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Portal UMBU

Festival de Quadrilhas Juninas da Liberdade celebra a cultura popular e homenageia Mestre Chicão

Forró do ABC. Foto de Mário Sérgio

No próximo domingo (29), das 10h às 16h, acontece o Festival de Quadrilhas Juninas da Liberdade, uma importante celebração da cultura popular nordestina. O evento será realizado na quadra do Largo do Sieiro, no bairro da Liberdade, em Salvador, e nesta edição presta homenagem ao Mestre Chicão, além de marcar a retomada dos tradicionais festivais juninos nos bairros periféricos da capital baiana, como ocorria nas décadas de 1980 e 1990.

Organizado pelo Fórum Permanente de Quadrilhas Juninas, coletivo fundado em 2019 e responsável por iniciativas como o Festival Arena Arromba Chão, o festival é fruto de uma mobilização iniciada entre 2018 e 2019 por políticas públicas voltadas ao segmento junino. A proposta valoriza tradições, promove a diversidade, incentiva a acessibilidade e articula ações de fortalecimento comunitário.

A iniciativa conta com recursos do edital Territórios Criativos II, por meio da Fundação Gregório de Mattos, da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo e da Prefeitura de Salvador. O apoio vem também da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), do Ministério da Cultura e do Governo Federal.

“Um reencontro com as nossas memórias”

Coordenadora geral do Fórum Permanente de Quadrilhas Juninas e idealizadora do festival, Soiane Gomes compartilhou detalhes da criação do projeto em entrevista ao Portal Umbu. Ela explica que a ideia nasceu a partir de sua pesquisa de mestrado.

“O Fórum surge da minha pesquisa, que se debruçou sobre as memórias dos quadrilheiros, inclusive a minha. Atuo com quadrilhas desde 1994, são 31 anos de envolvimento com essa manifestação. A partir da pesquisa, criamos um fórum permanente com diversas ações. Elaboramos uma carta de proposições entregue aos gestores públicos, participamos de audiências e conseguimos inserir metas no Plano Municipal de Cultura”, relembra.

Soiane destaca que o apoio de editais públicos foi essencial para viabilizar o festival. A primeira conquista foi o Prêmio de Quadrilhas da Bahia, com recursos da Lei Aldir Blanc. O mais recente, o Territórios Criativos II, permitiu retomar o projeto e escolher a Liberdade como território-sede.

“Optamos pela Liberdade/São Caetano por reunir o maior número de quadrilhas em atividade. São apenas três, mas isso já é muito, se pensarmos no número reduzido de grupos atualmente. A pesquisa de mestrado revelou que nos anos 1980 e 1990 existia uma forte organização comunitária, com arraiás promovidos pelas famílias nos bairros, e isso foi se perdendo com o tempo”, analisa.

Soiane Gomes é coordenadora geral do Fórum Permanente de Quadrilhas Juninas e idealizadora do Festival. Imagem: Divulgação

O festival tem como principais objetivos incentivar o surgimento de novas quadrilhas e apoiar o retorno de grupos inativos. A programação gratuita busca reavivar a memória coletiva de um período em que dezenas de grupos atuavam nos bairros de Salvador.

Além do resgate de antigas tradições no território, o bairro da Liberdade é um espaço simbólico para a população negra em Salvador. “Sabemos que a Liberdade é um bairro majoritariamente composto por pessoas negras. O próprio histórico do bairro e as quadrilhas juninas, de uma forma geral, é composta por pessoas negras. A quadrilha tem uma relação muito grande também com o samba junino, com os blocos afros, com as fanfarras, com as bandas marciais. Então, são comunidades, são pessoas que transitam entre essas diferentes festas”.

Homenagem ao Mestre

Francisco Pedro Ribeiro Rocha, mais conhecido como Mestre Chicão, será o homenageado desta edição. Natural da Ilha de Itaparica, ele morou no bairro da Liberdade desde a infância. Atuou como marcador da histórica quadrilha João Froxó nos anos de 1970 e, depois, idealizou a Sapeca Yaiá, grupo formado por idosos do Centro Social Urbano da Liberdade. 

“Ao entrevistar pessoas sobre como começaram a dançar quadrilha, o nome de Chicão surgiu com frequência. Ele foi um artista nato, vitrinista e apaixonado pelas festas populares”, conta Soiane.

Soiane defendeu sua dissertação, o mestrado foi concluído e o tempo passou. A ideia da homenagem surgiu durante a escolha do território do festival. “Um amigo me lembrou que Chicão atuou na Liberdade. Entendi que tudo se conectava. Poderia ser apenas Festival de Quadrilhas da Liberdade, mas quis trazer essa figura que representa tanto. Embora já falecido, entrei em contato com a filha, padres e antigos companheiros, que compartilharam fotos e relatos sobre ele.”

Quadrilhas

Diferente de uma competição, o evento promove o reencontro das comunidades com suas raízes, por meio de espetáculos coreografados, figurinos tradicionais e a simbologia do casamento na roça. Os grupos que se destacarem nos quesitos de coreografia, figurino, musicalidade, casal de noivos e casal majestoso receberão brindes especiais, definidos por votação popular nas redes sociais.

Entre os grupos confirmados estão quadrilhas tradicionais e estilizadas de diferentes bairros da cidade, com formações infantis e adultas. A Mirim Forró do Luar, de Massaranduba (Cidade Baixa), traz cerca de 50 anos de história com um trabalho voltado para crianças e adolescentes. Neste ano, apresenta o “casamento” entre a bandeirola e o balão, unindo tradição e conscientização.

