Sobre bell hooks, Harmonia do Samba e o começo de uma vida fitness em Salvador
Essa é a PRIMEIRA de 12 partes de um projeto íntimo e desafiador, os 12 de Junho. 12 textos sobre o amor, a cidade de Salvador e as contradições da vida adulta.
Primeiramente, à bell hooks, meu muito obrigado! Em 2000 ela lançava o livro: Tudo Sobre o Amor: Novas Perspectivas. Essa obra já é um clássico e tem, no comecinho, uma citação famosa: “A busca pelo amor continua, mesmo diante das improbabilidades”. Forte, potente e lindíssima, essa frase é um marcador de uma geração de adultos: a minha geração! hooks é indiscutível. Mas no meu caso, aprendi sobre a força contínua do amor de outro jeito.
Meu grande mentor amoroso foi Xanddy Harmonia, no ensino municipal do prefeito Imbassahy, no fim dos anos 90. Crescendo na favela, minha primeira paixão aconteceu em 1999, com 8 anos, na Escola Comunitária do Bom Juá, eu estava na segunda série.
Nos jornais só se falava do “Bug do Milênio” e meu coração só pensava em uma pessoa: Isabel, meu amor da sala de aula. Lembro que a gente fazia muitas tarefas de casa juntos, eu adorava. Como fui alfabetizado aos 3 anos, aos 8, tinha uma desenvoltura legal em português. Isso dava motivo pra gente conversar muito e sentar junto sempre. Eu me sentia bem!
Beto, meu primo, tinha uns 20 anos quando eu tinha 8, morava ao meu lado. Ao contrário de mim, não nasceu e cresceu na igreja evangélica. Ele trazia perspectiva da vida adulta fora da igreja, era uma referência.
Antenado, ele tinha um celular Ericsson 668 da Maxitel e um Minisystem Aiwa, o rádio com CD player que era um sucesso na época. Num dia à tarde, o celular dele tocou, era um amigo avisando que ia levar um CD massa. E assim, nesse som da Aiwa, conheci o lendário primeiro CD do Harmonia do Samba. Importante salientar que não existem provas que bell hooks não ouviu esse trabalho fenomenal da Capelinha do São Caetano, esse disco saiu em 1999, um ano antes do livro que citei.
Nesse épico, logo depois da faixa 7- Agachadinho, que tem o verso: “Tem gente que só faz com camisinha, Pessoas que só usam quando quer” vem a música que é uma pedrada, a faixa 8 – Meus Sentimentos. Com energia oposta à faixa anterior, ela é só amor, sem gaiatice, e é até hoje, uma das mais belas canções da música baiana e quem discorda está errado.
O verso “Quando me pego parado, fico até me perguntando: de onde será que vem o sentimento soberano? Que a gente não consegue controlar” me fez acreditar que essa música era sobre mim também. Eu gostava muito de Isabel e assim como Xanddy, eu achava o sentimento soberano e eu também não conseguia controlar.
No meu espectro de afeto daquele contexto, a ideia era ficar sentado perto dela, e poder fazer todas as atividades escolares juntos para sempre, passaríamos de ano até os dias de hoje e casaríamos.
De repente, eu tinha um plano. Pedi a Beto pra me ajudar a transcrever a música. Fui pausando o Aiwa, escrevendo cada um dos versos e explicando pro meu primo como eram lindos os cabelos encaracolados da menina. Escrevi tudo e no fim, fiz um pedido, – Quer namorar comigo? Pinte o triângulo se a resposta for sim, e quadrado se a resposta for não.
E rolou, o meu primeiro triângulo, veio e foi amoroso, sim. Ela aceitou. Mas foi isso, fiquei feliz e não sabia bem como reagir.
Feliz demais, falei pra todos os amigos da escola. Inclusive com o Jair, que é meu irmão há 30 anos e está lendo isso. PS: Essa história é tão doida, que tem gente desse tempo que tá no meu insta até hoje, inclusive a professora Ângela. Que era contemporânea desse contexto. Voltando…
A fofoca que eu causei na turma chateou Isa. Dois dias depois do sim, ela decidiu que não queria mais, disse que eu falava demais. Ela tinha razão. Nunca nos beijamos. É, dona bell hooks, lá estava eu diante da improbabilidade, com menos de 10 anos.
Faz um corte aí diretor, vem pra 2 de junho de 2024…
Tentando resolver a parte final desse texto, resolvi dar uma corrida no domingo.
No meio dos 6km entre o Matatu de Brotas e o Rio vermelho, eu passei pela pela Avenida Vasco da Gama, vi uns coroas jogando dominó na entrada do Ogunjá, famílias andando de bike na, ainda não inaugurada, pista do BRT. E rindo sozinho da relação hooks e Harmonia do Samba,, uma fala super sensível de um vídeo de Bruna Rocha ( @buarrocha) me veio à mente: “O percurso de um sofrimento é algo que dá possibilidade de cada sujeito inventar uma maneira singular de estar no mundo”. A catarse da endorfina da corrida, a coca zero que tomei e a alegria de ter achado um fim pro texto, me deu compreensão até simples, mas deliciosa.
Não importa se é 1999 ou 2024. Se minha perspectiva de amor se baseia em fazer as “tarefas de casa” de outra pessoa, eu possivelmente estou muito errado. Provavelmente estarei anulando a vivência real que alguém precisa ter. Meu amor não é, nem tem que ser heroico. O amor que eu entrego não é libertador de tudo. Ter síndrome de salvador é algo bem problemático. E sim, nasci pro amor cafona e embora sei que um dengo pode ter perspectiva de cura, mas não cabe a mim moldar, convencer ou salvar ou proteger ninguém de TUDO.
É cruel e injusto tentar interferir no destino natural de uma forma completa. Parece bobo, mas sangue esfriou, cansado da corrida, pensei… músculo de aço nem existe, não tem Clark Kent. E esse livro da hooks não é só dengoso não. Ela fala também que era empurrado ao senso comum de “faça terapia, amiga” quando pautava o amor. Querer amar não é loucura, rapaz!
Fala de como uma geração de jovens é cínica e cética à possibilidade de se entregar por inteiro por puro medo. O super heroísmo é, em essência, desumano, desequilibrado. É o egoísmo ensimesmado. Mas a fuga do amor é covardia. Ouça Harmonia do samba, 1999. Leia Tudo Sobre o Amor: Novas Perspectivas. 2000. Nessa ordem.
Quando um amor não rolar do jeito que você queria e tudo ficar meio…
– Não sei se te procuro, ou se tento te esquecer…
Tenta ficar com o que de mais lindo o amor pode produzir… Harmonia! E se der errado, que essa nossa busca continue, mesmo diante das improbabilidades.
Opinião
O texto que você terminou de ler apresenta ideias e opiniões da pessoa autora da coluna, que as expressa a partir de sua visão de mundo e da interpretação de fatos e dados. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Umbu.
e aqui temos o ultimo romântico deixando o incentivo para não desistirmos do amor, da vida fitness e da terapia… Bom demais!
Amei estar na sua memória afetiva! Me sinto muito feliz quando reencontro na minha vida com ex alunos e alunas e fico sabendo que contribui um pouquinho para a trajetória… Obrigada pela escrita. Por favor, continue. Um beijo grande, da sua Pró Angela Regina.