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“A tomada de decisão coletiva é um importante instrumento para uma democracia ampla e verdadeiramente popular”, diz Giovani Damico

Primeiro candidato à prefeitura de Salvador entrevistado pelo Portal Umbu, Damico é professor, filiado ao PCB e forma chapa com Cheyenne Ayalla

Foto: Divulgação/PCB

A votação do primeiro turno das eleições municipais que servirão para eleger prefeitos e vereadores em todo o território nacional, acontecerá no domingo, dia 6 de outubro.

Para que o público leitor possa votar de forma consciente, o Portal Umbu lança, nesta segunda-feira (2), a Central Umbu nas Eleições, uma série de entrevistas com os principais candidatos à prefeitura de Salvador. Nessas entrevistas, os leitores terão a oportunidade de conhecer mais as ideias e propostas defendidas pelos candidatos em diferentes áreas como economia, segurança, educação, saúde, questões raciais entre outras.

Desde 05 de agosto, o Portal Umbu vem solicitando entrevistas com os candidatos Bruno Reis (UNIÃO), Eslane Paixão (UP), Geraldo Júnior (MDB), Giovani Damico (PCB), Kleber Rosa (PSOL) e Victor Marinho (PSTU). Todos receberam as mesmas perguntas e tiveram até o dia 8 de agosto para responder ao nosso contato, contudo até a publicação desta entrevista o Portal Umbu obteve retorno apenas dos candidatos do PCB, MDB e PSTU. O espaço continua aberto para que os demais candidatos possam se manifestar por meio das respostas à nossa entrevista.

O resultado de cada entrevista será divulgado, seguindo à ordem de retorno das assessorias e ficará disponível na série.

O primeiro candidato da nossa série de entrevistas é Giovani Damico, professor de geografia na rede estadual de ensino, Mestre em Ciências Sociais (UFBA); e filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), que chegou a concorrer ao governo da Bahia nas eleições de 2022. Neste pleito, Damico conta com a estudante Cheyenne Ayalla como candidata à vice-prefeita. Confira a entrevista na íntegra:

Portal Umbu – Um dos maiores desafios de Salvador em termos de planejamento urbano é o impacto do período de chuvas em diversas áreas da cidade, com destaque para as zonas periféricas. Qual é o seu planejamento inicial para que alagamentos, deslizamentos de terra e outros problemas deixem de ser uma realidade/evento anual? 

Giovani Damico – O que Salvador precisa é de uma resposta eficaz no que diz respeito à conformação/consolidação de um programa de moradia e de urbanização da cidade que leve em consideração a drenagem de águas devido a própria geografia da cidade. É preciso pensar que Salvador, e isso é um dado comprovado, não possui riscos graves de alagamentos. No entanto, a cidade pode literalmente “desabar”, uma vez que carece de pensar uma política habitacional que leve em consideração as inúmeras áreas periféricas e favelizadas – as ocupações ditas “irregulares” em áreas de encostas – que estão distanciadas de qualquer acesso de serviço de qualidade no que diz respeito um serviço de infraestruturação urbana adequada, sem acesso à técnica e materiais de construção de qualidade, que garantam moradias seguras. Não podemos nem chamar de planejamento as medidas desesperadas de distribuição de lonas, aplicação de geomantas em períodos do ano onde as chuvas se intensificam e que são medidas imediatas bastante utilizadas  porque, inclusive, são medidas que não dialogam com os serviços de urbanização e de saneamento necessários para a qualidade de vida urbana de que os que vivem cotidianamente esses territórios necessitam, além de favorecerem um escoamento superficial de água, que prejudica ainda mais a drenagem e tende a favorecer alagamentos pontuais nas áreas mais baixas do relevo urbano, em especial avenidas de vales.

Mas uma proposta que é eficaz, racional, ecológica e de fácil execução diante da topografia que Salvador evidencia, é a solução das escadas drenantes propostas pelo arquiteto já falecido, João Filgueiras Lima, que foi uma proposta pensada para Salvador: pré-moldados de baixo impacto compostos por calhas e placas que configuravam os degraus para serem aplicados onde existe uma maior dificuldade construtiva de sistemas convencionais de drenagem. Além de apresentar uma adaptabilidade ao perfil topográfico dos locais de implementação, a proposta do arquiteto era de participação comunitária, mas pensamos que o processo de realocação da população desempregada ou subempregada para esse tipo de serviço – elaboração e manutenção das peças – através de uma companhia de urbanização traria uma resposta que está além das soluções imediatas que seguem sendo implementadas na cidade. 

Portal Umbu – O sistema BRT foi aplicado como forma de tornar o trânsito da cidade mais rápido reduzindo a incidência de congestionamentos. Contudo, nas ruas é comum que usuários do transporte público reclamem de cortes no número de ônibus que antes faziam trajetos inteiros, passando por bairros onde os coletivos não possuem frequência. Diante disso, como a sua gestão pretende lidar com as necessidades da população quanto ao transporte público?

