Espaço está em clima de inauguração e hoje (22) receberá o espetáculo Resistência Cabocla, com o Bando de Teatro Olodum às 19h
O circuito de arte do Centro Antigo de Salvador volta a ter à disposição um importante espaço de difusão cultural da cidade: o Espaço Cultural Barroquinha. O equipamento foi reaberto ao público nesta quarta-feira (20), três anos após o fechamento por conta da pandemia da Covid-19. O local retorna com a parte elétrica reestruturada e a instalação física ampliada.
O pátio externo, que deu palco para importantes projetos artísticos nos últimos anos, passa a integrar oficialmente o centro de cultura. O local foi batizado Iyá Nassô, em homenagem a uma das fundadoras do Candomblé da Barroquinha. O espaço tem ainda a sala Mário Gusmão, em homenagem ao ator, escritor, compositor, dançarino e primeiro aluno negro da Escola de Teatro da UFBA, e a galeria Juarez Paraíso, que abriga permanentemente a exposição Orixás da Bahia
Para Fernando Guerreiro, presidente da Fundação Gregório de Matos (FGM), órgão vinculado à Secretaria de Cultura de Salvador, não há como desassociar a relação do Espaço Cultural com as figuras negras presentes na história deste local tão rico em história e memórias.
Esse é um espaço de resistência ligada à cultura preta, à cultura afrodescendente da cidade de Salvador, porque essa é a vocação desse lugar, ele foi o primeiro terreiro que aqui tem todo um assentamento, é um espaço sagrado
“Esse é um espaço de resistência ligada à cultura preta, à cultura afrodescendente da cidade de Salvador, porque essa é a vocação desse lugar, ele foi o primeiro terreiro que aqui tem todo um assentamento, é um espaço sagrado. Definitivamente não é um espaço qualquer, não é um teatro, não é dentro do shopping, por exemplo. Está dentro de uma área da cidade que tem uma axé muito grande, que tem uma importância histórica muito grande, então é um cuidado que tem que ter muito grande na questão física, por isso, a reabertura gerou na programação essa questão identitária”, afirma.
O Espaço Cultural da Barroquinha funciona, desde 2009, na antiga Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha, construída em 1726. Tendo a História como perspectiva, o local, além de abrigar um templo católico, agrega grande importância às religiões de matrizes africanas. O local, que possui em seu histórico importância singular para a cultura da capital baiana, será tema central da mesa de discussão “Patrimônio é…”, que acontecerá na próxima terça-feira (26), a partir das 17h, para a qual Fernando Guerreiro convida o público.
Nós temos uma cidade repleta de histórias e repleta de personalidades importantíssimas que a gente não dá conta.
Fernando Guerreiro também era amigo pessoal de Mário Gusmão, um dos homenageados do espaço recém inaugurado, e se sente contente por poder homenagear esse grande artista: “Para mim é algo muito importante que, quando a gente vai ficando velho, vai ficando mais importante ainda: a memória. Nós temos uma cidade repleta de histórias e repleta de personalidades importantíssimas que a gente não dá conta. Para você ter uma ideia, não existia política de patrimônio em Salvador até 2014, a gente implementou. O que é um dos maiores absurdos de todos os tempos porque quando se fala de Salvador, se fala de memória na mesma hora e é uma coisa que está intrinsecamente ligada à cidade. Então a ideia é muito casamento com patrimônio. Então a gente tá trazendo essas figuras, algumas estão vivas, outras não. Desde a mais ancestral que fez parte da minha vida e que é uma figura que precisa ser reverenciada e lembrada que é Mário Gusmão, ele foi um amigo meu pessoal”.
Para a gente chegar onde a gente chegou essas pessoas foram muito importantes e elas precisam ser beneficiadas, precisam ser lembradas
“Em um determinado momento existia o baile das atrizes – eu não lembro se era atriz ou artistas – e eu fui. Mário foi o rei desse baile e eu fui o príncipe, consorte dele. E ele me deu um Machado de Xangô que eu tenho até hoje. Nesse dia ele me disse ‘quero que você faça juízo à minha memória’ e isso ficou marcado em mim. Então, na primeira oportunidade que eu tive, batizei a sala como sala Mário Gusmão, porque foi uma figura lendária e um desbravador que morreu numa situação muito ruim financeira e foi um dos primeiros grandes atores negros, talvez o primeiro ator negro da história do teatro, que sofreu na pele tudo que é possível por ser essa figura lendária. Para a gente chegar onde a gente chegou essas pessoas foram muito importantes e elas precisam ser beneficiadas, precisam ser lembradas”, conclui.
