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Encontros Negros: Programação com bate papo sobre ancestralidade, religiosidade e auto estima negra encerra segundo dia de evento

Iniciativa aconteceu nos dias 28 e 29 de novembro no Solar Ferrão 

O segundo dia do projeto “Encontros Negros”, realizado nesta quarta-feira (29), foi cercado de reflexões acerca de temáticas que abraçam a população negra atualmente de forma latente. A primeira mesa recebeu Geo Nunes, CEO da Amora Brinquedos, e Amanda Henrique (Psi Preta), com mediação de Camilla França. A pauta foi “Autoestima e autoimagem da pessoa negra” e contou  A conversa foi cercada de vivências tanto pessoais quanto profissionais, afinal, não há como falar de autoestima e autoimagem sem falar das próprias vivências.

Psicóloga, Amanda trouxe diversas reflexões sobre a construção da sua própria autoestima e como consegue compartilhar conhecimento para as mulheres que ela atende. Dentro dessas reflexões e relatos, a psicóloga diz que a sua maior dificuldade enquanto profissional é ter que lembrar para as pessoas o tempo inteiro que cuidar da autoestima é um fator importante para a construção profissional e pessoal do indivíduo.

“Eu acho que uma coisa que inclusive me cansa, como Amanda, é ficar lembrando as pessoas que é importante elas se cuidarem, é importante ela estar linda, ela se sentir bem, satisfeita com o corpo dela. Mas isso é a cabecinha dela, se ela não tiver massa, nada vai tá legal. Ela vai ter todas as técnicas, mas quando ela for deitar, botar a cabecinha dela ali, no travesseiro, ela vai ser uma pessoa infeliz, ela não vai estar satisfeita com a vida.”

“Consegui entender que, para mim, como profissional, a minha maior dificuldade é as pessoas entenderem a importância da Psicologia. É as pessoas entenderem a hipótese de cuidar da saúde mental, principalmente como uma pessoa negra, e não só comigo, porque, graças a Deus, essa demanda não é só minha e de vários outros profissionais, que estão aí para poder atender, aptos e as pessoas acabam escolhendo quando elas podem arcar. Infelizmente, elas acabam escolhendo não arcar com profissional mesmo”, disse. 

Pensando na construção da autoestima e na importância do cuidado da saúde mental, a idealizadora da Amora Brinquedos, Geo Nunes, faz esse trabalho importante de conscientização e construção do autocuidado com as crianças negras, afinal, apresentar a representatividade para crianças gera o entendimento de que, a partir dali, atitudes positivas partirão dentro de cada um deles, como a autoestima, a autoaceitação e, é claro, um pensamento antirracista.

“Eu não vejo que as crianças são racistas, elas aprendem com o meio. Elas acabam reproduzindo o que elas costumam ouvir, o que é natural. E a Amoras vem, por meio da própria aprendizagem, trazendo brinquedos no qual elas se identifiquem, e que façam com que elas entendam na prática o empoderamento e autoaceitação que começa em casa.” 

Para fechar o primeiro bate papo o Encontros recebeu a presença da Secretária de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), Ângela Guimarães, que relatou a sua felicidade em poder ver movimentações preocupadas com pautas raciais com tamanha responsabilidade e cuidado.

“Eu admiro o trabalho de vocês e sei que, além de ser um trabalho de uma comunicação antirracista, é momento também de celebrar as nossas histórias de êxito, de sucesso. O que  vocês fazem é uma importante referência, não só para mim, individualmente, mas para mim na condição de gestora também, porque eu acredito que a gestão pública está neste lugar de pensar em políticas de promoção da Igualdade racial no Brasil e na Bahia, que é estruturalmente racista e nós, pessoas negras, somos atravessadas e sofremos o  impacto do racismo nas nossas vidas. Então esse trabalho de vocês é essencial para essa nova sociedade”, declarou Ângela. 

