
No mês em que se celebra o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, o Portal Umbu convida à reflexão sobre as trajetórias de mulheres negras que, por meio de seus trabalhos e propósitos, têm transformado territórios, mentalidades e estruturas. É nesse contexto que a consultora Danielle Pires compartilha sua caminhada: uma jornada de transições, mas com um eixo constante que é o cuidado com as pessoas.
Mãe de André e Lara, Danielle é formada em Turismo e Comunicação e Marketing, com MBA em Gestão de Pessoas e Liderança, além de formações em sustentabilidade e ESG (sigla, em inglês, para Environmental, Social and Governance, que são as práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização). Mas, como ela mesma aponta, sua verdadeira formação se dá “na vida, nas práticas e nos encontros com a comunidade”.
Moradora de Itapuã, bairro que descreve como “efervescente e potente”, Danielle iniciou sua atuação social há 20 anos, ao oferecer formação voluntária para jovens no bloco afro Malê Debalê. Desde então, mesmo atuando profissionalmente em áreas como hotelaria, eventos e grandes corporações, sempre encontrou formas de contribuir com o território. “Às vezes a gente nem se dá conta, mas minha trajetória no impacto social começou ali. Eu me voluntariei, e dali fui sendo chamada para outros projetos. Sempre estive disponível para colaborar com minha comunidade”.
Durante anos, Danielle ocupou cargos de gestão na hotelaria e em grandes produtoras de eventos, espaços nos quais, como mulher negra, traziam solidão muitas vezes por ser a única em posição de liderança. “Isso me causava incômodo. E chegou um momento em que eu percebi que não bastava me incomodar, eu precisava agir”. Foi quando decidiu fazer uma transição de carreira para atuar diretamente com impacto social, levando para o mundo corporativo a pauta da diversidade, da equidade e da transformação.
Hoje, ela atua como consultora de ESG e desenvolvimento de pessoas com foco em liderança inclusiva. “É nas lideranças que está a chave para mudar o acesso. São elas que determinam quem entra, quem permanece, e de que forma isso se dá”. Segundo Danielle, é preciso tirar a responsabilidade da inclusão das costas dos grupos minorizados e compartilhá-la com toda a sociedade. “Não é só a pessoa negra que deve combater o racismo, nem só a pessoa com deficiência que deve enfrentar o capacitismo. A transformação tem que ser coletiva”.
Entre os maiores desafios da sua trajetória, ela destaca o medo da escassez ao deixar um emprego estável para empreender. “Não temos heranças, apadrinhamentos ou rede de proteção. Quando a gente se lança no empreendedorismo, está arriscando tudo. Mas eu sabia que precisava fazer isso, que era vocação. Trabalhar com pessoas sempre foi minha essência”.

E o olhar atravessado por experiências pessoais não ficou fora do mercado. Danielle relata episódios em que sentia o espanto dos outros ao se depararem com sua imagem. “Falava por telefone ou por e-mail com alguém, e ao chegar pessoalmente via a surpresa: ‘É você?’. Ninguém dizia diretamente, mas a mensagem era clara: uma mulher negra não era o que esperavam. E isso não é só comigo. Toda pessoa negra já passou por isso”.
Mesmo diante dos obstáculos, Danielle construiu caminhos. “Nunca esperei que as portas se abrissem para mim. Sempre fui abrindo uma por uma, com formação, com competência e também com uma dose de ousadia. Sempre usei muito minhas habilidades de comunicação para me aproximar, propor e transformar”.
Essa busca por conexão a levou a projetos de grande impacto. Um deles é a consultoria de sustentabilidade para o Camarote Salvador, espaço historicamente elitizado e distante da maioria da população baiana. Desde que foi chamada para colaborar com o evento, há três anos, Danielle tem promovido parcerias com cooperativas de catadores, iniciativas de costura solidária e valorização da arte e cultura local. “É um esforço para trazer Salvador para dentro de um camarote que leva o nome da cidade, mas que nem sempre a representa. Trouxemos artesãs da Costa do Sauípe para a cenografia, valorizando o que temos de melhor”.
Outro projeto de destaque é o programa “BB Raça é Prioridade”, desenvolvido em parceria com o Banco do Brasil. A iniciativa oferece aceleração para 150 profissionais negros e reflete, segundo ela, uma virada simbólica. “É muito significativo ver o Banco do Brasil, que já ocupou outro papel nas relações raciais do país, hoje sendo embaixador da diversidade”.
Mais recentemente, Danielle fundou, junto com Najara Black, a Ciranda Preta, um espaço de encontros mensais que reúne mulheres negras em jantares para fomentar conexões, parcerias e fortalecimento mútuo. “A Ciranda nasceu desse desejo de compartilhar repertório, ferramentas, acessos. Nós já temos mulheres muito potentes ocupando espaços estratégicos. A Ciranda é para que essas mulheres se encontrem, se potencializem, façam negócios e redes genuínas”.

Ela explica que a curadoria dos encontros busca priorizar espaços liderados por pessoas negras, mas também tensiona a presença em ambientes tradicionalmente inacessíveis. “A gente quer ocupar e se fazer presente. Queremos estar nos espaços de prestígio também, e não só onde já nos esperam”.
Para Danielle, o que a Ciranda promove é mais do que networking. “É sobre sair do constrangimento de abordar alguém para falar de negócio. É sobre afeto, acolhimento e conexão genuína. E isso é revolucionário”.
“Nós, mulheres negras, temos uma força coletiva poderosa. E precisamos seguir fazendo dela um motor de transformação”, concluiu, reforçando que o futuro é algo a ser construído em conjunto.