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Portal UMBU

“Eu acredito  no jornalismo que é formador de opinião. Esse é o caminho que a gente tem que seguir”, afirma a jornalista Silvana Oliveira

Em entrevista ao Portal Umbu, Silvana contou a sua trajetória dentro do mercado da comunicação

Foto: Arquivo Pessoal (Redes Sociais).

Paulista com alma soteropolitana, Silvana Oliveira é um dos grandes nomes do jornalismo político na Bahia. A filha de dona Cilene e do sr. Honório é uma verdadeira propagadora de informações e, na Rádio Sociedade, sua personalidade firme e correta é o que a torna única. Nome recorrente ao se pensar no radiojornalismo, Silvana tem em sua trajetória passagens por diversas áreas da comunicação.

Para o Portal Umbu, a jornalista compartilhou experiências e desafios que precisou enfrentar na carreira, além de compartilhar sua trajetória e as suas referências dentro da área. Se apresentando como “mulher negra, hétero e soteropaulistana”, a jornalista é filha de uma amargosense e um mineiro. Nascida em São Paulo, Silvana tem três irmãos.

“Sou filha de dona Cilene, uma baiana de Amargosa, e seu Honório, um mineiro do sul de Minas, que se encontraram em São Paulo e me deram três irmãos: Linda, Tito e Lenize, e me criaram em uma Torre de Marfim dentro do que eles podiam me dar. Sempre fui extremamente curiosa, sempre gostei da área da comunicação, fui fazer jornalismo para trabalhar com macroeconomia, eu queria mesmo ser correspondente internacional”, contou.

“Dentro do curso de Jornalismo, descobri o rádio e a televisão. A partir daí foi que eu comecei a trabalhar com comunicação. Eu escolhi vir para a Bahia ali no começo dos anos 2000, foi uma escolha pessoal, não tinha nada a ver com o trabalho, e me apaixonei realmente por essa terra. Já conhecia a Bahia porque eu vinha nas férias com os meus pais. Eu tenho tios em Santo Amaro em Feira de Santana, então eu vinha quando eu era pequena.”

Ela conta que na adolescência as vindas à capital baiana cessaram, mas quando decidiu retornar, se apaixonou pela cidade. “Em especial pela cor do mar daqui e decidi ficar. Todo ano eu digo que eu vou embora porque eu realmente acho que o campo de trabalho e as possibilidades de estudos em São Paulo são muito melhores, mas tem alguma coisa que me prende aqui e, no pós-pandemia, a possibilidade da gente ser nômade digital tem alterado um pouco meu pensamento. É possível trabalhar daqui, ganhar como se ganha em São Paulo e no Rio de Janeiro e continuar comentando sobre a economia local”.

Com cerca de três décadas de atuação, a jornalista conta que a história de sua trajetória é longa, mas fala que fez muitos cursos que a guiaram para a carreira na comunicação. “Sempre gostei muito de estudar, morava longe da faculdade, venho da zona leste de São Paulo, da Penha. Estudava na Avenida Paulista, os estágios eram sempre também naquela região ou do outro lado da cidade, na região oeste, uma parte sudoeste da cidade, e eu normalmente fazia estágio de manhã, passava a tarde na rua e à noite ia para a faculdade. Por conta disso, fiz uma série de cursos e em um deles surgiu um estágio numa emissora chamada Alfa FM”.

“Fiz um estágio de 3 meses, o coordenador artístico da época conversou comigo, me disse que eu não tinha nenhuma aptidão para trabalhar com rádio e televisão, que eu realmente deveria pensar no impresso, que era meu foco original, inclusive na faculdade. Eu queria trabalhar no Jornal do Brasil”, conta. Ela relembra que, no começo do ano seguinte, recebeu um novo contato da rádio. Silvana foi comunicada de que o coordenador anterior havia saído e que um outro, Wesley Ribeiro queria conversar com ela.

“Fui contratada como folguista. Essa foi minha primeira etapa profissional como contratada dentro do jornalismo. Lá era uma rádio só feminina, isso é um diferencial bem bacana. Nós jornalistas escrevemos e também fazemos a locução. É uma rádio ainda de música e notícia. Foi um momento muito interessante, era uma rádio que estava em 18º [lugar] e sendo uma rádio altamente qualificada, ela chegou ao quinto lugar. Continua sendo uma referência para mim de trabalho. Foi meu primeiro emprego real, primeira vez que fui tratada como profissional e não como estagiária, como alguém que estava aprendendo.”

