Com valor médio de abertura de negócios caindo, Afrocentrados impulsiona empreendedorismo negro e mostra como redes de apoio têm potencializado o comércio.

A chegada do Dia do Comerciante, nesta quarta-feira (16), vem aquecendo o segmento de empreendedorismo negro no Brasil. Isso porque o relatório 2025 Intuit QuickBooks Black History Month Survey, da QuickBooks, revela que o valor médio necessário para empreender entre pessoas negras caiu significativamente, atingindo o menor patamar histórico de R$ 53 mil por negócio.
O otimismo que cerca os empreendedores marca uma virada em relação a 2023, quando o custo médio para abrir uma pequena empresa na comunidade negra chegava a R$ 114 mil, o dobro do valor atual. Em meio ao melhor ano para se iniciar um comércio, a cena empreendedora preta emplacou mais uma conquista e passou a dominar 52,4% de todos os negócios mapeados no país, segundo o Sebrae.
No entanto, nem tudo são flores. Ainda segundo a QuickBooks, esses empreendedores levam uma média de 17 meses para atingir a tão sonhada ‘lucratividade’, o que representa dois meses à mais do que os concorrentes “não negros”. Enquanto isso, outros desafios, já conhecidos, não passaram batido. Os casos de racismo persistem em 59% das pequenas empresas negras relataram ter sofrido injúria por parte de clientes.
Diante das barreiras raciais e mercadológicas, a pesquisa aponta que a comunidade negra têm se fortalecido ao seu próprio redor. Prova disso é que três em cada quatro pequenas empresas negras, cerca de 75%, apoiaram ativamente umas às outras no último ano, uma taxa superior à concorrência, de 58%. Integrando essa parcela que estimula, fortalece e desenvolve à cena local, a Afrocentrados Conceito e sua fundadora Cynthia Paixão cooperam com mais de 100 empreendedores pretos em uma rede completa de apoio profissional, encabeçando iniciativas como o Ayô Circuito AfroColab, Vila AfroJunina e Afrodonas.
“Empreender enquanto ‘corpo negro’ é enfrentar barreiras que vão desde o prolongamento da lucratividade ao racismo estrutural, devido à cor da pele e, em outros casos, ao gênero. Os desafios permanecem, mas a força da coletividade negra superou patamares históricos. E isso só foi possível devido ao fortalecimento da nossa própria comunidade. Estamos nos apoiando, criando redes (que é o caso da Afrocentrados), circulando a economia entre os nossos e provando o impacto estrutural e econômico na cadeia industrial brasileira e internacional”, explica a fundadora.
A empresária baiana integra o montante de 91% dos estabelecimentos negros que se entreapoiaram no último ano, provando a força comunitária. O esforço colaborativo vem se mostrado frutífero, tendo em vista o aumento de 50% nas indicações e novos clientes, e o compartilhamento do conhecimento em 48%. Vindo da sua última iniciativa, a “Vila AfroJunina”, Cynthia foi responsável pela curadoria e impulsionamento de cinco empreendedoras negras em sua loja física – localizado no piso L2 do Shopping Bela Vista. Após disponibilizar mentorias de gestão financeira e precificação, a empresária deixou todo o suporte logístico e comercialização a cargo da Afrocentrados, permitindo que as expositoras focassem na geração de renda.
“As iniciativas da loja, à exemplo da ‘Vila AfroJunina’, são atividades temáticas da Afrocentrados e pontos de propulsão para carreiras profissionais. Esse foi o caso da Dandara Bastos, Rejane Sacramento, Michele de Jesus, Marina Bonfim e tantas outras empreendedoras. Nós temos o compromisso de apoiar empreendedores negros de ponta a ponta, levando mentorias, marketing digital e design de produtos; usando dessas programações especiais, como a ‘Vila’ e o ‘Afrodonas’, para um duplo impulsionamento. A capacitação serve, portanto, para impulsionar e aumentar a chance de sucesso das marcas. Essa potente rede de estímulo e fortalecimento do empreendedorismo negro, que é a Afrocentrados, empodera comunidades e auxilia na ascensão e independência econômica dessas marcas”, afirma.