Quadrilha Mirim Forró do Luar. Imagem: Divulgação

Do bairro de Pero Vaz, a Forró Mandacarú, fundada em 1999, retorna após mais de uma década de inatividade e celebra seus 25 anos com um espetáculo especial. Já a Arraiá das Marias, surgida em 2016 na região da Liberdade/São Caetano, traz uma proposta estilizada, nascida da união dos artistas Isis Carla e Roberto Cândido, valorizando o forró e as tradições populares com forte apelo cênico.

Também oriunda do Pero Vaz, a Mirim Germe da Era foi fundada em 1981 por Dona Naná, a partir do Grupo de Samba Junino Germe da Era e da tradicional Trezena de Santo Antônio. É a quadrilha mirim mais antiga e em atividade contínua da cidade, criada com o objetivo de dar protagonismo às crianças, e segue hoje sob o comando da família Gonzaga Estrela, mantendo viva a cultura junina entre a infância e a juventude do bairro.

A premiada Forró Asa Branca, do Cabula/Resgate, com 33 anos de trajetória, é a única quadrilha baiana a vencer o Campeonato Nacional de Quadrilhas Juninas (2012), unindo dança, teatro e poesia em suas apresentações. A Quadrilha Capelinha do Forró, do bairro de Capelinha, foi fundada em 1998 por quadrilheiros locais e conta com cerca de 80 integrantes, com ensaios iniciados já em janeiro.

Nascida no Pau Miúdo, a histórica Forró do ABC foi fundada em 1982 dentro de uma escola, destacou-se ao longo dos anos por trabalhar com temas autorais e montar sua própria banda, tornando-se referência no cenário junino baiano e pela conquista de diversos títulos em concursos juninos. Atualmente, está sediada no bairro da Liberdade.

Quadrilha Forró do ABC. Imagem: Divulgação

Completam a programação as quadrilhas Flor de Chita, Sapeca Yaiá e Cristais do Amor, que reforçam a diversidade do Festival e evidenciam o papel das quadrilhas como expressões vivas da cultura popular soteropolitana. O evento vai além da festa: reacende o espírito junino nos bairros, aproxima gerações e fortalece o vínculo entre tradição e identidade cultural.

Soiane Gomes explicou ainda como foi o processo de curadoria das quadrilhas que irão participar do evento e alertou para a redução do número de quadrilhas juninas na capital baiana. “Salvador tem tido uma redução quantitativa bem preocupante, não foi difícil de fazer a curadoria, fazer a escolha da programação, porque não temos muitos grupos. E isso é um dos pontos que eu trago na minha pesquisa. Porque na década de 1980, 1990 tinha tantos grupos e, agora, na época que eu fiz a pesquisa, Salvador só tinha cinco grupos: A Forró Asa Branca, ABC(Forró do ABC), Capelinha (Quadrilha Capelinha do Forró) e duas Mirins. E isso me preocupava muito. Com o tempo a Buscapé voltou, a Mandacaru voltou, a Capelinha com o tempo retornou também”.

“Esses grupos vão compor a programação como apenas 10. Digo apenas porque na década de 1980 a gente chegou a ter 50, 60, 80, 100 quadrilhas. Cada pessoa vai falando um número, não tem um número exato porque nunca houve um mapeamento preciso. Então a curadoria foi feita dessa maneira. Além das quadrilhas estilizadas e de competição, a qual eu já participei muitos anos, eu busquei outros grupos que não tão que são de cunho mais tradicional ou excepcionais”, analisa.

Inclusão

Comprometido com a inclusão, o Festival traz a Cristais do Amor, formada por jovens com deficiência e idealizada por mães atípicas. Participam ainda a Sapeca Yaiá, composta por idosos e fundada pelo Mestre Chicão — homenageado da edição —, e a Flor de Chita, quadrilha mirim criada em 2024 no Engenho Velho de Brotas. Juntas, elas representam a diversidade etária, social e cultural do movimento junino em Salvador.

“Existe dentro da dança uma padronização de corpos. A pessoa para dançar precisa ser magra, precisa ser jovem. Então, para você ter uma pessoa que queira dançar quadrilha, é muito mais fácil quando ela já vem desde a infância. Convencer um jovem a dançar quadrilha no mundo atual, é mais difícil, do que na minha época. Eu comecei com 14, 15 anos, achava maravilhoso e hoje em dia não é tanto assim. Então, ter quadrilhas infantis e ter quadrilhas de idosos é promover o encontro intergeracional”, analisa Soiane.

“É também uma maneira de perpetuar um patrimônio, embora quadrilha ainda não tenha um título de patrimônio, mas a gente sabe que ele é porque chega no Brasil junto com a Corte Real Portuguesa, em 1808, e acaba espalhando pelo Brasil afora, principalmente nas zonas rurais. Deixa de ser uma dança de palácios e se torna uma dança rural feita por indígenas, feita pela população negra, e absorvendo elementos da cultura popular, então se tornou uma coisa popular. Ela acaba sendo sim um patrimônio. Fazer com que as crianças entendam, conheçam, desenvolvam um gosto, uma admiração, é muito importante”, complementa.

Quadrilha Junina Mandacaru. Imagem: Divulgação

Além disso, o evento será transmitido ao vivo e as pessoas com deficiência auditiva terão um intérprete de Libras para acompanhar todos os detalhes do festival. “A acessibilidade e a diversidade estarão garantidas”.

O Festival será realizado no dia 29, data em que se comemora o Dia de São Pedro, Soiane comenta sobre as expectativas para essa edição do evento. “A gente vai fazer [o festival] no São Pedro, então vai ser no finalzinho que geralmente quase não tem eventos, no fim do mês. É mais no início, muito relacionado com Santo Antônio, o próprio São João sempre tem. Então quem viajou e vai voltar, já vai encontrar esse evento aí no último domingo de junho”, conclui.

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