Convidados falaram sobre melhorias para os jornalistas, abordagem racial na comunicação e a influência das big techs no fazer jornalístico

A noite desta segunda-feira (7) foi de trocas importantes para pensar no atual momento do jornalismo no Brasil. Comunicadores baianos se reuniram para uma edição online dos Encontros Agridoces, onde debateram a respeito do futuro da profissão em meio ao domínio das big techs, os principais desafios dos jornalistas neste contexto e como a comunicação pode alcançar diferentes grupos.
O encontro teve a presença dos jornalistas Midiã Noelle, diretora geral do Instituto Commbne, André Santana, um dos fundadores do Instituto Mídia Étnica, do portal Correio Nagô e colunista no portal UOL, Ernesto Marques, presidente da Associação Baiana de Imprensa (ABI) e mediação de Camilla França, CEO do Portal Umbu, para discutir melhorias para os jornalistas, abordagem racial na comunicação e a influência das big techs no fazer jornalístico.
“Jornalismo, por essência, é público. Sim, a notícia foi transformada em produto, em mercadoria e ela é vendida também, ela tem seus custos a considerar para que seja produzida. Alguém tem que pagar essa conta. Se não está no âmbito da comunicação pública, de órgãos públicos, que estão aí para produzir informação de qualidade, pode estar também na área privada e isso não é demérito nem desqualifica a informação produzida por aí”, analisou Ernesto Marques. “Pelo contrário, acho que aumenta a responsabilidade, a gente precisa ter espaço para atender os nossos postos funcionais. Não há pena de nada nas questões trabalhistas. Agora mais do que nunca a gente tá precisando manter uma disposição para conversar sobre ética mesmo, em todas as suas dimensões”.
Comentando avanços para a classe de trabalhadores da imprensa, o presidente da ABI mencionou que na Austrália os jornalistas conquistaram o direito de serem remunerados por sua produção pelas big techs, grandes empresas de tecnologia utilizam e publicavam conteúdo jornalístico sem pagar. “A gente não consegue, no nosso campo, trabalhadores ou empreendedores individuais no campo da comunicação. A gente não consegue ficar numa posição que dependa desse interesse nosso. Isso, com limite, pode viabilizar pequenos negócios na comunicação e essa é uma tendência da comunicação digital. Estamos num ponto de vulnerabilidade muito grande em todos os sentidos”, disse citando o desafio de concorrer a financiadores na área.
Midiã Noelle relembrou sua fala no lançamento de seu livro “Comunicação Antirracista”, em Salvador: “Não há como a gente pensar a comunicação antirracista desassociando a lógica do enfrentamento à desinformação. Então, mais do que nunca, a gente precisa trabalhar nas suas pautas, em nome do jornalismo, de forma cuidadosa com os dados e trazendo também a pauta do enfrentamento ao racismo para enfrentar a desinformação. O Brasil é um país democrático, porém, talvez não. Porque não pode existir democracia se existe racismo”.
“A gente enquanto produtor de de conhecimento, de comunicação, de pessoas que pensam comunicação pela lógica de direitos, é preciso entender também como esse jornalismo digital precisa ter um cuidado fino para não se confundir também com as plataformas. Porque as plataformas digitais são empresas e que a gente, nessa nova lógica aí de compulsão de aparecer também essa coisa da subjetividade, que a Marilena Chauí fala que a gente só é visto, se o outro nos enxerga e se a gente aparece. Isso vai criando uma simbiose da vida do existir com existir com o equipamento, do existir com a internet, do existir do aparecer na internet, esse processo junto da tecnologia com nossas vidas de uma forma ainda mais afunilada”, explicitou a escritora.
Contando sua trajetória, André Santana repassou sua transição da mídia independente para o UOL, um site tradicional parte da grande mídia. “Eu descobri que, na verdade, o desafio ainda era falar de todas aquelas pautas que a gente foi, durante tanto tempo, apresentando no Correio Nagô e nos veículos nossos da imprensa preta, que a gente agora teria a oportunidade de falar para um outro público. Muitas vezes é retomar questões que a gente pensava dentro da nossa bolha, dentro do nosso quilombo, dentro da nossa comunidade”.
“O racismo ainda não nos dá trégua para a gente poder não falar de certas coisas. Tem um imenso público que não ouviu falar sobre isso porque também é outro mecanismo do racismo: não fazer com que essas pautas sejam relevantes, sejam importantes, sejam pautadas pelos veículos. […] Pensando também que é um alívio que você sente pensando nas novas gerações. Esse é o desafio, manter ainda os temas que são essenciais, que na verdade são temas que garantem a nossa vida como um povo preto.”
“Se a gente deixar de falar, a gente vai estar abrindo mão do direito de estar vivo. Trazer para um outro público que não foi acostumado com esse tema, que não foi apresentado, que não conseguiu despertar para a importância desse tema, mas também dialogar com as novas gerações que vêm aí já dialogando, se empoderando e se interessando”, analisou Santana.