Case de sucesso empresarial em Salvador, a Afrocentrados Conceito é conhecida por atuar como uma loja colaborativa, oferecendo estrutura, visibilidade e suporte técnico contínuo para empreendedores negros, que encontram barreiras de entrada no mercado tradicional. A iniciativa de Cynthia tem impactado no fortalecimento desse ecossistema, visibilizando marcas e impulsionando seu crescimento sustentável, como o caso da Danda Acessórios.
Lançada em 2022 pela empreendedora Daniele Silva, 48, o comércio instalado na Afrocentrados Conceito confecciona acessórios artesanais e afetivos. A comerciante revela que um dos maiores desafios no ramo do empreendedorismo tem sido tornar a empresa reconhecida, contando com o auxílio de Cynthia e da Afrocentrados para esse desenvolvimento empresarial. “Eu lembro que a ideia da ‘Danda Acessórios’ surgiu quando fui procurar uma sandália de amarração para passar o réveillon na praia e não encontrei do jeito que queria. Foi a partir daí que comecei a produzir as sandálias, acessórios, participei de feiras e por fim, recebi o convite de Cynthia para fazer parte da Afrocentrados, que me proporcionou grande visibilidade ao meu produto”, comenta.
Fortalecendo o ecossistema, Daniele se junta à empresária Anaíta Rodrigues, 51, quando o desafio é conquistar espaços para expor produtos em pontos de venda físicos. Como mulher negra e empreendedora, Anaíta revela que a maioria dos comércios negros ainda enfretam barreiras de visibilidade, que dificultam o acesso de pequenas marcas. “Felizmente, com o apoio de iniciativas como a Afrocentrados, consegui alcançar espaço em um shopping de grande circulação, o que representa não só uma conquista profissional, mas também um avanço na representatividade do nosso trabalho”, relata.
Anaíta explica que a abertura do comércio, ainda em 2021, surge como uma forma de aliviar a mente da rotina como empresária contábil. Hoje, a “Deluxxe Acessórios” e suas peças elegantes e sofisticadas de alto padrão, se transformou em paixão, expressão criativa e empoderamento feminino para a comerciante.
Seguindo caminhos diferentes, mas interligados pelas barreiras mercantis, a empresária Camila Loren, 44, explica que a falta de capital de giro, acesso ao crédito e de reconhecimento são entraves que atravessam toda a comunidade afroempreendedora. Mesmo com o surgimento da marca em 2012 e seus desafios, Camila não desistiu do “Ateliê Camila Loren” e manteve vivo os trabalhos feitos à mão com inovação e ancestralidade. “A marca nasceu ainda na faculdade, quando decidi cursar Design de Moda, após atuar há um tempo na área e ter outras formações na bagagem. Escolher a moda não foi fácil, já que na época eu ainda não sabia que essa ferramenta era usada na transformação social, cultural e econômica. Para nós, mulheres negras, empreender continua sendo um ato de resistência e reinvenção diária”, comenta.
Diante de um cenário que combina avanços históricos e desafios persistentes, o fortalecimento coletivo tem se mostrado uma estratégia essencial para o progresso do empreendedorismo negro no Brasil. Segundo Cynthia, essa articulação entre empreendedores tem se consolidado como um caminho real de crescimento, visibilidade e autonomia.
“O que venho conversando com Camila, Daniele e Anaíta à respeito dos desafios da cena empresarial negra, é justamente essa necessidade de estarmos interligados à uma rede de apoio. E isso não é um senso comum factual, é atestado por pesquisas e dados sobre à taxa de crescimento da clientela, de indicações e do poder do networking profissional. Em um cenário manchado por obstáculos raciais e econômicos, os comerciantes devem buscar collabs e o fortalecimento das redes de apoio mútuo que o mercado tradicional não oferece. Além de se manter à frente da concorrência, os comércios se tornam mais saudáveis e economicamente sustentáveis ao longo dos próximos anos, à fim de aproveitarem os anos ‘otimistas’ para o mercado empresarial negro”, conclui Cynthia.