
A Câmara dos Deputados restabeleceu, nesta quarta-feira (17), o voto secreto para autorizar a abertura de processos criminais contra deputados e senadores, na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3 de 2021, a chamada da PEC da Blindagem.
Com 314 votos favoráveis e 168 contrários, a proposta estabelece que deputados e senadores somente poderão ser processados criminalmente após aval da Casa do parlamentar — Câmara ou Senado. O texto segue para o Senado.
O relator da PEC, deputado Claudio Cajado (PP-BA), apresentou emenda aglutinativa para retomar o texto original sobre o voto secreto, excluído durante a madrugada.
“Nós não temos dúvida alguma que a votação de ontem não espelhou o amplo posicionamento do plenário da Casa. A votação transcorreu após a meia-noite, muitos dos deputados, inclusive, me procuraram dizendo que estavam dormindo, que dormiram, inclusive, de forma inesperada”, disse o relator.
Após aprovação do texto-base da PEC em 1º e 2º turno, o Plenário aprovou destaque que excluiu o voto secreto para autorização de ações penais e de prisão em flagrante por crime inafiançável contra deputados e senadores. Ao todo, 296 deputados haviam votado a favor do voto secreto, 12 a menos que o necessário para aprovar uma mudança na Constituição, que é de 308 votos.
Líderes do Novo, PSOL, PT e PSB criticaram a decisão de reincluir a possibilidade de voto secreto na PEC alegando que a Constituição não permite votar um mesmo tema na mesma sessão legislativa.
“Não dá para ser votado um destaque, o destaque ser derrotado e ser votado novamente. É isso que está acontecendo. Para nós, é uma afronta à Constituição. O Art. 60, parágrafo 5º, estabelece que a matéria constante de proposta de emenda rejeitada, ou havida por prejudicada, não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”, argumentou o líder do PT, deputado Lindbergh Farias (PT-RJ).
O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), rejeitou o apelo de alguns líderes e defendeu que a apresentação da emenda aglutinativa tem apoio da maioria da Casa, tem precedente em votações anteriores e respeita o processo legislativo.
“Tal fato ressalta a legitimidade política, jurídica e regimental da emenda em análise. Na mesma seara, soma-se o fato de que os textos que dão suporte à aglutinação já foram todos aprovados, pelo referido quórum qualificado de três quintos, em primeiro turno, pelo Plenário desta Casa, o que demonstra existência de concordância política acerca do tema”, respondeu o deputado Motta.
Os líderes contrários prometeram recorrer da decisão à Comissão de Constituição e Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.
Para a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), a proposta favorece a impunidade e os parlamentares corruptos.
“A nossa votação [pelo fim do voto secreto na PEC] daria transparência para a votação se um parlamentar segue preso ou não, por quaisquer crimes cometidos: ladroagem, assassinato, pedofilia, crime organizado. Vários têm chamado de PEC do crime organizado, porque, sim, cria uma blindagem que facilita facções criminosas”, afirmou.
Repercussão
O deputado federal Aécio Neves chamou a aprovação da chamada “PEC da Blindagem” de “retrocesso”. Presidente da Câmara entre 2001 e 2002, ele lembrou que, em seu primeiro ano, pautou e aprovou, após pressão da sociedade, o fim da necessidade de autorização do Congresso para investigação de parlamentares.
“Em 2001, quando presidi a Câmara, avançamos ao combater a impunidade, acabando com a necessidade de aprovação do Congresso para investigações criminais sobre parlamentares. A medida foi aprovada com mais de 400 votos após forte pressão da população. Foi um sinal de recuperação da autoridade e da imagem do Congresso, que passou a ter autoridade inclusive para negociar com o Executivo. Tudo o que é feito ao sabor das circunstâncias acaba não dando muito certo”, escreveu em rede social.
A aprovação da PEC da Blindagem é um grave retrocesso.
— Aécio Neves (@AecioNeves) September 17, 2025
Em 2001, quando presidi a Câmara, avançamos ao combater a impunidade, acabando com a necessidade de aprovação do Congresso para investigações criminais sobre parlamentares.
A medida foi aprovada com mais de 400 votos após… pic.twitter.com/IvK3wtoW8l
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, também criticou a aprovação da proposta. “Esta pauta da Pec da Blindagem não atende ao interesse do povo brasileiro”, afirmou a ministra, que defendeu a votação de propostas “que são do interesse do povo brasileiro”, entre as quais citou a isenção no Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Tebet classificou como “um risco à democracia como a conhecemos” a tentativa de alguns parlamentares de votar novamente, ainda nesta quarta, o mesmo destaque no texto, sob a alegação de que os deputados estavam dormindo quando o tema foi a votação.
“O voto secreto foi derrotado legitimamente pelos parlamentares que foram contra essa peça”, afirmou.
Ela disse esperar que os deputados repensem a estratégia e não “rasguem” o Regimento Interno e a Constituição, recolocando um tema já derrotado em nova votação.
A ministra disse esperar que a Pec da Blindagem seja rejeitada pelo Senado.
“O Brasil precisa de um sistema bicameral exatamente para isso, quando uma Casa falha, tem a outra para revisitar e dizer ‘à luz da Constituição, da lei e da moralidade pública, isso não pode passar, porque isso afronta diretamente o povo brasileiro’”, destacou Tebet.
As falas foram proferidas durante um seminário sobre risco fiscal judicial, organizado pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento em conjunto com a Advocacia-Geral da União (AGU).
Com informações de Agência Brasil