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O anonimato dos afetos escondidos: “Não é um livro sobre Salvador, mas sobre as pessoas que a habitam”, conta Jean Wyllys sobre novo livro

Foto: Gutemberg Bispo/@gutemberg_fotografo

O jornalista e escritor Jean Wyllys lançou no último sábado (20), o livro de contos “O anonimato dos afetos escondidos”, na Livraria Escariz Barra, em Salvador. A obra, publicada pelo selo Tusquets da Editora Planeta, aborda temas como solidão, tensão e violência cotidiana, sobretudo sobre corpos dissidentes, negros, pobres e LGBTQIAPN+. O evento foi gratuito e aberto ao público.

Em entrevista ao Portal Umbu, Jean contou que a maior parte dos contos foi escrita há 25 anos, quando publicou “Aflitos”, edição revisitada na nova publicação. “Já naquela época me interessava mostrar essa outra Salvador que não é a Salvador turística, do Carnaval, necessariamente. Exceto ali, na relação entre cordeiros e blocos de brancos, na violência da polícia contra a pipoca do Chiclete, por exemplo. Naquele tempo não havia Igor Kannário, mas havia a pipoca do Olodum. Tirando esses pequenos incidentes, o Carnaval era muito turístico”.

Natural de Alagoinhas, interior baiano, Wyllys comentou as nuances que percebeu e conduziram seu olhar. “Há 25 anos eu já queria mostrar a outra Salvador, a Salvador que se revelou para mim como um homem migrante, vindo do interior da Bahia para trabalhar na periferia da cidade e depois me tornando jornalista”.

Os contos, afirma, não são apenas retratos de Salvador, mas de conflitos humanos universais. “Eles refletem acontecimentos da cidade e acabam por traçar um mosaico. Não é um livro sobre Salvador, mas sobre pessoas que habitam Salvador. Os conflitos apresentados podem ser vividos em qualquer metrópole: São Paulo, Rio, Nova York, Barcelona, Berlim. Cada uma com suas nuances, mas os dramas humanos são comuns à vida urbana: a dureza, a solidão, os desencontros e encontros”.

Sobre sua relação com a literatura, Jean relembrou que no seio familiar e em sua cidade natal, encontrou a base para criar e ampliar sua sensibilidade literária. “Eu sempre gostei de ler. Fui uma criança sem acesso fácil a livros, porque meus pais não eram leitores. Tive a sorte de ter na família mulheres que gostavam de ler, mas o que realmente me abriu o mundo dos livros foi a biblioteca da Casa Paroquial da Diocese de Alagoinhas. Li toda a Coleção Vaga-Lume e a Bom Livro, com clássicos da literatura, de José de Alencar a Machado de Assis. Foi assim que descobri a ficção”.

Além da literatura clássica, o escritor destaca a influência da cultura pop em sua formação. “Na Casa da Revista, único lugar que vendia livros em Alagoinhas, tive contato com best-sellers e também com o universo nerd: super-heróis da Marvel e da DC, Star Wars, Alien. Sempre gostei disso. Depois, a Fundação José Carvalho me deu acesso a uma escola de excelência para alunos com altas habilidades, o que me ajudou a pensar fora da norma e a refletir sobre vidas fora da norma”.

Os personagens do livro, observou Jean, buscam amor e dignidade em meio à violência. Ele apontou que não as figuras centrais não refletem diretamente a realidade que conheceu na própria pele, mas dialogam com experiências que presenciou convivendo com amigos e conhecidos.

“Eu tenho um grande amigo que era sócio de um espaço cultural e bar que virou o point de Salvador, nos Barris e era um lugar para onde íamos todos, todas as pessoas LGBTQIA+, queer, artistas. Os artistas de fora, os famosos quando vinham, todo mundo ia para esse lugar, que se chamava Quixabeira”, relembrou. “Ali eu escrevi minha tese de mestrado, voltava das aulas, ia para lá, tomava um suco de laranja, era nosso habitat. E Joel, a gente chamava ele de Lobinho, foi assassinado por homofobia, a golpes de chave de fenda no pescoço”.

“Eu não experimentei realidades duras, mas eu vi realidades duras, não só na convivência com amigos, vivendo lá todo o horror da epidemia de AIDS, que foi para para nós, para a nossa geração. Os anos 1990 foram casos quase epidêmicos de assassinatos de gays, de ‘boa noite, Cinderela’ e desaparecimentos. Combinou o reacionarismo neoliberal por causa da epidemia de AIDS, sobretudo por parte dos Estados Unidos e de Margaret Thatcher, no Reino Unido, com uma certa autorização mesmo para nos atacar”, recordou, comentando o estigma e o pânico moral do período.

“Foi um período difícil e em metade dele eu estava na Fundação José Carvalho. Em 1994 eu mudei para Salvador, então eu vivi o resto dos anos 1990 aqui, então eu pude ver de perto essas, as histórias.”

Apesar das marcas da violência, os contos também falam de esperança. “São histórias sobre amor, morte, solidão e afirmação política. Tratam de conflitos universais da condição humana, que não mudam com o tempo. Por isso, mesmo escritos há 25 anos, continuam atuais. É como peças de teatro que, montadas anos depois, seguem relevantes. A boa literatura é assim. O anonimato dos afetos escondidos cumpre essa função.”

“O anonimato dos afetos escondidos”, de Jean Wyllys está disponível para compra no site Planeta de Livros na Amazon.

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