A Barroquinha foi sede da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios, formada por escravizados, em 1764. Também foi usada pela Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, que posteriormente se transferiu para Cachoeira, no Recôncavo, onde está sediada até os dias atuais. Já no século XIX, um terreiro de candomblé nasceu na parte anexa à igreja.
Quem foi Iyá Nassô?
Uma das homenageadas na reabertura do Espaço Cultural da Barroquinha, a ialorixá Francisca da Silva – Iyá Nassô é uma das três fundadoras do Candomblé da Barroquinha, juntamente com outras duas Yás. São elas Iá Acalá (Iyá Akala) e Iá Adetá (Iyá Adeta).
O nome religioso Iyá Nasso, que, como já esclarecido por diversos estudiosos do assunto, é o nome de um título da corte do Alafin de Oyo, que é o responsável pelo culto a Xangô e às divindades secundárias ligadas a este no palácio de Oyo, importante cidade-estado da Nigéria.
Há uma hipótese de que Francisca Silva seria a lendária Iya Nassô, teria saído do Brasil por conta da perseguição estabelecida pelas autoridades após a Revolta dos Malês na Bahia, tendo seu filho como um dos suspeitos da insurreição. Em defesa de seu filho, Domingos opta por deixar o país em troca de seu filho ser deportado. Segundo a pesquisadora, Lisa Earl Castilho, após Outubro de 1837, nada mais indicava um retorno de Francisca Silva (Iya Nassô) a Bahia, tendo possivelmente falecido por lá. No entanto em meados nos anos de 1840 documentos voltam a apontar Marcelina da Silva (Obatossi) tais como registros de batismo, escrituras de imóveis apontando que esta voltou da viagem a África e se estabeleceu novamente na Bahia, possivelmente assumindo o culto deixado por Iyá Nassô, e mais tarde fundando o Terreiro da Casa Branca o Ilê Axé Iyá Nassô Oká.
Na pesquisa, um outro descrito interessante refere-se a prisão de seus filhos suspeitos de participantes da Revolta dos Malês, nas ocorrências policiais testemunhos de pessoas próximas da casa de Francisca Silva descreve festas com a presença de um grande número de nagôs, vestidos de branco e vermelho com colares no pescoço, cânticos em língua iorubá, possivelmente um culto a Xangô já que seu outro filho Thomé possuía registro de origem, ele vinha de Oyo.
A hipótese é de que Iya Nassô tenha sido mesmo a Sra. Francisca Silva e tenha cultuado Xangô em sua própria casa até sua partida para África, permanecendo no Brasil ainda Iyá Adeta e Akala que promoviam também em suas casas cultos a Odé (Oxossi) e Aira. A outra hipótese que concluí-se é que o Candomblé da Barroquinha a que todos se referiam eram os festejos realizados no salão de festa anexo a Igreja da Barroquinha, sede da Irmandade dos Martírios, onde realizam a sombra do sincretismo festas a seus Orixás, o Candomblé como conhecemos hoje só teria passado a existir a partir da fundação da Casa Branca.
Programação Inauguração Espaço Cultural:
22 de setembro – 19h: Espetáculo Resistência Cabocla, com o Bando de Teatro Olodum.
23 de setembro – 17h e 19h: Espetáculo Resistência Cabocla, com o Bando de Teatro Olodum.
24 de setembro – 16h: Sibí Dúdú – Roda de Samba (reúne grupos Mãos no Couro, Gira D’elas e Geo da Viola).
26 de setembro – 17h: Roda de conversa PATRIMÔNIO É…
27 de setembro – 17h: Cine Cafezinho- exibição de produtos audiovisuais contemplados pelo Prêmio Jaime Sodré.
28 a 30 de setembro – 19h: Espetáculo Kaiala.
30 de setembro e 1º de outubro – 10h às 17h: Projeto Ocupação Sound System – Arte Urbana na Comunidade.
Foto: Divulgação