Em um mundo onde o dinheiro continua determinando acessos, oportunidades e até mesmo a sobrevivência, discutir a relação entre emoções e finanças não é apenas uma abordagem pedagógica: é um ato político. A exploração emocional financeira — conceito que revela como sentimentos como medo, culpa, vergonha, amor ou dependência podem influenciar e até controlar decisões econômicas — torna-se ainda mais complexa quando analisada pela lente do feminismo negro. Para as mulheres negras, lidar com dinheiro vai além da educação financeira tradicional: trata-se de resgatar o direito à autodeterminação e ao controle sobre a própria vida.
Estamos falando de um formato de exploração emocional que pode ocorrer em relacionamentos afetivos, ambiente familiar, trabalho ou até no consumo. Quantas vezes mulheres, especialmente as negras, escutaram que ajudar financeiramente é uma prova de amor? Ou que, por já terem sofrido tanto, deveriam compreender a dor alheia mesmo à custa de seu próprio bem-estar? Quantas se colocaram em segundo plano, se endividaram por alguém ou encontraram no consumo um alívio emocional temporário? Quantas conviveram com chefes e chefas abusivos ou desrespeitosos em nome de “ pagar as contas”? Essas práticas, embora pareçam banais ou mesmo nobres, são formas silenciosas de controle e dominação emocional e econômica, legitimadas por discursos afetivos que mascaram desigualdades.
O feminismo negro, ao contrário de abordagens universais que ignoram as desigualdades estruturais, parte da experiência concreta e interseccional das mulheres negras. Fala de uma história marcada pela exclusão ao acesso à terra, à educação financeira, ao crédito, ao tempo livre, respeito a seu conhecimento e à estabilidade emocional. Por isso, pensar a dignidade financeira como pauta central é também reivindicar humanidade feminina e negra. Para uma mulher negra, ter controle sobre o próprio dinheiro é assegurar o mínimo necessário para viver com segurança, respeito e autonomia.
Romper com armadilhas emocionais que reiteram o lugar de cuidadora, provedoras ou de constante sacrifício é parte dessa jornada de libertação. Autonomia financeira começa na autonomia emocional. Quando uma mulher negra entende como o medo de rejeição ou a necessidade de aceitação moldam suas decisões de consumo ou de doação ou afetividade, ela passa a quebrar ciclos de exploração que atravessam gerações. Perceber que dinheiro também é afeto, poder e proteção permite estabelecer limites saudáveis: aprender a dizer “não” sem culpa, priorizar seus próprios sonhos e romper com a ideia de que amar é se anular.
A inteligência emocional nas finanças, nesse contexto, torna-se um instrumento de emancipação. A proposta de trazer uma educação financeira com viés emocional — como faço em oficinas e encontros com mulheres em situação de vulnerabilidade — não se limita a ensinar sobre planilhas ou organização de orçamento. Trata-se de criar espaços de acolhimento, escuta e autorreconhecimento a partir de mapas afetivos financeiros, onde sentimentos como medo da escassez, vergonha de errar, frustração com o passado e esperança no futuro possam ser nomeados e acolhidos. É nesse território emocional que a verdadeira transformação acontece.
Falar de finanças com mulheres negras, portanto, é falar de liberdade. Liberdade para não precisar escolher entre cuidar de si ou de outros. Liberdade para não se endividar para sustentar vínculos afetivos amorosos, familiares ou religiosos. Liberdade para ser reconhecida como alguém inteira — que sente, pensa, decide e merece prosperar é um tópico valioso que precisa ser levado em conta. Para nós, a autonomia emocional-financeira é uma forma de reparação e cura. É um passo urgente em direção à justiça, à dignidade e à segurança. E como nos lembra Bell Hooks, “o amor verdadeiro começa com o amor por si mesma”. Inclusive — e sobretudo — quando falamos de dinheiro.
