Uma análise do passado para entender o presente
No fim de setembro, pouco antes de se aposentar e deixar a magistratura, a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber disse que “a Constituição de 1988 é fruto da redemocratização e da instituição da ordem democrática do país”. De fato, sendo símbolo do fim de 21 anos de ditadura (1964/1985), a Constituição Federal brasileira completa, hoje (5) 35 anos.
Em vigor desde 5 de outubro de 1988, a atual Carta Magna é o sétimo texto constitucional promulgado desde 1824, quando D. Pedro I impôs ao país seu primeiro conjunto de leis, normas e regras gerais.
O debate sobre a nova Constituição começou em julho de 1985, com a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, também conhecida como Comissão Afonso Arinos. Composta por 50 membros, ela foi presidida pelo senador Afonso Arinos de Melo Franco.
O anteprojeto constitucional foi entregue em setembro de 1986 e embora não tenha sido encaminhado ao Congresso, foi publicado e serviu de base para debates sobre a construção da nova Constituição em um trabalho de diversas etapas.
Ainda que o texto aprovado pelos constituintes já tenha sofrido 143 modificações – 131 delas por meio de emendas regulares; seis por emendas aprovadas na revisão constitucional de 1994 e outras seis por força da adesão do Brasil a tratados internacionais sobre direitos humanos -, a atual Constituição já é a segunda mais longeva desde a proclamação da República, em 1889, perdendo apenas para a segunda Carta, que vigorou por 43 anos, de 1891 e 1934.
Por ter ampliado as liberdades civis e os direitos individuais, estabelecendo o dever do Estado de garanti-los a todos os cidadãos e definir o Brasil como um Estado Democrático de Direito fundado na soberania nacional, cidadania, dignidade humana, pluralismo político e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o texto passou a ser chamado de A Constituição Cidadã.
Em seu discurso na sessão de promulgação da nova Constituição, o deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, advertiu que a recém-promulgada Carta não era “perfeita”.
“Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”, declarou. “Traidor da Constituição é traidor da pátria. (…) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina.”
Entre os direitos adquiridos com a Constituição, estão: a criação do Sistema Único de Saúde (SUS); a educação como dever do estado; a elaboração do Código de Defesa do Consumidor (CDC); o acesso à cultura e proteção às manifestações culturais diversas; o reconhecimento e importância da biodiversidade; a possibilidade dos cidadãos apresentarem PEC com a assinatura de 1% do eleitorado; a política de valorização do salário mínimo.
Para a completa vigência do Estado Democrático de Direito, segundo o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Cristiano Paixão, é necessário romper barreiras como as das altas taxas de homicídio, das desigualdades sociais, das discriminações e da violência policial. Ainda segundo o professor, só assim será possível construir uma sociedade melhor.
Paixão destacou ainda questões como o combate às fake news e ao discurso de ódio. Segundo ele, “é totalmente possível extrair do texto constitucional a vedação dessas posturas”.
“O artigo 5º da Constituição, além de prever a liberdade de expressão, também estipula a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, detalhou.
Já para o advogado constitucionalista Max Kolbe, a Constituição Federal estabelece de forma clara e objetiva as atribuições de cada Poder. Assim, ele menciona que, ‘ainda que os Poderes da República sejam independentes e harmônicos entre si, há um sistema de freios e contrapesos absolutamente legítimo e eficaz previsto’.
“O fato de uma parcela da sociedade tecer intensas críticas ao ativismo judicial – muita das vezes sob a premissa de ofensa a própria norma constitucional – não seria suficiente para afirmar que há falha na harmonia entre os Poderes […] Até porque, friso, se um Poder interferir na atribuição do outro, a própria Constituição Federal exemplifica o mecanismo eficaz para combater essa interferência. Ou seja, a eventual omissão do Poder Legislativo em não elaborar lei para se contrapor ao ativismo judicial não pode caracterizar ofensa à harmonia entre os Poderes”, completou Kolbe.
Mesmo assim, o especialista destacou a independência entre os Poderes como um dos tópicos que devem nortear a discussão sobre o futuro da Constituição.
“A meu sentir, o maior desafio a ser perseguido por nossa atual Constituição é a harmonia e, acima de tudo, a independência entre os Poderes, ou seja, sem que um não interfira na atribuição do outro; o respeito aos direitos e as garantias fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição Federal; a efetivação dos direitos sociais e, acima de tudo, efetivar a vontade do Constituinte Originário quando da efetivação do Preâmbulo Constitucional”, explicou.