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Portal UMBU

A luta que não se desfaz: um ano após a devolução do manto Tupinambá, Cacique Valdelice fala sobre território, resistência e futuro

Um ano após o retorno do manto sagrado, os Tupinambá seguem no enfrentamento pela demarcação de suas terras e pela reparação histórica

Foto: Divulgação.

Em 2025, completa-se um ano desde que o sagrado manto Tupinambá voltou ao Brasil, encerrando mais de três séculos de exílio forçado. Levado para a Dinamarca durante a colonização, o manto não é formado somente de penas de guará costuradas. É memória viva, é pertencimento, é resistência de um povo que, apesar de séculos de violência, segue de pé.

Mas como bem lembra Maria Valdelice Amaral, a Cacique Jamopoty Tupinambá, a luta do povo Tupinambá vai muito além da devolução de um artefato. É a luta pela terra, contra o racismo, pela preservação dos saberes ancestrais e pela sobrevivência física e espiritual do povo. Em entrevista ao Portal Umbu, Valdelice falou sobre os desafios, as conquistas e os sonhos da sua comunidade, especialmente da Serra do Padeiro.

Antes mesmo de saber onde o manto estava, a mãe de Valdelice, dona Nivalda Amaral, já sonhava com ele: “Minha mãe ouviu da bisavó as histórias sobre os artefatos sagrados da aldeia, levados após a expulsão dos jesuítas da Aldeia Nossa Senhora da Escada”, relembra a cacique. Entre essas histórias, estava a do manto feito de penas de guará, guardado em um baú de couro dentro da igreja.

Essa memória ancestral atravessou gerações, atravessou a violência colonial, atravessou o tempo. E se manteve viva, não nos livros, mas nos sonhos e na fé do povo Tupinambá. “O manto carrega uma história de tentativa de apagamento, mas também de resistência. Quando fui escolhida para vê-lo pela primeira vez, já o conhecia através da memória da minha família. Foi como reencontrar um parente muito querido”, emociona-se Jamopoty.

Um ano após o retorno, o impacto é profundo: o manto reacendeu a fé, reforçou a identidade e renovou a luta. “Ele diz ao mundo que existimos, que sempre existimos e que vamos continuar existindo”, afirma a cacica Valdelice. No campo espiritual, foi como reacender um fogo sagrado. No coletivo, como um grito de força diante de séculos de violência.

“O manto é um ancestral de 386 anos que atravessou mares e resistiu ao tempo para nos lembrar: nós somos, e continuaremos sendo”, diz.

Foto: Divulgação.

“Levamos a voz da nossa terra. Não é favor, é direito. O Brasil tem uma dívida histórica com os povos originários.”

Apesar da alegria pela volta do manto, a luta real no chão da aldeia segue: a Terra Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro ainda aguarda a portaria declaratória — documento fundamental para a demarcação definitiva do território. Enquanto isso, a espera sufoca e adoece a comunidade.

“Nossa terra tem 47.376 hectares. Serra do Padeiro é apenas uma das 23 comunidades que formam o território Tupinambá de Olivença. O levantamento fundiário já foi feito, só falta o governo ter coragem de assinar. A caneta está na mão do presidente”, denuncia Valdelice.

Recentemente, a cacica esteve em Brasília junto a outras lideranças para cobrar pessoalmente às autoridades. Foram recebidos pelo Ministro da Justiça e participaram de audiência pública no Ministério Público Federal: “Levamos a voz da nossa terra. Não é favor, é direito. O Brasil tem uma dívida histórica com os povos originários. Nós nunca saímos daqui. Estamos aqui desde antes de 1500 e vamos continuar!”, reforça a liderança indígena.

A resistência tem rosto de mulher

A força da luta Tupinambá é feminina. “Eu venho de uma linhagem de mulheres que sonham, lutam e plantam resistência”, orgulha-se a cacica. Mulheres que passaram saberes, coragem e espiritualidade de geração em geração. E hoje, são elas que estão na linha de frente da luta pela terra, pela educação, pela dignidade.

Esses elementos dão o protagonismo de todo um povo no documentário “Caminhada Tupinambá de Olivença: Memória e Resistência”, que tem direção geral da cacique Valdelice e estreou na última sexta-feira (25), em Salvador. A narrativa resgata a memória do massacre de 1559 — considerado um dos maiores das Américas — e aponta para a atual luta por reconhecimento territorial, ao mesmo tempo que destaca a chegada do Manto Tupinambá, símbolo espiritual e político de reconexão com os ancestrais.

No centro dessa trajetória está a figura de Jamopoty, primeira mulher cacique do nordeste brasileiro, liderança de 13 aldeias e articuladora central do movimento. Sobre o filme, ela declarou: “Não queremos só lembrar o passado. Queremos garantir que ele seja contado com verdade e respeito. Caminhar é afirmar que existimos”.

Foto: Divulgação.

E para garantir um futuro melhor, a aposta é na formação das novas gerações: na educação, na cultura, na espiritualidade, no orgulho de ser Tupinambá.

“Nosso futuro já está aqui. Temos que preparar nossos jovens para conhecer seus direitos, seus deveres e o que é ser Tupinambá de verdade”, afirma a cacica.

Apesar dos ataques e retrocessos vindos de setores da sociedade e do próprio Estado, Valdelice acredita na força coletiva, na espiritualidade ancestral e na memória viva que move seu povo. O manto voltou para casa. Agora é hora de fazer a terra também voltar para quem dela nunca saiu.

A luta coletiva dos povos Tupinambá é divulgada pela cacique Valdelice nas redes sociais. Acompanhe e ajude a ecoar e fortalecer a resistência.

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