Reportagem do Portal Umbu foi conferir os detalhes da mostra que destaca o protagonismo das mulheres negras
Quem estiver em Salvador poderá conferir a exposição ‘Dona Fulô e Outras Joias Negras’ a partir desta quinta-feira (7), data em que também será lançado o livro “Florindas”, que complementa a mostra. A mostra propõe um mergulho nas ações de mulheres negras que desenvolveram a “economia da liberdade” no Brasil Colônia.
Promovida pelo Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e exibida no Museu de Arte Contemporânea (MAC), a exposição foi apresentada a jornalistas nesta quarta-feira (6), durante coletiva de imprensa. Na ocasião, as curadoras, Carol Barreto, Eneida Sanches e Marília Panitz apresentaram à imprensa a coleção de joias de crioula, fotografias, pinturas e colagens que integram a mostra.
A iniciativa de criar a exposição ‘Dona Fulô e Outras Joias Negras’ foi o encantamento e a posterior identificação de uma fotografia onde uma mulher negra aparecia com joias e ricamente vestida. A imagem, que era de Dona Fulô, revela a prática implementada pelas “escravas de ganho” e mulheres libertas durante o Brasil Colônia.
Segundo Marília Panitz, o projeto de criar a exposição começou a ganhar forma há 3 anos, quando ela e as outras curadoras foram procuradas pelo colecionador Itamar Musse. Na época ele havia adquirido a coleção de joias de crioula e a fotografia de Dona Fulô, feita pelo artista Emanoel Araújo.
“Uma coisa muito interessante dessa coleção é que, desde o início, tínhamos a certeza de que não poderia fazer uma exposição de joias, isso era muito pouco para o que elas significam. Então tínhamos a ideia de que realmente precisaria fazer uma parte histórica, de contextualizar e que não fosse uma linha de tempo exclusivamente. Precisávamos jogar para contemporaneidade tanto no uso dessas joias, quanto na produção poética, porque é uma exposição com viés estético muito forte. Ou seja, é um viés político muito forte, mas também estético porque é uma política feita pela cultura”, explica Marília.
Florinda Anna do Nascimento
‘Dona Fulô e Outras Joias Negras’ preenche os espaços expositivos do MAC com as histórias dessas mulheres que compraram sua liberdade com o trabalho nas ruas e apresenta ao público, nomes como o de Florinda Anna do Nascimento e tantas outras mulheres pretas empreendedoras no Brasil.
Carol Barreto, curadora da mostra, traça um perfil de Dona Fulô, que se tornou fonte de inspiração para a exposição. “Temos como principal homenageada dessa exposição Dona Florinda, muito conhecida como Dona Fulô, que é uma mulher oriunda de Cruz das Almas, Recôncavo Baiano. A exposição compõe um acervo de joias que conseguimos, a partir do seu documento de óbito, referendar que pertenceram a ela. No entanto, compreendemos que estamos apresentando um acervo de valor muito mais simbólico e espiritual do que monetário”, argumenta Carol.
“Não é o fato da joia ser feita de ouro, de pedras preciosas, que faz construirmos essa mobilização para realinhar uma história que foi deturpada, que foi mais escrita pelo racismo do que assinada por nós, pessoas negras. Então compreendo a importância dessa exposição como uma oportunidade de redesenho dessa narrativa, revisitando informações que foram estrategicamente invisibilizadas pelo racismo, pelas narrativas todas, do que chamamos de história, que entendo também que tem um caráter ficcional”, analisa a curadora.
A mostra é dividida em três núcleos, o primeiro “Histórias Florindas” propõe um mergulho no século XVIII e XIX, e expõe trabalhos de Pierre Verger, Vik Muniz e Rosa Bunchaft. Já o segundo núcleo intitulado de Raras Florindas, a partir da coleção de joias de crioula reunida por Itamar Musse. Por fim, o terceiro núcleo, Armas Florindas, traz a produção contemporânea de artistas brasileiros negros. Neste espaço, os visitantes irão encontrar esculturas, vídeos, pinturas, colagens, objetos e outras mídias.
Eneida Sanches, curadora da exposição, revela como foi feito o processo de curadoria da mostra e a divisão em três núcleos. “Fui ferramenteira para os terreiros durante um período, então tenho uma relação com as artes visuais, tenho um atelier de artes visuais há 30 anos. Já produzimos uma série de curadorias e quando fui convidada, foi principalmente para o núcleo contemporâneo, tenho uma relação muito forte com a produção de arte negra”, explica.
“Escolhemos trabalhar em cima do recorte que a Florinda traz que é: ativismo, beleza e feminismo. O ativismo aparece com relação ao corpo, então automaticamente o corpo está conectado a essa produção que estamos mostrando aqui dos artistas contemporâneos. Em primeiro lugar trabalhamos com a importância de trazer a beleza como um confronto àquilo que se espera de uma pessoa negra que é da miséria, da pobreza e da falta. Então nesse aspecto, Florinda foi grandiosa porque ela ataca, ela é um projétil contra uma sociedade que quer apagamentos e que, quer ver a invisibilização da negritude”, argumenta Sanches.
Assinando a realização da exposição, o CCBB escolheu Salvador como a primeira capital do Nordeste para receber o novo espaço do Centro. O equipamento cultural está sendo instalado no Palácio da Aclamação, localizado no centro da capital baiana. Enquanto os preparativos estão acontecendo, o CCBB vem realizando uma série de ações pela capital para aquecer sua chegada à Salvador. É o caso da exposição “Vila Velha, por Exemplo: 60 Anos de um Teatro do Brasil”, realizada no MAM-BA e a mostra “Dona Fulô e Outras Joias Negras”, que ficará disponível para visitação até 16 de fevereiro de 2025.
“Nós do CCBB estamos muito felizes com essa exposição. É uma exposição que celebra o protagonismo negro e feminino. Nessa exposição, vamos falar de mulheres como Florinda Ana do Nascimento, Tia Ciata, Mãe Menininha, Mãe Senhora e tantas outras. Mulheres que com muito trabalho nas ruas, conquistaram suas liberdades, suas alforrias e alforrias de tantas outras. São Mulheres que marcaram a sociedade brasileira, a nossa história”, afirma Júlio Paranaguá, gerente do CCBB.
“Estamos muito felizes com esse projeto, de instalar um Centro Cultural do Banco do Brasil na Bahia, em Salvador. Salvador que é uma cidade muito importante para o Brasil e para o hemisfério sul. Foi a primeira capital do Brasil. É uma cidade que respira e vive cultura em todos os espaços, em todas as ruas, em todos os lugares. É a cidade que tem uma herança e uma história negra muito forte, muito potente. A cidade com a maior população negra fora da África, então a nossa expectativa é a melhor possível. Queremos chegar na cidade somando com o que já existe de produção cultural aqui, com os outros espaços, nesse momento, estamos fazendo essa parceria com os equipamentos culturais. Somar e promover a cultura da cidade aprender também com o que já é feito e produzido aqui”, explica Júlio.
Serviço
Dona Fulô e Outras Joias Negras
Museu de Arte Contemporânea – MAC BA
Rua da Graça, 284, Graça, Salvador / Bahia
Tel: (71) 3117-6987
Abertura para o público: dia 7 de novembro de 2024
Lançamento do livro e conversa com o editor Charles Cosac – 16 horas
Bate papo com as curadoras Carol Barreto, Eneida Sanches e Marilia Panitz – 19 horas
Visitação: de 7 de novembro de 2024 a 16 de fevereiro de 2025
Dias/Horários: terça a domingo, das 10 às 20h