Nascido no pequeno município de Sátiro Dias, no interior da Bahia, Antônio Torres jamais imaginou que a dura realidade de sua infância rural o levaria à Academia Brasileira de Letras. Filho de agricultores, cresceu entre plantações e colheitas, em um tempo em que o destino dos meninos parecia traçado ao cabo da enxada. “A gente nascia e crescia para plantar e colher. Era esse o ciclo”, relembra Torres, com a cadência de quem já contou essa história inúmeras vezes, mas que ainda se emociona ao revivê-la.

A emoção de retornar à região ganhou novos contornos durante sua participação na Feira Literária Internacional de Serrinha – FELIS, realizada entre os dias 6 e 10 de maio. O evento gratuito, que reuniu grandes nomes da literatura brasileira, teve como tema “Do som à palavra – Ancestralidade e resistência no Sisal”. Em sua segunda edição, a FELIS consolidou-se como um dos mais importantes espaços de promoção da leitura e da memória literária no interior baiano, oferecendo atividades para crianças, jovens e adultos, com uma programação que dialoga com o território e valoriza seus autores. Durante sua passagem pela feira, Torres não apenas compartilhou sua história, como também reafirmou sua fé no poder transformador da literatura.
A primeira ruptura de ciclo em sua vida veio com a chegada de uma professora ao povoado. Com ela, chegaram também os livros, a leitura em voz alta, a poesia e a prosa — um contato que transformou para sempre a visão daquele menino que viria a se tornar romancista. “Isso revolucionou a cabeça da gente”, afirma. O impacto foi tão grande que a própria comunidade se mobilizou para convencer a família de Torres a deixá-lo continuar os estudos fora dali.
Foi assim que ele chegou a Alagoinhas, onde descobriu um novo universo: biblioteca pública, professores incentivadores e um jornal mural feito entre amigos. “A gente criava nossos próprios jornais, batendo de porta em porta para conseguir anúncios. A palavra tinha peso. E as pessoas acreditavam na gente”, recorda. Esse impulso o levaria, anos depois, ao jornalismo profissional em Salvador e São Paulo, onde o jornalismo e a literatura caminham juntos. “Os jornais eram feitos por escritores, poetas e cronistas. O jornalismo era uma extensão da literatura”, resume.
Antônio Torres fez da memória de sua terra natal o centro nervoso de sua obra. Seu romance Essa Terra, publicado em 1976, consagrou-o nacionalmente ao retratar o drama da migração nordestina e o sentimento de deslocamento que atravessa gerações. Outros títulos, como Um Táxi para Viena d’Áustria e Meu Querido Canibal, ampliaram seu reconhecimento, sendo traduzidos para diversos idiomas e abordando, de formas distintas, temas como identidade, pertencimento e deslocamento cultural.

Ele nunca deixou sua origem para trás. Ao contrário, levou seu território consigo, transformando em literatura o que antes era silêncio. “Hoje, os jovens não fazem ideia do que era crescer sem livros, sem escola, em um lugar onde o mundo se resumia ao campo”, comenta. E talvez seja justamente essa memória da escassez, da persistência e do afeto coletivo que torne sua voz tão necessária no presente.
Relembrando sua volta a Serrinha, cidade próxima à sua terra natal, ele confessa que a emoção é indescritível: “Viajar para essa região me traz a sensação de estar voltando para casa. A emoção é muito forte. Ver essa estrada, essa paisagem que me devolve à terra e à cidade onde nasci é algo único.”
Em 2013, foi eleito para a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras, ocupando o posto que já foi de Machado de Assis e José de Alencar. Um reconhecimento que sela, oficialmente, uma trajetória que começou no chão árido de Sátiro Dias, mas encontrou na palavra uma forma de eternidade.
Durante a FELIS, Torres compartilhou com o público não só suas histórias, mas também seu otimismo: “Acho que a gente avança. A gente tem avançado, sim. Fui semana passada ao Colégio Santo Antônio e passei a manhã lá falando com os estudantes. Vi coisas tão fantásticas: trabalhos, leituras que os meninos fizeram do meu romance Meu Querido Canibal. Depois, todo o terceiro ano leu Essa Terra. Eles iam ao palco e dramatizavam trechos que haviam escolhido. É algo incrível. Não dá para não ser otimista. Não dá para se agarrar só no lado mais sombrio da história. Avante. Avante.”