O BRT chegou com uma proposta de alinhar duas questões do desenvolvimento urbano: maior mobilidade e cidade sustentável. Ironicamente ou não, ele falhou nos dois aspectos. Antes mesmo de iniciar as obras do BRT a prefeitura de Salvador já vinha cortando linhas e demitindo rodoviários à revelia. Nesse processo, cerca de 20 linhas foram extintas, sendo, em primeiro momento, as linhas das periferias da cidade – que o BRT não chega até hoje – e, posteriormente, nas vias principais como a da própria ACM e bairros do entorno. Outro dado importante, é que esse sistema de transporte, já testado em outras capitais como Curitiba, mostrou sua precoce falha pois o modal além de não suprir a demandas apresentou defeitos que elevaram muito a sua manutenção sendo inviável.

No aspecto de cidade sustentável e a proposta do ônibus elétrico, a prefeitura de Salvador na construção do BRT desmatou mais de 100 árvores, sendo algumas delas históricas. Então, vem o questionamento: se a proposta é sustentabilidade, por que desmatar? Portanto, é perceptível na prática que pensar na sustentabilidade não é algo que está na ordem do dia para a atual gestão, bem como o montante de concreto que foi imposto à sociedade. Além disso, o Modal BRT foi implementado numa lógica de competição com o Metrô, e não de complementaridade. Qualquer estudo sério teria apontado que o projeto BRT deveria ser substituído pela alocação de recursos para expansão de linhas de metrô, associadas a criação de trechos de VLT, para conexão dos pontos de menor fluxo, mas desabastecidos pelo transporte de massas.

Portal Umbu – Nas últimas eleições (2022), a pauta racial e as demandas inclusivas foram protagonistas nos debates, principalmente, no campo digital. Entendendo o quanto esse campo é estruturante na cidade de Salvador, quais são as premissas inclusivas, antirracistas e de combate ao machismo que sua gestão apresenta? 

Este deve ser um dos debates centrais de Salvador, não só por dados concretos do perfil da população soteropolitana, mas também por perpassar em diversas esferas da sociedade: educação, segurança pública, saúde, habitação etc. Tendo em vista não só o processo de compreender a totalidade do debate, mas também as ações concretas de políticas antirracistas que, a princípio, devem estar baseadas em educação de qualidade, saúde e renda para todos. Ademais, os índices de violência são os que mais caracterizam – mortes por bala e o feminicídio – demonstrando um caráter sistêmico a essas violências. Se entendemos que a violência de gênero e racial organizam a sociedade atual, é necessário que as medidas de enfrentamento organizem um outro formato de sociedade, onde a população negra e feminina passe a dispor de condições materiais, de renda, moradia, segurança, saúde, educação e etc, que lhes possibilitem uma verdadeira emancipação da situação de violências organizadas de modo sistêmico.

Portal Umbu – Salvador é amplamente reconhecida por ter seu potencial cultural, gastronômico e turístico explorado como forma de injeção econômica e de geração de emprego e renda. Para além destes setores, como você enxerga o potencial de crescimento e economia da capital baiana em outras áreas como ciência, tecnologia, meio ambiente e moradia acessível de qualidade?

A princípio, é importante reconhecermos que mesmo nas áreas de Turismo e Gastronomia nossa organização do trabalho ainda é deficitária. A Cidade de Salvador tem tido enormes dificuldades de planejar os seus segmentos econômicos e, mesmo estes dois, de modo a gerarmos empregos de carteira assinada e com serviços contínuos, rompendo com a informalidade e sazonalidade. Para tal, é necessário um planejamento de Turismo receptivo para termos uma cidade funcionando o ano inteiro e com um funcionamento do cotidiano urbano que permita tanto a recepção de turistas, quanto uma vivência de qualidade para nossa população. 

A geração de emprego e renda de interesse social devem, portanto, ser o foco da prefeitura, com ênfase em projetos integrados para: 1) ocupar mão de obra ociosa; 2) mobilizar recursos públicos na geração de empregos, seja via contratação direta em empresas municipais ou via organização de cooperativas; 3) associar as demandas sociais reprimidas, como oferta de saúde, moradia e infraestrutura, com a geração de empregos direcionados a sanar essas zonas de interesse; 4) mobilizar crédito público na geração de emprego e renda, favorecendo em primeiro lugar um amplo projeto de cooperativas, mas também todos os pequenos comerciantes e empreendedores com potencial e compromisso de geração de postos de trabalho formal; 5) Por fim associar as demandas econômicas com uma nova dinâmica urbanística que traga a problemática ambiental para o centro do planejamento urbano, redirecionando recursos, minimizando desperdícios, planejando o emprego de forma a aproximar os trabalhadores de sua moradia, além de aproximar as fontes de alimentos e produtos industriais de nossa população, com o estabelecimento de um projeto de reforma urbana integrada, que repense a relação da cidade com a produção.

Portal Umbu – Nos últimos tempos, Salvador passou a contar com um hospital municipal veterinário, um hospital municipal do homem e ambulatório para atender a população LGBTQIA+. Quais são os planos para ampliar a rede de atendimento nestes locais? Há em vista algum projeto para criação de novos centros de atendimento especializado, por exemplo, com foco em saúde mental e doenças psicossomáticas? 

