Iniciativa completa um ano de realização nesta semana
Localizado no município de Jequié, o Colégio Estadual Doutor Milton Santos, instituição de ensino quilombola, fundou, há um ano, o espaço “Leitura Preta no Quilombo”, um clube do livro com acervo exclusivamente formado por escritores negros brasileiros e estrangeiros.
Com intuito de combater o racismo, aprofundar a discussão sobre o tema e fortalecer a identidade negra e quilombola, o projeto é uma iniciativa da escritora e professora de Língua Portuguesa, Jéssika Oliveira, que leciona no colégio estadual e é também residente do curso de Letras da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).
“O projeto surgiu com o anseio de aprofundar as discussões antirracistas dentro da escola e promover a ressignificação da identidade dos alunos que, em sua maioria, são adolescentes e jovens negros. Então o Clube da Leitura Preta surgiu com esse diferencial de ler, discutir e refletir sobre a escrita de autoria negra brasileira, é o que fazemos no clube”, explica a professora.
Segundo Jéssika, a iniciativa tem o apoio da direção do colégio, que abraçou a ideia e vem viabilizando sua realização, três vezes por semana, no ambiente escolar, nos turnos vespertino e noturno, para os alunos do Fundamental 2 e Ensino Médio.
“Percebemos que a iniciativa já se reflete de forma positiva, como uma porta que se abriu para o aluno tomar consciência sobre sua ancestralidade e a importância do resgate da sua identidade e, assim, estar incluído dentro da sociedade”, afirma o vice-diretor da instituição, Jefferson Rosa.
“Os participantes do projeto são educandos da escola quilombola Milton Santos. Divulguei, juntamente com a direção e coordenação da escola, a proposta do projeto nas salas de aula e abrimos para inscrição. Iniciamos com poucos alunos. No começo a maioria teve resistência, principalmente porque eles ainda entendiam a leitura como algo avaliativo e no clube não se seguia o viés escolar de pontuação avaliativa. Mas depois começaram a frequentar e estão até hoje participando”, completa Jéssika.
Ainda de acordo com a educadora, o projeto se relaciona com a celebração da Mulher Negra e Latino-Americana, uma vez que ele foi fundado, é coordenado por uma mulher preta e tem, em sua maioria dos participantes, as meninas.
Nesta semana o clube do livro Leitura Preta no Quilombo completa um ano e, em comemoração a data, estão programadas rodas de conversas e um bate-papo – que será no formato remoto – com a coordenadora executiva do Juventudes do Agora e conselheira nacional da Juventude pelo Ministério da Educação (MEC), Wesla Monteiro.
Em novembro do ano passado, mês dedicado à Consciência Negra, foi realizado o 1º Concurso Literário do Quilombo, em que, além dos 25 alunos que frequentam três vezes por semana o clube de leitura, toda a comunidade escolar participou, totalizando 1.500 trabalhos inscritos. Com isso, Jéssika aproveitou para contar sobre os próximos passos do projeto.
“Estamos construindo uma plataforma digital para captar escritores e escritoras negras da cidade de Jequié, para que nela fique registrado informações que possibilitem a outras pessoas terem acesso aos escritores locais que, muitas vezes, acabam sendo invisibilizados. Temos também alguns convites para festas literárias e estamos ansiosos em expandir cada vez mais leituras pretas e transformação social na escola”, revelou
Relatos dos estudantes
Para Sofia Neves Silva, 14 anos, da 9ª série e vice-presidente do Clube de Leitura, de todos os livros, o que mais a marcou foi o “Becos da Memória”, de Conceição Evaristo. A obra relata a realidade dos negros do Brasil, moradores da favela, suas dores, lutas e sonhos, pelos olhos de quem realmente a vivenciou. “Eu me identifiquei muito com o livro e me emocionei demais com os problemas relatados em suas páginas, porque não estão distantes de nós”, declara.
Já para a presidente do clube, a aluna Ana Luísa Santana, também da 9ª série, “O Que é Racismo Estrutural”, de Sílvio Almeida, que traz uma discussão sobre raça, racismo e a estrutura das relações sociais, ao longo de cinco capítulos, foi, dentre as diversas obras vista no clube, a que mais a impactou. Para ela, são discutidas no livro pautas variadas, muitas das quais que nem eram do seu conhecimento, nem de seus colegas. “Acredito que, a partir da leitura desses livros espetaculares, poderemos evoluir bastante”, revela.
“O clube mudou a minha vida”. O relato forte e emocionado do estudante Maicon Salomão Almeida, da 9ª série, traduz o sentimento de todos os integrantes do clube. A partir da leitura de “Quando me Descobri Negra”, de Bianca Santana, o jovem, que é um dos fundadores do clube e seu grande entusiasta, declara que deu para entender melhor sobre sua identidade e ressignificar as suas experiências enquanto pessoa preta. A obra apresenta uma série de relatos de mulheres e homens negros, ao romper imposições sobre a negritude e desconstruções de muros que impedem um olhar positivo sobre si mesmo.