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Afetividade negra, um ato político

O termo “amor preto”, ou ainda “ amor afrocentrado”, tem se tornado uma forma de descrever como se dá o afeto entre pessoas negras, independentemente de recortes de gênero ou orientação sexual. Isso define o ato de amar e suas implicações para além do amor romântico, como uma alternativa de escape à lógica colonial e eurocêntrica e, sobretudo, como uma forma de manutenção da saúde mental.

Historicamente, pessoas negras sempre estiveram cercadas de estereótipos sobre seu comportamento e seus corpos foram hipersexualizados e desumanizados. Pessoas vistas meramente como mão de obra, sendo tolhidas e impedidas de se verem como dignas de serem amadas. Para elas, o afeto não era uma possibilidade tangível a ser vivenciada e sentida.

Para a psicóloga Maria Milena, pós-graduanda em terapia de casal e em Rede de Atenção Psicossocial com enfoque em Centros de Atenção Psicossocial, a estrutura racista dentro da sociedade atual contribui para esse sentimento de não pertencimento, de forma que as pessoas se sintam erradas por amar.

“Uma das formas em que o racismo operou e opera atualmente é o entendimento do amor como algo desimportante para as pessoas negras, como se não tivéssemos o direito de amar e querer ser amado, e isso é desumano em níveis abismais,  já que o amor é um dos pilares mais importantes para a construção do que é ser humano”, afirma.

A violência sobre a comunidade negra se propaga de diferentes formas através dos tempos, apresentando efeitos psicológicos e provocando problemas de autoaceitação, autoestima e na compreensão da afetividade. Essas questões se manifestam de diferentes formas na socialização dessas pessoas, mas gera efeitos ainda mais perceptíveis entre mulheres pretas, que para além da sexualização, encontram obstáculos que forçam alterações de imagem, dismorfias e as deixam com o sentimento latente de abandono

A afetividade feminina negra surge justamente como contraponto à opressão sistêmica. As reivindicações de movimentos políticos e sociais, sobretudo neste Dia de Teresa de Benguela e da Mulher Latino-americana e Caribenha, lutam pelo empoderamento em diversas frentes, como a do afeto, que buscam retomar o fortalecimento deste grupo em detrimento das violências estruturais.

“E foi justamente esse o movimento que a branquitude fez: violentar e desumanizar a ponto que comecemos a nos perguntar se de fato precisamos do afeto e amor para viver. Bell Hooks, em um trecho de “Vivendo de Amor” discorre perfeitamente sobre isso, quando diz que estamos feridos no lugar que é construído o amor. Aprendemos como lutar, como nos defender, mas não aprendemos como amar, como receber amor e afeto. Por isso, sempre que posso, falo da importância de entendermos amar,  enquanto liberdade e resistência, pois assim podemos estabelecer um contato mais cuidadoso, afetivo e amoroso não só conosco, mas com os nossos semelhantes”, conclui.

Entender como essas relações nos atravessam diariamente é entender que a “afetividade negra” é um ato político e social, afinal, adentram espaços e narrativas que anteriormente nos foram negadas por diversas questões da estrutura racista. Hoje, é revolucionário dizer que a afetividade negra cura, mas é preciso estar disposto a se permitir viver um amor saudável que nada mais é que um merecimento, e uma reparação histórica racial.

Maria Milena aponta que é preciso coragem e disposição para se permitir viver a afetividade:

“O amor preto cura. Só o amor é capaz de afetar intimamente nas pessoas, nas suas potencialidades, desejos e no cuidado que estabelece consigo e com o outro. Mas o amor preto só cura se você estiver disponível e aberto para isso, pois não há como apagar todas as feridas causadas pelo racismo, mas há como aprender a lidar de uma forma mais saudável e funcional com isso, entendendo as suas próprias lacunas emocionais, as faltas que teve, para que não acabe exigindo ou ferindo outras pessoas por questões emocionais particulares suas, que só você pode lidar. O amor preto cura à medida que eu entendo que eu possuo sim atravessamentos que me machucam e que podem respingar em outras pessoas, e escolho cuidar disso. O amor preto cura só se estiver disposto a lidar consigo mesmo, e isso inclui as partes que são dolorosas, que são mais difíceis de ver.”

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