Salvador possui, por um lado, uma demanda represada de serviços especializados, mas ao mesmo tempo, carências básicas crônicas, que são componentes dos problemas de saúde da população, como a falta de saneamento básico, condições de moradia precária, carência nutricional e etc. Além disso, é importante compreender que a saúde aborda diversas áreas da cidade e sociedade, embora tenha-se mais conhecimento da oferta de serviços: hospitais e UPAs, por exemplo. Uma cidade que carece de saneamento básico, como é o caso de Salvador, entende-se que não há um pleno acesso e garantia de saúde à população. 

Os serviços já desenvolvidos pela prefeitura não conseguiram chegar no cerne da questão que é a oferta de emprego e renda a população negra, LGBTQIA+ bem como os setores mais explorados. Nisso, quando falamos de saúde mental também devemos falar desde questões básicas materiais da sobrevivência quanto a ampliação e cobertura maior da rede de CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) pela cidade. Com uma política de contratação e qualificação de servidores públicos via concurso, rompendo com a silenciosa terceirização e privatização que precarizam os atendimentos de saúde.

No que tange a doenças psicossomáticas, hoje, muito tratadas de forma medicamentosa naquilo que criticamos como medicalização da saúde, ou mesmo da educação, é importante desfazer essa lógica, trazendo uma perspectiva de saúde integrada à descentralização do atendimento. De modo a constituir uma abordagem mais eficiente e precisa das necessidades de caso a caso, seja a partir de terapias, como psicoterapia, terapia ocupacional e outras, ou nos casos de suporte medicamentoso e clínico.

Portal Umbu – Em 2023, tramitou na Câmara Municipal um projeto que instituía o “Estatuto Municipal de Direito dos Pais” (Projeto de Lei nº 45/23), que concederia aos responsáveis, entre outras coisas, poder na indicação de livros didáticos e punição para professores que descumprissem o disposto na lei. À época, o projeto foi comparado ao Escola sem Partido e criou discussões a respeito de um viés ideológico. Diante disso, como a sua gestão pretende lidar com dilemas políticos na rede municipal de ensino?

A participação dos pais e comunidade são um elemento fundamental na reorganização da educação e melhoria da qualidade do ensino, atendendo demandas específicas e dificuldades concretas caso a caso. No entanto, é papel da escola ser espaço de acolhimento das diversidades, sejam elas religiosas, de gênero, étnico-raciais e outras tantas como as especificidades da educação especial. Para garantir tal princípio, a escola se constitui como um espaço laico, sem vinculação a qualquer matriz religiosa e sem preconceito contra qualquer uma delas, ao mesmo tempo em que tem um dever formativo para a criticidade de nossos conhecimentos de mundo, de modo que é completamente irresponsável querer atribuir a pais ou a qualquer agente externo a escola, a sanção de conteúdos didáticos que, via de regra, vêm associados a algum tipo de dogma ou vinculação política que vise coibir o aprendizado crítico.

Neste espírito, pautamos uma escola transformadora, com profissionais bem capacitados e reconhecidos, com infraestrutura que dê conta das demandas, com oferta de ludicidade, ensino de artes, educação física, música, teatro e etc. Criando uma atmosfera que integra ensino e aprendizado ao cotidiano e as demandas urgentes do povo trabalhador, só assim a escola vira um espaço de aprendizado significativo e de transformação social.

Portal Umbu – A participação popular em decisões políticas é fundamental para assegurar que a prefeitura esteja tomando decisões que beneficiem o povo, a coletividade e os principais dependentes do amparo do poder público. Caso se eleja, como a sua gestão pretende atrair os cidadãos e cidadãs para o debate a respeito de temas que impactam diretamente a vida da comunidade?

A tomada de decisão coletiva é um importante instrumento para uma democracia ampla e verdadeiramente popular. Partindo de uma lógica que a população saberá de seus problemas e barreiras a serem superadas. Hoje é necessário reconhecer que embora a participação popular se expresse em um método consultivo, essa esvazia a tomada de decisão e muitas vezes simula participação. De tal modo não podemos conceber a consulta participativa como um fim em si mesmo, esta deve ser uma primeira movimentação no sentido de deslocar o eixo de gravidade do poder – hoje encapsulado no estado, seus meios burocráticos e nas mãos dos grandes capitalistas, donos de recursos – para fora destes espaços, trazendo o povo como agente central de transformação e tomada de decisão.

Nesse sentido, é necessário que essa lógica se reverta e que consigamos trazer de fato uma participação popular, por meio de fóruns, comitês, cadeiras civis nas câmaras, auto-organização nas comunidades. Além da formação política da população das demandas de saúde, educação, orçamento público, segurança, garantindo a todos estes espaços e experiências um caráter de controle do funcionamento dos serviços, gerenciamento e tomada de decisão coletiva, sendo o poder público agente organizador e implementador. Dessa forma, assuntos que não estão em consonância com os interesses populares serão naturalmente confrontados e a lógica de produção da cidade mudará em favor da população.

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