A seguir, a entrevista completa concedida por Antônio Torres durante sua participação na FELIS:
Todos os lugares que eu chego, busco levar essa referência, trazer essa referência de onde venho.” E aí pensei: “Vou perguntar para ele sobre o caminho que trilhou dentro da literatura, porque o senhor também é jornalista.” Gostaria que o senhor contasse um pouco sobre essa trajetória na literatura.
Antônio Torres:
Vindo de uma cidade pequena, mais especificamente da roça, do mundo rural, tudo começou na escola, quando uma professora apareceu no lugar. Foi uma revolução, pois ela começou a ensinar a ler, lendo textos de prosa e poesia. Para nós, que nascemos e crescemos em um lugar voltado para o trabalho de plantar e colher, foi algo transformador. Aí, o próprio povo começou a pressionar minha família para eu continuar estudando. Fui para Alagoinhas, onde havia mais recursos: biblioteca, ginásio… O mundo era outro, mas ainda limitado.
Em Alagoinhas, tivemos a oportunidade de criar um jornal mural. Depois, fomos bater nas portas dos comerciantes, buscando anúncios para financiar a edição de um jornal chamado “Avante”, porque queríamos seguir em frente. Esse foi um exercício muito importante. Eu acabei virando cronista do Lagoinha Jornal, e foi graças a isso que, um dia, quando terminei o ginásio, estava sentado em uma praça sem saber o que fazer, até que um homem com um pacote de jornais debaixo do braço chegou e disse que tinha lido um texto meu no Lagoinha Jornal e queria saber se eu queria trabalhar no Jornal da Bahia. Claro, aceitei. Esse homem era amigo de João Falcão, dono do Jornal da Bahia. Ele me apresentou ao redator-chefe, Ariovaldo Matos, um escritor baiano respeitado. Minha história começou ali.
Algum tempo depois, fui para São Paulo e entrei no Última Hora, onde encontrei um ambiente que misturava o jornalismo com a literatura, já que o redator-chefe era escritor e o chefe de reportagem, poeta. Esse convívio com os escritores, como João Carlos Teixeira Gomes e Geovany de Carvalho, me ajudou a amadurecer. O jornal era um microcosmo do Brasil, com pessoas de diversas regiões, o que me proporcionou uma grande experiência humana.
A convivência com essa geração fervilhante em São Paulo também foi muito importante. Uma sorte foi ter sido levado ao Teatro Popular do Negro, em Embu, onde me encontrei com Solano Trindade, um dos maiores poetas da poesia negra no Brasil. Frequentava o bar onde ele se reunia com outros artistas e sempre tive muito aprendizado com isso.
São essas experiências que me levaram à Academia Brasileira de Letras, à produção de 12 romances e a receber prêmios como o Machado de Assis e o Prêmio Cidade do Rio de Janeiro. Fui reconhecido na França, na Argentina, no Vietnã, por conta dessa trajetória que começou na roça, no sertão baiano, com 14 léguas de Serrinha.
E tudo começa com a escola, com professoras como Serafina e Teresa, que causaram uma verdadeira revolução na minha cabeça. Mas também houve o imaginário popular: as conversas ao redor do fogão, as histórias do pavão misterioso, de Lampião… Essas narrativas ficaram gravadas na minha memória e me ajudaram a me formar como escritor.
E o meu desejo, desde menino, era ser Castro Alves, embora não tenha conseguido tocar um instrumento. Mas consegui, até hoje, escrever 12 romances — sendo o último, Querido da Cidade, fortemente influenciado por todas essas vivências.
Ouvindo suas andanças e os lugares que formaram o senhor, gostaria de saber como é a sensação de voltar para casa. O senhor falou que saiu como um menino que queria ser Castro Alves e, hoje, retorna para participar de uma feira literária como escritor. Qual é a sensação de voltar para casa e, dessa vez, como escritor?
Antônio Torres:
Viajar para essa região me traz a sensação de estar voltando para casa. A emoção é muito forte. Ver essa estrada, essa paisagem que me devolve à terra e à cidade onde nasci é algo único. Quando a gente vem de um lugar pequeno, como foi o meu caso, voltar e ver que a literatura, a arte, tomaram forma na minha vida, é algo que só a literatura pode proporcionar.
Parabéns, amigo, homenagem mais do que merecida, era algo parecido que eu gostaria fazer na Biblioteca do Paiaiá, mas lamentávelmente as mentes insensatas que permanceram na organização da VFLIPAIAIA não se sensibilizaram pra fszer a homenagem merecida