
“Deu no NYTimes” — e deu o que falar — a lista dos cem melhores filmes do século XXI, segundo mais de 500 atores, diretores e profissionais influentes da indústria cinematográfica. No fim de junho, o jornal norte-americano The New York Times elegeu os 100 melhores longa-metragens do século XXI. Tal qual o Oscar, não é de se admirar que 90% dos filmes escolhidos tenham sido produzidos nos Estados Unidos. É uma questão de repertório. Os títulos ali listados são de grandes filmes, é verdade. Mas impressiona a falta de diversidade na direção (quase todos homens e, em sua grande maioria, brancos) e na nacionalidade.
Diante de um cenário tão pouco diverso, não deixa de ser uma vitória ver um filme brasileiro, co-dirigido por um homem e uma mulher, aparecer na 15ª colocação. Cidade de Deus é mesmo um fenômeno do cinema nacional que vai galgando seu reconhecimento com o passar do tempo.
Quando foi lançado, em 2002, chamou a atenção, mas também enfrentou diversas polêmicas — desde a estética chamada de “publicitária” até questões de representatividade e exploração da violência. Como fenômeno social, o filme gerou diversas vertentes, inclusive abriu oportunidades para atores e projetos dentro da comunidade, dando origem a filmes e iniciativas variadas. O longa brasileiro foi estrelado por Alexandre Rodrigues, que interpreta Buscapé, e Leandro Firmino, que interpreta Zé Pequeno. Além deles, o filme conta com Matheus Nachtergaele, Seu Jorge, Alice Braga, Jonathan Haagensen e Douglas Silva, entre outros.
Como representante brasileiro na corrida pelo Oscar em 2004, ele esbarrou em um júri conservador que não o indicou entre os cinco finalistas da categoria de Filme Estrangeiro. Mas, no ano seguinte, com sua estreia nos Estados Unidos, foi indicado a Melhor Direção, Melhor Montagem, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Fotografia. Acreditem: isso é mais significativo do que uma indicação a Filme Estrangeiro. Afinal, ainda que não tenha sido indicado a Melhor Filme, teve o reconhecimento nas principais categorias que compõem a linguagem cinematográfica.
Uma das questões que mais encanta o mundo — em especial os que fazem parte da indústria do cinema — em Cidade de Deus é sua composição estética e seus pontos de encontro com filmes de gângster. É uma linguagem que eles compreendem. E Fernando Meirelles e Kátia Lund, os diretores do filme, conseguem construir muito bem a proposta da trama: o ritmo, as escolhas de planos, a maneira como trabalham a disputa por espaço e a sucessão de poder. Tudo contribui para uma fruição que impressiona.
A narrativa não linear e a maneira como o roteiro vai nos envolvendo na trama, apresentando as personagens e a situação local, são pontos que chamam a atenção no trabalho de Bráulio Mantovani e Paulo Lins. O roteiro, assinado por Bráulio Mantovani, é uma adaptação do romance de 1997 de Paulo Lins. Ainda que saibamos que muito do processo dos diálogos foi construído em conjunto com os jovens — à época, não atores — em cena, há um caminho elaborado pelos roteiristas que reforça o seu mérito.
Resumir a direção de fotografia de César Charlone a uma esté0tica “publicitária” é reducionista. A imagem não é crua, é verdade — utiliza filtros e busca enquadramentos e planos que não soam naturais. Mas isso faz parte de uma proposta de gênero que Hollywood sempre usou. Só não era comum no cinema brasileiro, especialmente em filmes com temáticas sociais. Isso soou estranho na época, mas contribuiu para o destaque da obra.

Assim como a montagem de Daniel Rezende, que trouxe ritmo às cenas, apostando no impacto das situações. Não por acaso, ele foi chamado para obras internacionais como A Árvore da Vida, de Terrence Malick.
Não há como negar: Cidade de Deus é um marco e merece figurar em qualquer lista dos melhores do século — talvez até de todos os tempos. Até porque lista de melhores é algo bastante relativo. Depende de repertório, preferência e momento. Mas alguns quesitos de qualidade estão sempre em voga. Celebremos, então, sua inserção na lista do NYTimes, ainda que possamos questioná-la por inteiro e sintamos falta de diversos outros títulos brasileiros — e também de outras nacionalidades.
OPINIÃO
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