Senhor do Bonfim reúne tradição gastronômica, blocos de forró e ruas decoradas para o São João

Arrasta-pé, ruas coloridas e licor são os itens indispensáveis no São João em Senhor do Bonfim, cidade onde a tradição junina pulsa forte no coração da Bahia. Localizada a aproximadamente 375 km de Salvador, a região é reconhecida como a capital baiana do forró. Nela, os bloquinhos de forró, o sabor do licor caseiro e as ruas decoradas criam o cenário perfeito para um São João inesquecível.
A capital baiana do forró é a primeira parada do projeto “São João da Bahia – Fogo que Não se Apaga”, cobertura especial do Portal Umbu que percorre o interior e a capital do estado para mostrar a diversidade, a força e os bastidores da festa mais querida dos baianos.
Com 74.523 habitantes, conforme o Censo de 2022 realizado pelo IBGE, a cidade recebe, em média, 80 mil turistas entre os dias 23 e 26 de junho. Mas para materializar as ideias e tornar possíveis os planejamentos, tudo começa em março, quando as primeiras sugestões de temas começam a surgir para decorar as ruas durante o período junino. Tony Albuquerque, que por anos fez parte da organização, relembra com saudade esse tempo de efervescência criativa e conta como nasceu o tema de um dos São Joões que organizou.
“Teve um ano que estávamos pensando sobre o tema, estava triste porque havia perdido minha mãe, e não foi fácil, mas eu tinha que seguir. Também tinha o casamento do meu primo, aí senti na porta que vi aquelas decorações, às gambiarras, e pensei que casamento na roça é assim. E aquele virou o tema do ano. Hoje, olho e percebo o quanto artistas no momento de dor conseguem fazer grandes obras. Mas era tipo uma escola de samba, são três meses de muita correria”, recorda.
Tony foi um dos diretores da Agência Produções Mutart Arte, que mais tarde passou a se chamar Mutart Produções. A empresa reunia pessoas interessadas em aprender técnicas de decoração e profissionais na área. Segundo Albuquerque, eram mais de 40 pessoas envolvidas na decoração das ruas.

“Era uma faixa de 30 a 40 pessoas, direta e indiretamente. Tinha o pessoal das bandeirolas, a gente começava na praça nova e descia para o parque da cidade, fazia ele todo colorido. Era muita gente para garantir que não amassasse, gastasse, e a gente chamava mulheres, meninos, todo mundo era empregado para contribuir com a decoração da rua”, lembra Tony.
Por muitos anos, as ruas decoradas pela empresa foram palco para o bloco forrozeiro Jegue Elétrico desfilar. O grupo tem três décadas de história e surgiu de uma maneira despretensiosa, quando um gerente do Banco do Brasil decidiu reunir colegas de trabalho para “brincar o São João”, como afirma Jacira Sá, integrante do Jegue Elétrico. Desde aquela época o bloco sai todos os dias 21 do mês de junho levando alegria pelas ruas.
“Fizemos nossa primeira edição nos fundos do banco. A gente sempre buscou chamar nossos artistas, nossos cantores, nossos forrozeiros […] e agora enxergamos essa cultura se expandindo e as pessoas dando mais espaço para cantores nordestinos e forrozeiros. Por isso, sempre pontuamos que o Jegue é uma festa feita por bonfinenses para bonfinenses”, diz Cleusa Candida, uma das atuais organizadoras do evento.
“Eu queria destacar como isso se tornou algo tão sério e contínuo, especialmente em relação às nossas famílias. Trazer a família foi algo natural. Eles começaram a fazer parte dessa cultura, ajudando a manter o movimento vivo. Já no segundo ano, comecei a agregar os meus filhos. Quem era casado trazia o cônjuge e quem não era, trazia os pais. Hoje, o mais interessante é ver as crianças participando. Eu mesma tenho dois filhos, hoje com 32 e 34 anos, que acompanham o Jegue desde o início, quando tinham apenas dois aninhos”, conta, sorrindo, a aposentada.
Um dos novos integrantes do bloco é Lucas Barbosa, 14 anos, neto de Prudente Barbosa, 60, que acompanha o bloco desde a gravidez da mãe. “Eu comecei a ir quando era pequeno e gostava muito. Sentia curiosidade pelos instrumentos e sempre achei tudo mágico. Ao todo, a gente se reúne por 5 a 6 horas. Nos encontramos na praça da velha e seguimos até a nova. Fico ansioso pensando na festa e, quando acaba, já quero mais! Daqui para frente, quero fazer o Jegue crescer”, conta o jovem.