A arte e a religiosidade transversal com Ryane Leão e Amanda Tropicana

Saindo do lugar da autoestima e seguindo para falar de arte, sem desassociar uma coisa da outra, a segunda mesa contou com a presença da escritora Ryane Leão e da fotógrafa Amanda Tropicana, com mediação de Mirtes Santa Rosa. O momento foi marcado por muitas lágrimas de identificação com cada posicionamento potente das convidadas.

Para falar de religiosidade, ancestralidade e arte, Ryane Leão descreveu o que para ela seria esse fenômeno, sem desassociar de si mesma. “Acho que a arte sempre tem para onde retornar. Então arte para mim é casa, é possibilidade, é o caminho, é movimento, é partida e chegada. Arte é Exu,  arte é encruzilhada. Não consigo definir uma coisa só. Arte é tudo que me move”, afirmou a escritora.

Foto: Yasmin Cardim

Para a fotógrafa Amanda, a arte é tudo. Recentemente a artista ganhou o Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger e contou de que forma uniu a religiosidade e arte em um só lugar: “Algumas coisas aconteceram para sacudir e botar para ficar de novo em cima, né? Quando surge o desespero, o mínimo que você pode fazer é ir, que em algum lugar você chegue. Porque é muito difícil ser uma mulher negra, mãe, que aprendeu a fotografar de forma autodidata, que por muitos anos fotografou com a câmera emprestada até ter a sua. Que faz o que faz sem poder fazer, muitas vezes, e ainda assim tô fazendo com equipamento que eu tenho, com que eu posso. Então toda vez que eu fico me auto-sabotando,  eu fico pensando se eu desistir agora depois de tanta coisa, sabe?”

“Esse foi o ano que eu quase larguei de mão. Quando eu estava quase largando a fotografia, eu estava no terreiro no momento, ajeitando muitas coisas e aí veio aquele sopro assim, ‘Amanda e aquele negócio que você quer se inscrever há tanto tempo’, que é esse prêmio que eu ganhei esse ano, ‘você está tantos anos querendo aquilo. Por que você, mais uma vez, está se negligenciando? Se joga!”. Depois de muito bater cabeça, eu falei assim: sabe de uma? Eu vou falar de quem me segura, quem me segura é Xangô.”

“E eu falei: eu só posso ir para frente, agora, caminhando com ele, porque quando eu quase desisti de mim, ele abriu as portas e disse ‘eu sou seu pai também’. Então eu fiquei pensando ‘eu vou falar de meu pai’ e eu mandei o ensaio de memórias. Quando eu tive o resultado, eu estava na praia, querendo ficar em paz, e eu só vi a agonia no telefone. ‘Parabéns’ e eu sem entender nada, e foi aí que eu abri a mensagem eu vi que tinha passado em primeiro lugar. Daí eu pensei: meu Deus, e se eu tivesse desistido?”, refletiu.

Falando ainda sobre sonhos, ancestralidade, caminhos, possibilidades e persistência, Ryane trouxe as suas perspectivas sobre o assunto de forma poética e singular. “Eu não tive esse momento mesmo nos momentos em que eu talvez não tivesse força o suficiente para sustentar o meu próprio corpo, a ancestralidade estava ali junto à palavra. Então desistir de mim seria desistir da palavra, desistir da arte, seria desistir de mim realmente. Não tem como.”
“Eu sou uma pessoa que acorda e aposta suas fichas na minha existência, eu aposto as minhas fichas em mim e geralmente eu ganho, então não vou ceder ao mundo, ainda que às vezes eu adoeça, ainda que eu chore, ainda que eu trate uma depressão, não vou ceder totalmente ao mundo. Não posso deixar o mundo ganhar e, por isso, eu não desisto de mim. Não há possibilidade. Como que eu vou olhar no olho de Exu e dizer que eu desisti de mim? Não, eu me comprometo em estar aqui, nem sempre firme, mas aqui”, concluiu.

Fotos: Yasmin Cardim

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