Estupro é um crime grave e merece a repulsa de todo e qualquer ser humano. Portanto, as condenações, sejam de qual ordem for, mais do que justas, são necessárias.
No entanto, parece que o Brasil, ao menos o da extrema-direita e dos falsos moralistas, resolveu dar um salto mortal no processo civilizatório e premiar os estupradores. O chamado Projeto de Lei dos Estupradores (PL 1904) estabelece o dobro da pena para uma mulher que aborta, vítima de estupro, que a do seu estuprador.
São 20 anos de prisão para quem praticar o aborto legal após 22 semanas e apenas 10 anos para quem cometeu o crime de estupro. E o absurdo dos absurdos é que, em apenas 23 segundos, a Câmara dos Deputados, aprovou o regime de urgência para votação do projeto. Ou seja, sem qualquer discussão.
E gravidade maior ainda é que o líder do Governo no Congresso Nacional, que nós elegemos como forma de combater a barbárie que se instalava no Brasil, ao ser indagado o porquê da urgência, afirmou: “Não é matéria de interesse do governo”.
Foi preciso que o Presidente Lula se pronunciasse publicamente, para colocar as coisas no seu devido lugar: “Eu acho que é insanidade alguém querer punir uma mulher numa pena maior do que o criminoso que fez o estupro. É no mínimo uma insanidade isso”, afirmou Lula. Se a preservação da vida das mulheres deixar de ser interesse do Governo, de quem será, então?
Ainda bem que as mulheres não se deixaram intimidar por essa onda medieval que assola o país e foram às ruas produzindo o maior movimento de massas após as eleições de 2022. Isso fez com que o governo como um todo revisse sua posição:
88% dos internautas, centenas de manifestações nas ruas, dezenas de declarações e posicionamentos de instituições e entidades públicas, como a OAB, fizeram a extrema-direita recuar. Mas eles não foram derrotados.
Isso é grave, pois revela não só a desarticulação política do governo no Congresso, mas a falta de sintonia com os interesses maiores da população, em particular das mulheres.
Aliás, é impressionante como o mundo cristão (católicos, evangélicos, ortodoxos, etc.) ao longo dos séculos, consolidou o ódio as mulheres. Esse fenômeno cultural é tão forte, que até mesmo as mulheres (12 deputadas assinaram o PL do estuprador) têm contribuído para a discriminação e criminalização das suas existências.
No catolicismo por exemplo, a mulher é a razão do pecado de Adão, simbolizada pela maçã e sua posterior punição. Na idade média, estima-se que aproximadamente 50 mil mulheres foram mortas pela inquisição da igreja católica. Acusadas de bruxaria, a maioria delas foi queimada em fogueiras.
No mundo contemporâneo, a saga das mulheres não tem sossego nem piedade. São mortas, escravizadas, agredidas, encarceradas, estupradas e objetificadas como se fossem mercadorias de consumo.
No Brasil, em particular, nos últimos oito anos, mais de 10 mil mulheres foram vítimas de feminícidio. Segundo o IPEA, mais de 800 mil mulheres são vítimas de estupro no Brasil por ano. É um estupro a cada 2 minutos. A maioria delas (70%) com menos de 14 anos, portanto vulneráveis. É uma verdadeira carnificina contra o corpo e a alma das mulheres.
Ainda assim, os conservadores e a extrema-direita brasileira, particularmente os evangélicos, insistem em responsabilizar as mulheres. Na verdade, criminalizam as mulheres por serem mulheres. Agora desejam ampliar a crueldade. Querem que elas carreguem para o resto de suas vidas a prova do crime do qual foram vítimas.
É muita crueldade, é muito machismo, é muito cinismo.
Toca a zabumba que a terra é nossa!
OPINIÃO
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