O Jegue Elétrico integra a agenda cultural do interior baiano, que tem uma programação marcada por 30 dias de forró e mais de 100 atrações, entre eles: Xand Avião, Mari Fernandez, Zé Vaqueiro, Pablo, Calcinha Preta, Dorgival Dantas, Eric Land, Seu Desejo e Jonas Esticado. Não por acaso, Senhor do Bonfim é reconhecida como a Capital Baiana do Forró, abrigando também a maior sanfona do mundo, um símbolo do valor cultural e da forte presença do forró na identidade dos bonfinenses.
O forte magnetismo cultural e sua tradição coroam Senhor do Bonfim como um dos destinos mais visitados pelos turistas durante as celebrações juninas. Segundo pesquisa da Secretaria de Turismo (Setur-BA), o São João da cidade foi a principal motivação do turismo para 82,9% dos entrevistados. Conforme dados oficiais, em 2024, aproximadamente R$ 2 bilhões foram movimentados no estado. No município, a presença turística contribuiu expressivamente para a geração de renda, entre outros segmentos, por meio do aluguel de casas, que apresentou 9,6% de crescimento.
MEXENDO O CORPO E MANTENDO A TRADIÇÃO
O que mantém o brilho da festa é o envolvimento da população, que valoriza os rituais passados de geração em geração. Além da música, da decoração e dos bloquinhos de rua, outro destaque da festa junina de Senhor do Bonfim está na fabricação do licor, bebida que agrada tanto aos mais velhos quanto aos mais jovens.
Na família de Arthur Jairo, 26, essa tradição tem raízes antigas. A produção começou em 1940, com a bisavó dele, Dona Maria Ferreira, que preparava os primeiros licores na zona rural do Ceará, um legado que, ainda hoje, embala as noites juninas da família. “Minha família cresceu gostando bastante de licor e essa receita de Jenipapo sempre foi bastante gostosa”, lembra.

Com o falecimento da bisavó, aos 84 anos, e a vida o levando para o meio musical e acadêmico, Arthur decidiu, em 2023, resgatar a receita tradicional da família e dar um “ponto de vista mais comercial”. “Além da música e da engenharia, sempre tive interesse por culinária como um hobby. Com o tempo, fui me dedicando mais seriamente, até que surgiu a ideia de produzir licor com um foco mais comercial. A partir disso, passei a desenvolver receitas pensando em agradar o público e alcançar uma melhor aceitação”.
Hoje, com identidade visual e marca definida, o licor de Dona Maria se tornou o Arraiá na Garrafa, contendo mais de cinco sabores e até prêmio municipal. “Ano passado nós tivemos a honra de ganhar o Prêmio Capital Baiana do Forró, na categoria melhor licor. Foi o primeiro ano desta premiação, e é definido o vencedor por meio de voto da população, o que nos deixa ainda mais felizes”, comemora.
“A ideia agora é profissionalizar cada vez mais a produção do licor, sem perder os processos artesanais”. No primeiro ano de comercialização, em 2023, o Arraiá na Garrafa, segundo Arthur, tinha como pretensão “vender 50 garrafas, mas a demanda do público foi maior que o esperado”.
Em 2024, ano da premiação, a empresa vendeu os licores tradicionais por R$25 e os cremosos por R$35. Ao todo, cinco pessoas, entre mãe, avó, tio, avô, cônjuge e o próprio neto, atuaram na produção das bebidas que, além da demanda local, foram exportadas para outros estados e regiões do Brasil resultando em um lucro acima de R$5 mil para o empreendimento.

“Já fizemos entrega para Pernambuco, Pará, Goiás, Paraíba e Rio Grande do Norte. A gente sempre pensou em expandir aos poucos, mas, do nada, foi desse jeito. Não esperávamos”, sorri Arthur.
Presidente do Conselho de Cultura de Senhor do Bonfim, Vânia Cristina, comenta a variedade de produtos locais no período, impulsionadas por ações municipais que visam estimular a tradição entre as gerações: “Em Bonfim, temos uma feira orgânica com produtos locais, onde se destaca o umbu, uma fruta típica da época”. Ela ressalta que a força do movimento cultural é fundamental para a manutenção da festa local. “A cultura também promove o São João em Bonfim e é um processo prazeroso”, conclui.
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Texto: Bruna Rocha