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Blocos Afro na Bahia: Nossos passos vêm de longe

Foto: Acervo Fundação Gregório de Matos

Nos últimos tempos, tem sido muito comum afirmar que a presença negra no carnaval da Bahia (leia-se em Salvador) tem origem recente e que é fruto da luta do movimento negro contemporâneo, a partir da década de 1970. Em que pese a importância que o processo de reafricanização do carnaval baiano ocorrido naquele período teve e tem para a presença negra no carnaval soteropolitano nos dias atuais, temos que fazer justiça aos nossos antepassados pois essa história é uma meia verdade.

Isto porque a presença negra se manifesta no carnaval da Bahia há muito tempo. Melhor dizendo, desde o fim do Entrudo, festa violenta de origem portuguesa, que havia sido proibida no Brasil pelo Império, ocorrida no final do século XIX.

A verdade inteira é que a presença negra no carnaval da Bahia se dá pela primeira vez, precisamente, no ano de 1895, quando se consolida a transição do Entrudo para o Carnaval moderno, este, inspirado nos desfiles dos carros alegóricos da cidade de Nice, na França.

O clube carnavalesco intitulado “Embaixada Africana” é o pioneiro nesse sentido, tendo como fundador Mário Carpinteiro, que era membro um terreiro de Candomblé, localizado no Engenho Velho da Federação. Detalhe importante é que o Candomblé está presente nos festejos de Momo desde os primórdios da festa na Bahia.

Portanto, a Embaixada Africana foi e continua sendo a primeira entidade negra a estrear no carnaval da cidade de Salvador.

Esse registro ganha mais importância ainda, na medida em que o surgimento do clube Embaixada Africana é Inspirado no processo pós-abolicionista que tinha entre seus objetivos a afirmação dos valores africanos, a valorização da sua cultura, bem como a diversão. Ou seja, a alegria e a cidadania sempre estiveram presentes na cabeça da nossa gente, tal qual ocorre nos dias atuais.

Dois anos após criado, o Embaixada Africana já era sucesso. No seu primeiro desfile apresentou um manifesto no qual pedia reparação para os africanos que haviam participado do Levante dos Malês em 1835. Nos anos seguintes, não foi diferente e o Clube transformou-se numa presença importante no carnaval de Salvador, conforme relataram, à época, Manuel Querino e Nina Rodrigues, afirmando que a presença da entidade no carnaval de Salvador contribuiu para a aceitação dos negros libertos junto à sociedade baiana.

A historiadora Jéssica Santos Lopes da Silva, na sua pesquisa ‘Tudo cheirava a África: os clubes Africanos e os “maltrapilhos” no Carnaval de Salvador no fim do século XIX ao início do XX’, diz: “A Embaixada Africana era um dos clubes negros mais ricos e que mais se destacava à época, juntamente com Pândegos da África. Eles souberam negociar com a elite carnavalesca, executando um “carnaval exuberante” sem esquecer de suas raízes africanas, sendo por fim, aceito. Desfilavam em exuberantes carros alegóricos, trajando belos figurinos”.

Mas essa presença, mesmo exuberante conforme relatado pela imprensa da época, não significava aceitação por parte da elite branca baiana. Pelo contrário: havia inúmeras críticas, caricaturas ridicularizando a presença negra no carnaval, em particular sobre os instrumentos que os negros tocavam e até mesmo propostas claras de exclusão. Portanto, mesmo sendo um clube que trazia uma recriação de África tolerada por intelectuais como Nina Rodrigues, a Embaixada Africana não estava distante das tensões sociais e das disputas pelo espaço festivo.

Enfim, vale a pena dar uma olhadinha no nosso passado, para que saibamos que não estamos inventando a roda, mas sim dando continuidade à luta por igualdade travada pelos que vieram antes de nós.  

Toca a zabumba que a terra é nossa!

OPINIÃO

O texto que você terminou de ler apresenta ideias e opiniões da pessoa autora da coluna, que as expressa a partir de sua visão de mundo e da interpretação de fatos e dados. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Umbu.

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Ana Cau
Ana Cau
3 meses atrás

A luta continua !!!

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