Foto: Reprodução

“De lá, fui para a rádio USP. Depois da rádio USP, passei a ter sempre dois trabalhos. Quando saí da Alfa, fui para TV, para Band. A Band, para mim, foi uma escola também. Na rádio USP, entrei concursada como redatora, depois fui coordenadora de programação durante um bom tempo, que foi uma experiência bem bacana porque não tinha necessariamente a ver com o jornalismo, já que uma parte da programação é jornalística até hoje, mas tinha uma parte também que era bastante artística. Você tinha algumas linhas de rádio. Você tinha programas voltados para ciência, para música instrumental mais tradicional ou para experimentos dos jovens, dos estudantes da época da escola de comunicação e artes da USP”, explica.

“A gente criou o primeiro programa de RPG aqui no Brasil. Foi uma experiência. Enfim, foi uma experiência muito bacana assim, a gente tinha uma liberdade de criar também única, que só pode acontecer, realmente, dentro de uma autarquia e de uma rádio voltada para educação que não tinha necessariamente que concorrer pelo Ibope. E dentro da USP, ganhei um PCA pela programação, acho que foi o primeiro prêmio que ganhei assim de relevância. E uma coisa bacana também foi que naquela época, a gente conseguiu implementar os apoios culturais. A rádio começou a poder contar também com dinheiro privado para se manter.”

Além da USP, Silvana conta que na Band foi produtora, redatora e editora. Quando saiu da Band, assumiu a coordenação da USP e depois apresentou o programa Afro Brasil Debate. “Era um programa voltado para questões da negritude, de fato, inclusive, a possibilidade de implementação de cotas na universidade. Fiquei mais um tempo depois, voltei a trabalhar na Band. Daí, fui mudando de funções, fui ser editora e editora especial, e depois, assumi como editora-chefe”.

Ela lembra de eventos marcantes como a cobertura do enterro de Ayrton Senna e o primeiro leilão de Teles. Em São Paulo, Silvana lembra passagens por veículos como Eldorado, Jovem Pan e CBN.

A jornalista lembra da perda do pai e do irmão em um intervalo de cerca de um mês e meio neste período. “Esse foi um dos motivos, depois de um ano, que eu resolvi vir para Salvador. Depois que minha família se organizou, equilibrar minhas irmãs, minha mãe, eu precisava viver meu luto. Porque dentro do apoio que eu tive que dar a elas, eu tive uma dificuldade grande de vivenciar esse luto. E esse foi um dos motivos que eu vim para cá”

Ela conta que, apesar de vir decidida a não ser mais gestora “de nada”, logo se viu ocupando a gerência de jornalismo de uma emissora de TV. “Trabalhei durante uma época com uma amiga e tinha uma assessoria de comunicação, dando apoio na parte de redação de cultura. Eu gosto muito de música, em especial, mas de teatro também. Logo depois, fui contratada para chefiar a produção da TV. Depois, Washington, que era o gestor de lá, perdeu Cristiano Caldeira, que era gerente de jornalismo. E aí ele me convidou para ficar na gerência de jornalismo. Fiquei um tempo, acho que dois anos, depois saí de lá por questões políticas, não minhas, mas questões do gestor do Irdeb [Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia] na época, que precisava de um cargo para um amigo que tinha sido defenestrado. A palavra realmente é essa”.

Na Band Bahia, Silvana conta que atuou como editora do Jornal da Noite, Jornal da Manhã, do Jogo Aberto, onde ficou mais tempo, em 2005. Ela também dirigiu o Band News durante 8 anos e meio e conta que foi uma “experiência bem bacana, em especial, por causa de Boechat, que fazia um jornalismo diferenciado”.

“Na BandNews, eu cheguei a receber vários prêmios. Prêmios do SEBRAE, da OAB, um prêmio bem especial da Petrobrás, que eu ganhei junto com o Renato Cordeiro, falando da história do Carnaval da Bahia, desde a época dos pequenos desfiles ligados aos portugueses, passando pelas escolas de samba e aí trazendo os blocos afro, os blocos de samba, carnaval de trio. Enfim, a gente ganhou um prêmio nacional da Petrobras com isso e, à luz de 2014, eu ganhei uma bolsa de estudos para estudar na Itália. Fui pra lá fazer um curso de direitos humanos, seis meses lá. Quando voltei, fui coordenadora e fui pra ser coordenadora multimeios.”

“Com a morte de Eduardo Eurico, eu migrei para a TV – era a única pessoa que conhecia de TV – e assumi a coordenação de TV.  Foi uma experiência muito bacana também porque além do que a gente produzia, passava por mim também orçamentos de conteúdo, híbridos, ou de marketing de conteúdo que tinha uma que tinha uma grande jornalística. Então foi uma experiência bacana acompanhar também a confecção desse material.”

