconhecimento da obra de Walter Salles, como fica o cinema brasileiro? Estamos com novas obras nas telas agora. Vitória, protagonizado por Fernanda Montenegro, estreou bem, mas tem todo o apelo da própria atriz, o fato de ser uma história real e de ter estreado ainda no rastro das comemorações. Mas e o resto? Filmes como A Batalha da Rua Maria Antônia, que estreia em breve, terão a mesma aceitação pública? E filmes que estavam em cartaz durante esse período, como Kasa Branca e tantos outros, por que não tiveram a mesma procura?
O Brasil é um país continental, e classificar os diversos cinemas que são realizados por aqui como uma única coisa é até injusto. São inúmeros cinemas brasileiros realizados todos os dias, uns com mais apoio financeiro, outros com menos, mas todos criativos e com uma qualidade visível, só esperando uma oportunidade para serem descobertos pelo público.
Em 2024, por exemplo, ano em que Ainda Estou Aqui se tornou nosso representante na corrida do Oscar, pelo menos outras cinco obras mereciam público e destaque semelhante: Cidade Campo, de Juliana Rojas; Motel Destino, de Karim Aïnouz; Sem Coração, de Nara Normande; O Dia em que Te Conheci, de André Novais; e o baiano Saudade Fez Morada Aqui Dentro, de Haroldo Borges.
Ou seja, ganhar um Oscar foi importante para o cinema brasileiro porque ajudou a trazer visibilidade para o setor, demonstrou que, quando se tem investimento, podemos ir longe e trazer resultados efetivos para o país, inclusive econômicos. Mas isso não pode se resumir a um filme, a um diretor, nem a uma atriz. É preciso olhar para os diversos cinemas brasileiros que temos aqui e compreender que, sim, investir em cultura é importante. Enquanto política pública, enquanto plano econômico e como uma forma de incentivo para a formação e a autoestima de um povo que basta um pequeno gesto para ter a certeza de que “a vida presta”.
Então, viva o cinema brasileiro, e vamos aos cinemas prestigiá-lo.
OPINIÃO
O texto que você terminou de ler apresenta ideias e opiniões da pessoa autora da coluna, que as expressa a partir de sua visão de mundo e da interpretação de fatos e dados. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Umbu.
As ideias e opiniões de Amanda Aousd são bastante pertinentes, pois mostra a realidade da nossa cultura e o que poderemos fazer para elevar cada vez mais o nosso cinema.