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Coletivo Meio Tempo continua a temporada da Caravana com o espetáculo ‘O Contentor – O Contêiner’, no Subúrbio de Salvador

Alunos e professores puderam sentir um pouco do que é fazer arte para e por pessoas negras na Bahia

Foto: Adriane Rocha.

Nesta terça-feira (30), uma atmosfera de reflexão tomou conta do Espaço Boca de Brasa – Subúrbio 360 com a chegada do impactante espetáculo promovido pelo Coletivo Meio Tempo, ‘O Contentor- O Contêiner’. A montagem, que é voltada para o público adolescente, foi uma jornada de introspecção e análise.

O primeiro espetáculo da última terça-feira (23) foi uma montagem solo do ator e diretor Ridson Reis mostra o encontro do pequeno João Vicente, personagem central da trama, com as diversas perspectivas de surgimento do mundo. Numa viagem pelo seu quarto e pelas anotações do seu avô, João se depara com amigos mágicos que o ajudam a fazer o dever de casa e a pensar nas múltiplas possibilidades de respostas para a indagação.

Para saber mais sobre o último espetáculo clique aqui. 

Nos meses de maio e junho, os jovens serão convidados a explorar questões profundas e inspiradoras nos espaços Boca de Brasa, que ficam distribuídos nos bairros periféricos de Salvador. Além do Subúrbio 360, em Vista Alegre, os espaços de Cajazeiras e o SESI Casa Branca, na Cidade Baixa, também receberão as produções do Coletivo Meio Tempo.

Na peça teatral intitulada ‘O Contentor- O Contêiner’, apresentada nesta terça-feira (30) para os adolescentes, três homens africanos, oriundos de diferentes países, optam por emigrar ilegalmente para a Europa. Durante a travessia, realizada no porão de um navio, compartilham suas experiências de vida e elaboram planos para um futuro incerto. Contudo, ao chegarem ao destino, são descobertos e detidos dentro de um contêiner (ou “contentor”, na terminologia de Angola). A obra escrita pelo dramaturgo angolano José Mena Abrantes e dirigida por Ridson Reis, apresenta as atuações de Anderson Danttas, Ricardo Andrade e Danilo Cerqueira. Roquildes Junior contribui como codiretor, enquanto a produção fica a cargo de Inah Irenam.

Foto: Adriane Rocha.

Eram perceptíveis os olhos de curiosidade e atenção para cada detalhe da peça, principalmente por se tratar de algo que, apesar de tão novos, os presentes no público conheciam muito bem: as dores implicadas em ser negro. As estudantes Beatriz Vitória e Crislaine Felix compartilharam suas percepções sobre o espetáculo e sinalizaram aquilo que mais lhes chamou a atenção.

Beatriz, 13, já frequentava o teatro em outros momentos com sua família, mas pôde afirmar a importância da escola estar inserida nesse lugar onde a arte se faz presente. “Eu amei estar aqui com meus colegas, acho que a escola deveria trazer a gente mais vezes. Gostei muito do que a peça quis trazer, principalmente por sermos pessoas negras”, revelou. Contando o que não gostou, ela apontou a despedida de um dos personagens ao fim da trama.  “Acho que eles deveriam permanecer juntos. Nós pessoas pretas precisamos estar juntas, principalmente dentro do lugar em que eles estavam, que pelo visto não dava para fazer muita coisa. Então se eles permanecessem juntos, talvez conseguissem sair do lugar [contêiner] vivos e bem”, afirmou a estudante.

Foto: Adriane Rocha.

Já Crislaine teve uma outra percepção sobre o espetáculo, tendo como base uma experiência triste. “Eu achei a peça maravilhosa porque, como eu falei, representou muitos povos negros e africanos, até porque muitas pessoas passaram por isso. Tem uma vizinha, que o pai dela morreu por causa disso [violência policial]. Também tem muitos vídeos viralizando na internet sobre policias brancos matando os negros, sem coisa nenhuma. Eu acho que isso acontece muito no Brasil, principalmente aqui em Salvador, que é muito violento, muitas mortes, tem mais negros do que pardos e brancos. Morrem muito mais dos nossos, só por conta da cor de pele”.

“Eu me sinto mal, vendo essas coisas acontecendo com as pessoas da minha cor porque acho que nenhuma familia merece passar por uma perda desse jeito, mas poder assistir um espetáculo que fale sobre isso me aproximou muito da minha realidade e é a primeira vez que assisto a uma peça e ela já me impactou bastante”, declarou.

