A proposta do Centro Mestre Nelson Maleiro reposiciona as festas populares como vetor estratégico de desenvolvimento, articulando tradição, tecnologia e formação profissional

As festas populares de Salvador não se resumem ao espetáculo do desfile: elas mobilizam redes complexas de criação, trabalho e memória. A proposta de criação do Centro de Referência das Festas Populares – Mestre Nelson Maleiro apresenta uma nova estrutura para reconhecer, formar e potencializar os verdadeiros fazedores da cultura. Com polos descentralizados, capacitação contínua e incentivo à inovação, o projeto propõe uma virada na forma como Salvador se relaciona com sua vocação cultural e com o futuro do trabalho criativo.
O Carnaval de Salvador é, sem dúvida, a maior festa popular da Bahia e um dos maiores eventos culturais do mundo. Mas sua grandiosidade não está apenas no número de trios elétricos ou blocos que arrastam multidões — e sim no trabalho coletivo e nos saberes acumulados por gerações que fazem da rua um território de invenção e resistência cultural. São artistas, técnicos, costureiras, produtores, compositores, percussionistas, coreógrafos, seguranças e comunicadores que constroem, com criatividade e esforço, um dos maiores espetáculos a céu aberto do planeta.
É com base nesse entendimento que surge a proposta de criação do Centro de Referência das Festas Populares – Mestre Nelson Maleiro. Mais do que um espaço físico, trata-se de uma política pública voltada à valorização das práticas culturais e festivas como eixo estratégico de desenvolvimento social, econômico e simbólico.
Embora tenha como ponto de partida o Carnaval, a proposta tem escopo ampliado. O objetivo é abarcar o conjunto das festas populares do estado da Bahia, como o São João, as micaretas, as lavagens, as festas de padroeiros, entre outras manifestações, respeitando e valorizando as especificidades territoriais, o protagonismo dos atores sociais locais e os modos próprios de fazer cultura em cada cidade e região.

O Centro Mestre Nelson Maleiro foi idealizado com base em pesquisas acadêmicas, levantamentos de campo, escutas públicas com fazedores da cultura, além do estudo de experiências exitosas já implementadas em outras cidades brasileiras. Não se trata de um projeto pessoal, mas de uma construção coletiva e fundamentada, que busca responder a uma demanda histórica dos agentes culturais por formação continuada, reconhecimento institucional e infraestrutura adequada.
A proposta prevê a implantação de uma sede central, em Salvador, com salas multiuso, estúdios, auditório, biblioteca e centro de documentação. A estrutura será articulada a uma rede de núcleos regionais descentralizados, de modo a irradiar ações para o interior do estado e potencializar os saberes locais.
Entre os eixos estratégicos do projeto estão:
- Formação profissional e técnica nas áreas ligadas à produção cultural, gestão, comunicação, figurino, sonorização, iluminação, cenografia e outras.
- Fomento à pesquisa e documentação das festas populares, com ênfase na memória oral, nos acervos visuais e na valorização da história dos blocos, mestres e mestras.
- Apoio à inovação e à economia criativa, articulando tradição com tecnologia, sustentabilidade e novas linguagens.

A proposta do nome do Centro é uma homenagem ao saudoso Nelson Maleiro, mestre Saubarense, o carnavalesco, artista plástico, músico, luthier e idealizador de alegorias que marcou época no carnaval baiano. Maleiro representa, com sua trajetória, o elo entre arte popular e criação sofisticada, entre os bastidores e o brilho da avenida.
Neste momento em que o Brasil rediscute o papel da cultura como motor de desenvolvimento e afirmação de identidades, é urgente que Salvador — cidade com uma das maiores cadeias produtivas culturais do país — se antecipe e invista em um modelo de política cultural que valorize o saber fazer da festa, estruturando a formação de seus profissionais e garantindo o direito à cultura para toda a população.
A criação do Centro Mestre Nelson Maleiro é um passo decisivo nesse sentido. É uma convocação ao poder público, à sociedade civil, às universidades, aos blocos, artistas, técnicos e pesquisadores para que construam juntos um novo tempo para as festas de Salvador e da Bahia.
Ótima análise!!!