Ela conta que chegou ao jornalismo da Rádio Sociedade da Bahia, com a proposta de modernizá-lo. “A gente tem conseguido aos poucos. É uma rádio que tem uma cultura muito arraigada. Tem algumas coisas que são um pouco mais desafiadoras, digamos assim, mudar, mas a gente tem conseguido evoluir nas características do jornalismo da emissora hoje. A gente não trabalha mais com o policialismo, a gente trabalha com justiça, então se você ouvir a rádio você não vai sentir cheiro de sangue de jeito nenhum e cada vez mais a ideia é exatamente essa essa, que a gente consiga levar pro ouvinte informações por vários vieses, de vários lados para que ele possa formar a própria opinião dele, afinal ele tem uma opinião muito própria”.

“Eu acredito, de fato, nesse jornalismo: que é formador  de opinião, que se alicerça na possibilidade e na disponibilidade de quem está na frente da câmera ou de quem está ali na frente do computador escrevendo, de quem está na frente no microfone, de ter uma opinião e dizer olha a minha opinião é essa, mas existe isso, isso e aquilo também, enfim, esse é o caminho que a gente tem que seguir.”

Sobre profissionais que a inspiram, ela diz que há duas mulheres que se destacavam quando ela era adolescente: “No começo da carreira eu tive duas mulheres que me impressionaram muito porque eram apresentadoras e eram muito incisivas na apresentação que faziam: Celene Araújo e Marília Gabriela. Eram as duas únicas mulheres que eu conhecia e que tinham um papel dentro da comunicação que eu queria muito porque eu não queria ser repórter, eu queria poder ter voz  de uma outra forma, queria poder fazer perguntas dolorosas, apertar as pessoas, enfim, essas foram minhas duas inspirações originais”.

“Ao longo do tempo eu fui conhecendo outras figuras e fui percebendo a importância da reportagem, aí passei a admirar Zuleide Silva, Glória Maria. Hoje admiro alguns profissionais da terra como Tarsilla Alvarindo, uma menina incrível e falo menina porque é mais nova, mas é uma excelente profissional. Os Felipes, tanto Costa quanto Oliveira, que foram dois estagiários da minha equipe, é lindo ver esse crescimento, e é mais lindo ainda ver pessoas pretas na tela. Eu venho descobrindo outras profissionais como Letícia Vidica, Silvia Nascimento e outras. São muitas referências dentro do jornalismo que eu aprecio, e é claro, super admiro o trabalho de Rita Batista e de outras profissionais, só que não é o mesmo tipo de jornalismo que eu acho que gosto de fazer, mas a Bahia tem muitas figuras interessantes”.

Sobre desafios profissionais, Silvana relata que o primeiro foi o choque cultural. “Porque independente do lugar que você mora no país, a gente às vezes pensa: ‘ah, eu vou para fora do Brasil, eu vou ter um choque cultural’. Mas eu acredito que  um baiano que vai para São Paulo, um paulista que vem para cá, em especial, trabalhar, tem um choque cultural. Existe uma forma de fazer que é diferente, existe uma aderência ao trabalho, um nível de concentração, um jeito de resolver questões ou até um trato que é muito diferente. Então para mim isso foi e continua sendo um desafio de verdade”.

“Como ser humano e ser mulher, negra e gorda, hoje também, porque isso sempre foram obstáculos. Eu precisei vencer para mostrar minhas qualificações, o meu trabalho, então talvez esses sejam os maiores desafios: mostrar para o mercado, desde sempre, eu sou tão qualificada quanto as outras pessoas. Desde que eu entrei no mercado lá em São Paulo que eu venho enfrentando esse tipo de atravessamento. Então eu acredito que isso tenha sido o principal desafio pensando como ser humano, como profissional, principalmente nas grandes coberturas: cobrir tragédia, cobrir Carnaval da Bahia, que não é uma tragédia, mas é quase um cacete armado, uma bagunça organizada”, brinca. “Cobrir eleições, copa do mundo”, lista Silvana.

Concluindo, ela conta: “Uma coisa que aconteceu, bem interessante, que eu acho que esse foi um desafio importante pra mim, foi que eu fui contratada pela Rádio Sociedade para ser gestora e eu não fui contratada para estar no ar, isso não faz parte do meu contrato, e quando aconteceu aquela tragédia do Cavalo Marinho, eu era gestora, no entanto não tinha ninguém aqui e eu entrei com aquela notícia no ar. Foi a primeira vez que sentei à frente do microfone da rádio e fiquei no ar com revezamento com João Kalil, depois com Fabrício Cunha também me dando apoio, então talvez, esse tenha sido um grande desafio de voltar para o ar sem ter me preparado, sem ter absolutamente nada. É o momento de tragédia, muita dor e falta de informação”, relembra.

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