A importância de levar o coletivo para os lugares periféricos é justamente trazer à tona reflexões e abordagens sobre assuntos relevantes e trazer uma análise social em forma de arte. O professor Carlos Neri ressaltou a importância de trazer esses adolescentes para compreender o que realmente os professores querem falar dentro das salas de aula: “É fundamental a gente ocupar todos os espaços que nos são permitidos e conquistar aqueles que não são permitidos. O trabalho em sala de aula é extremamente importante, mas fora da sala de aula também, para que eles possam perceber que existem outras possibilidades”.

“O tema da peça é muito interessante, a saída das pessoas que estavam na África e que procuram retomar aquilo que foi retirado deles. Só que, por conta do processo racial, muitos deles são largados para a própria sorte, à morte. Então é bom que eles tenham consciência sobre as pessoas negras e que percebam que aqui dentro da nossa cidade, mesmo sendo uma cidade negra, há muitos espaços que são segregados que a gente não permite que a gente chegue para esses lugares. Então aqui a gente sempre tem essa possibilidade de uma coisa mais, de um governo pouco a mais.”

Os atores Rafa Martins, Danilo Cerqueira e Anderson Danttas compartilharam as suas expectativas com o Portal Umbu, deixando visível a satisfação por poder fazer parte da memória de cada adolescente que pôde acompanhar o espetáculo. Para Danttas, o processo de montagem foi muito rápido, por se tratar de uma peça muito contemporânea: “Dentro da perspectiva de que é importante o Sankofa estar voltando, olhando sempre para trás para poder seguir. É uma coisa que o coletivo Meio Tempo tem nas suas produções. Além disso, lidar com a contemporaneidade das vivências pessoais dos atores da cena, que são três homens pretos, que vivem situações de periferia, ou ainda a periferia do interior, que lidam com esse estigma do racismo, para além do estereótipo”.

“É o que a gente vê quando um caso é publicizado, que consegue ter o mínimo de respaldo jurídico. Mas para além disso, está a questão do êxodo das pessoas que saem do interior ou da periferia para ir para o centro, para conseguir ter um mínimo de visibilidade na sua profissão, na sua carreira, no que acredita fazer. É desafiador, acredito que não só para mim, mas para os meninos, fazer esse espetáculo para adolescentes.”

“Eu confio em todos os trabalhos que eu faço, eu faço questão de ter uma parcela, de pensar no grande processo das crianças porque é a única perspectiva que eu enxergo de futuro, de melhoria. Os adultos precisam se espelhar nas crianças e é muito forte fazer esse espetáculo. Eu queria muito ouvir, assim como você teve o privilégio de ouvir as crianças, eu queria poder ter uma troca mínima que fosse. Mas também entendo que o silêncio desse espetáculo é muito preenchido. O silêncio é de muita coisa”, afirma o multiartista. 

O último espetáculo no espaço Subúrbio 360 acontecerá na próxima terça-feira (7) com a peça teatral ‘Esqueça’. Cajazeiras será o próximo local a prestigiar os espetáculos do Coletivo Meio Tempo, confira a programação: 

No Boca de Brasa de Cajazeiras as datas das oficinas de vídeo e de teatro seguem nos dias 06 a 21 de maio, das 13h30 às 16h30. As apresentações ‘O Contentor – O Contêiner’; ‘Boquinha… e assim surgiu o mundo’ e ‘Esqueça’ estão agendadas para às quintas-feiras dos dias 9, 16 e 23 de maio, na mesma sequência, às 9h e 14h.

Já o Sesi Casa Branca do Caminho de Areia recebe as oficinas de vídeo e teatro nas quartas e quintas dos dias 5 a 20 de junho, das 18h às 21h. As apresentações ‘O Contentor – O Contêiner’; ‘Boquinha… e assim surgiu o mundo’ e ‘Esqueça’ têm previsão de exibição nas manhãs e tardes das quintas-feiras dos dias 6, 13 e 20 de junho.

As inscrições para participar das oficinas abertas através do Instagram do coletivo: https://www.instagram.com/coletivomeiotempo/

SOBRE O COLETIVO MEIO TEMPO:

O Coletivo Meio Tempo surgiu em 2016 a partir do reencontro artístico de Ridson Reis e Roquildes Junior, multiartistas soteropolitanos, oriundos do subúrbio ferroviário. Eles haviam trabalhado juntos em 2006 na montagem do ‘Sonho de uma noite de verão’, do Bando de Teatro Olodum, e 10 anos depois eles se reencontram para a montagem do espetáculo ‘O Contentor – O Contêiner’, baseado na obra do angolano José Mena Abrantes. A peça rendeu a Ridson Reis a indicação do Prêmio Braskem de Teatro na categoria Revelação. Desde então, o coletivo montou três espetáculos, realizou projetos, eventos, participou de mostras e festivais.

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