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Portal UMBU

“A educação é um movimento revolucionário para quem sai da nossa realidade”, declara a doutora em antropologia e professora Suely Messeder

Pesquisadora e doutora, Messeder analisa como os marcadores sociais influenciam na vivência dos indivíduos no campo científico

Foto: Arquivo pessoal

Professora, mestra e pesquisadora. Suely Messeder tem muitos títulos, mas é mais que isso. Interessada em budismo, mas ligada às cosmologias dos Orixás do candomblé, a antropóloga coordena uma agência da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) que a coloca no debate acerca de ciência, tecnologia e inovação, pensando a respeito dos marcadores sociais de gênero que “atravessam, de forma bastante perversa” o tema.

Graduada e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutora em Antropologia pela Universidade Santiago de Compostela, na Espanha, e professora da UNEB, Suely Messeder passou por muitos desafios como mulher na produção de conhecimento científico.

Em entrevista ao Portal Umbu, a acadêmica conta que “ser mulher, realmente, é um desafio no campo da ciência. Você não tem  vantagens em ser mulher, ainda mais se for pensar em outros marcadores sociais”. A professora diz, pela ótica de outros marcadores sociais, como da perspectiva de uma mulher lésbica e de origem nordestina, por exemplo, a pessoa é colocada em “outro movimento”.

“É como se o Nordeste não soubesse fazer ciência e a gente luta por esse nosso estoque de conhecimento e luta pela questão da relação contra-colonial”. A relação, conforme Messeder, não se limita ao eurocentrismo, englobando as configurações estabelecidas entre as regiões do país. “A gente precisa, realmente, estar se desafiando a cada dia como se tivesse que ser ou estudar muito mais sobre tudo”, analisa propondo a manutenção da geopolítica do conhecimento como possibilidade para superar o desafio.

No campo da Antropologia, Suely revela que, com a pandemia, desafios ligados à questão de gênero acabaram surgindo com ainda mais força. “Fazer gestão, enquanto mulher, na universidade, sobretudo na área de gestão de inovação, a gente tem agência e as pessoas sempre pensam que tem uma figura masculina ali e não uma mulher. Sobretudo uma mulher que não pensa apenas em tecnologia high tech, pensa também em tecnologia social. Esse é um outro desafio, então a cada momento a trajetória de desafio é diferente”.

Contudo, ela evidencia: “mas um desafio, talvez, que realmente demarca toda a minha trajetória é o fato de ser mulher, nordestina”. Suely relata, contudo, que a travessia se torna menos dolorosa em razão de outras mulheres que foram à frente dela. “A gente tem muito isso, então desafios são sempre muitos, na extensão, no ensino, no fato de você ser mulher cientista. Realmente é uma coisa que pesa de forma distinta. O homem, na verdade, tem mais uma chance, mas isso não impede que você vá à frente construindo isso, suas possibilidades pelo trabalho”.

Pesquisadora de temas como sexualidades, masculinidades, relações de gênero, corpo, relações étnico-raciais, gestão e difusão do conhecimento, empreendedorismo social, tecnologia social e baianidade, Messeder também é escritora. Tendo publicações como “Pesquisador(a) encarnado(a): experimentações e modelagens no saber fazer das ciências” (Edufba, 2020), “Analista Cognitivo – Uma Profissão Interdisciplinar” (Edufba, 2021) e “Enlaçando sexualidades: uma tessitura interdisciplinar no reino das sexualidades e das relações de gênero” (Edufba, 2024).

Perguntada sobre como avaliava o mercado editorial para mulheres, a autora aponta que já há editoras destinadas a apoiar produções femininas. “Pensando no mercado científico, a gente, de fato, concorre ou disputa de forma mais incisiva com a produção científica dos homens, uma vez que a produção científica dos homens não tem menos valia que das mulheres, socialmente pensando sobre isso. Agora sim, vai para o mercado editorial, mas  sem ser científico”.

“Você vai encontrar mulheres produzindo, já tendo um certo espaço, então a gente precisa também compreender que mercado editorial é esse que está pensando. Como é que, na verdade, a gente pode identificar o mercado editorial para o livro científico de mercado editorial para livros de poesia. Há uma escassez, mas ao mesmo tempo existe, digamos, uma certa fluência também nesse mercado, mas voltado para as mulheres”, comenta citando a importância das revistas científicas que se propõem a abordar perspectivas feministas.

Perguntada a respeito de suas expectativas para o futuro do mercado, Messeder considerou os diferentes contextos de gênero, raça e sexualidade, para homens e mulheres, cis ou trans, e negros no mundo globalizado. “A gente está vivendo, em termos de um capitalismo global, como se fosse um momento de desemprego estrutural, em que há de se pensar novas formas de trabalho, novos modelos de trabalho, na uberização, que está crescendo bastante. É muito problemático pensar, inclusive, não somente na perspectiva de gênero, mas pensar nesse processo mais estrutural que abarca, como o gênero também pode ser transversal”.

“É óbvio que a gente tem uma desvantagem seríssima para mulheres trans, homens trans, para mulheres negras, para homens negros dentro de uma escala […] Eu penso nessas pessoas indo para esse mercado onde a inteligência artificial está chegando e em como cuidar eticamente dessa relação com o mercado de trabalho. A gente, hoje, atravessa, realmente, uma grande problemática: a crise do capitalismo, a crise climática, a crise em todas as esferas e isso, portanto, também repercute no mundo do trabalho”.

A reportagem do Portal Umbu perguntou à Suely Messeder qual conselho ela dá a quem busca seguir seus passos na carreira. “Você precisa ter uma rede de relação, no sentido de não se pensar só no mundo”, declara. “Que você sempre mantenha relações éticas com as pessoas, com cuidado, porque você nunca está só no mundo. Embora não tenha sido fácil para mim porque, enfim, eu saio de uma família que não tem uma uma realidade acadêmica”. “Enquanto estudante que tem uma vida precária no sentido de recursos materiais e de dinheiro, a gente precisa realmente identificar o estudo como uma solução, a educação como uma solução para nós. Sei que não é tudo, mas a educação é um movimento revolucionário para quem sai da nossa realidade”.

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