Por Mariana Freire
A arte da palhaçaria é aquela mais conhecida como a que nos faz rir, que nos diverte a partir de “personagens” vestidos com a menor máscara do mundo, o nariz vermelho e que revela o quanto somos ridículas, bobas e capazes de nos enroscar, de forma bem-humorada, com as nossas certezas!
É fascinante ver como esses artistas nos convidam a mirar a vida “despraticando as normas”, com mais leveza e diversão, destruindo o caráter sisudo e sério da vida adulta. Ser uma artista palhaça é fazer contato com a essência da criança, com sentimentos como bondade, leveza, alegria, vulnerabilidade e diversão. Ter uma atitude brincante na vida!
Essa arte, que possui sua própria cartilha de técnicas específicas – de circo, malabares, mímica etc. -, tem como característica central extrair humor de todas as situações. Tive a oportunidade de fazer, por três vezes, oficinas para iniciantes de técnicas de palhaçaria com os artistas João Lima e Felícia de Castro e pude perceber o grau de disponibilidade emocional que essa arte me convidava a ter para o desnudamento das convenções sociais.
Tive um encontro genuíno com as minhas vulnerabilidades. Apesar do contato com essa arte, não sou uma palhaça. Fiz um caminho artístico mais convencional: Bacharel em Interpretação Teatral. Mas eu sinto fascínio por estes artistas que trazem a missão de fazer do riso uma bandeira para nossa humanização e bem-viver! Mas neste primeiro mês do ano de 2024, o riso se fez choro.
O assassinato brutal de Julieta Hernández, artista palhaça, bonequeira, cicloviajante venezuelana, me deixou sem graça! Impactou a vida das muitas mulheres e artistas brasileiras. Depois da descoberta da sua corpa enterrada e violentada no território Amazônico, um terror se estabeleceu sobre o nosso direito, enquanto mulheres, de ir e vir com segurança. Nem mesmo Julieta, que trazia na bagagem a graça e a alegria, foi poupada. Sua arte não a salvou da perversão humana!
Mais um ato bárbaro direcionado às mulheres, fruto de uma sociedade fincada na misoginia, numa estrutura patriarcal, que não aceita o direito inalienável de sermos donas dos nossos destinos.
Quando li sobre a morte de Julieta, pensei: como ela teve coragem, por tantos anos, de rodar o Brasil e América Latina, numa bicicleta, fazendo sua arte? Como ela confiava que estava segura? Não sabia ela dos perigos de uma mulher sozinha? O que a movia?
Fiquei imaginando o tanto de experiências incríveis que ela viveu, conhecendo lugares e pessoas, e como deve ter sido rico e empoderador confiar na sua arte, na sua capacidade artística de levar mais alegria e brincadeira para as pessoas.
Segui refletindo: Qual seria o sentido da vida, senão de vivê-la com inteireza e coragem, sendo quem somos e despactuando com todo tipo de colonização sobre nossas vidas e corpas?
Julieta Hernández foi o reflexo disso! Ela se sabia livre para escolher como viver, apesar de tudo o que ela, com certeza, sabia que a rondava. É triste demais imaginar que uma mulher que faz esse ato expressivo e autêntico possa ter sido impedida de regressar aos braços de sua pátria/mãe. Sinto uma dor imensa.
Os atos-cortejos e as diversas homenagens para a Miss Jujuba, que grupos de artistas, mulheres, ciclistas, palhaças e palhaços que, há dias, realizam em mais de 120 territórios nacionais, provam que o ciclo de mortes contra as mulheres precisa urgentemente parar.
Temos o direito de nos mover por ruas, cidades, países.
Temos o direito de sermos artistas das nossas vidas!
E tomo para mim, enquanto mulher e artista, o que Julieta falou:
“Não quero ser uma mulher corajosa, quero ser LIVRE!”
Julieta, presente!
Jujuba, semente!