
O Festival do Dendê chegou a sua quarta edição em 2025, na cidade de Camaçari, interior da Bahia, entre os dias 12 e 16 de março, reunindo de forma itinerante e imersiva toda a ancestralidade gastronômica do dendê e mostrando ao Brasil suas infinitas possibilidades de uso como protagonista com potencial empreendedor na mesa das famílias brasileiras.
O evento teve a sua abertura no Espaço Culinária de Terreiro, na Agrovila Pinhão Manso, passando pelas terras ancestrais do Quilombo de Cordoaria, pela Feira de Sabores e Saberes Horto Florestal e com encerramento no Espaço Recanto das Orquídeas com um jantar só para convidados realizado pelos Chefs Alex Atála e Solange Borges.
Fruto originário do Oeste da África, o dendê foi o motivo das transformações de sucesso na vida de mulheres negras empreendedoras como a chef Solange Borges, já conhecida internacionalmente. Com trajetória de vida marcada pelo empreendedorismo ao redor da panela do acarajé, a baiana sorridente e inquieta por conhecimento fez do fruto do dendê o “tempero” que faltava para convocar chefs das mais diversas áreas de atuação gastronômica como forma de intercâmbio de saberes e sabores na rotina diária de mulheres que desejam empreender nesse setor.
Com formação em Letras e Fitoterapia, a chef Solange Borges faz da sua culinária de Terreiro a sua plataforma de luta em prol da expansão da sua experiência no desenvolvimento de projetos e editais que unem culinária, cultura e impacto social na vida de mulheres , produtoras da agricultura familiar, cozinheiras, escritoras, empreendedoras e estudiosas da cultura alimentar durante o Festival do Dendê.
“O Festival do Dendê é a oportunidade da gente evidenciar a importância que é o dendê para a Bahia. O dendê está presente nas baianas do acarajé, que são as primeiras empreendedoras desse país, e nós temos que honrar esse lugar. Então, quando você encontrar uma baiana de acarajé, peça a bênção a ela, reverencie o nosso dendê”, vibrou Solange Borges.
Dendê como fruto de resistência culinária e empreendedora
Presente na culinária, cultura, religião e imaginário do estado, hoje só 1,3% da produção nacional da especiaria acontece por aqui, segundo dados de 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos 66 municípios que chegaram a produzir o azeite de dendê, apenas 5 mantêm o plantio. A resistência do dendê em seu cultivo artesanal enfrenta desafios em diversas áreas do Brasil e é pauta constante entre lideranças da agricultura familiar e membros do movimento negro como Edson Costa, presidente da Rede Mundial de Empreendedorismo Étnico – Rede Emunde.
Durante as suas experiências imersivas na culinária durante o 4º Festival do Dendê, Edson reafirma que eventos como esse são extremamente necessários diante da alarmante estatística de que estamos perdendo o dendê, em seu cultivo artesanal, para outros estados como o Pará, noticiado recentemente.
“Realizaremos o Seminário do Dendê ainda neste mês de março e teremos entre as nossas palestrantes a chef Solange Borges, justamente para falar sobre os desafios do cultivo artesanal do dendê em nosso estado. Diante da última avaliação de diagnóstico que a Universidade Federal da Bahia (UFBA) realizou, existem muitos territórios na Bahia que têm potencial significativo para o desenvolvimento do fruto do dendê e não estão se desenvolvendo em um território só. Um Festival como esse chama atenção justamente pra isso, já que não temos certeza da eficácia na saúde das pessoas deste tipo de dendê que está sendo disponibilizado para as empreendedoras e consumidores deste óleo. Você, por exemplo, coloca o dendê no tacho, vê que a fumaça sobe e o dendê acaba rapidinho. Eventos como esses são ferramentas que vão promover a nossa cultura e trazer a importância desse cultivo artesanal e responsável”, afirmou Edson Costa.
Presente na abertura do terceiro dia do 4 º Festival do Dendê , a secretária de Cultura e Turismo de Camaçari, Elci Freitas, falou sobre a alegria de vivenciar um festival que impulsiona a economia não só do município, como todo um país que tem o dendê como protagonista da renda dos brasileiros.
“Estávamos na expectativa desse grande dia chegar. É um evento muito importante para nossa cidade e para nossa cultura já que temos a nossa chef Solange Borges como uma figura internacional em representatividade e por ela ser de Camaçari. A gente precisa de mais momentos como esses e de mulheres como Solange Borges. Enquanto secretaria de Cultura, estamos de portas abertas prestando todo o apoio necessário”, finalizou Elci.
O azeite de dendê, também conhecido como óleo de palma, é um dos queridinhos da culinária baiana e marca presença nos principais pratos típicos do estado. Na Bahia, existem quase 700 mil empreendedoras, a maior parte delas de microempreendedores individuais (MEIs) ou à frente de Pequenas e Médias Empresas (MPEs) . Isso representa 33% do total de empreendedores no estado.
Dendê e literatura de resistência
Entre panelas, receitas e troca de experiências, o dendê lançou no mercado literário as chefs e gastrólogas baianas Theresa Cristina e Wolia Guimarães. Para Theresa Cristina, CEO da Trivial Gourmet, estar pela primeira vez no Festival do Dendê é de muita emoção por ela ser uma mulher de religião de matriz africana e acreditar que “as pedras sempre se encontram”. A chef baiana estava finalizando a faculdade de gastronomia quando conheceu a chef Solange Borges e começou a acompanhar o trabalho dela e por trabalhar prioritariamente com a culinária afro-baiana. Para ela, não tinha como não passar dendê na comida.
“Eu sou apaixonada pelo dendê. Estamos trazendo aqui e lançando aqui a receita do pão delícia de dendê. Desenvolvi essa alquimia junto com uma colega minha, também gastróloga, que é Wolia Guimarães, entre várias pesquisas que realizamos sobre o aipim, a batata doce e simultaneamente sempre em diálogo com a chef Solange Borges para tentarmos ajustar a nossa receita ao uso do dendê. Deu muito certo”, vibrou Theresa Cristina .
Para a chef, as pessoas que têm acessado o trabalho delas, as tem parabenizado e achado “bacana” pelo pioneirismo da iniciativa. Segundo a chef, o livro físico não é tão explorado e é mais um desafio dentro do empreendedorismo que ela encontrou. A proposta é não só vender comida, é vender cultura através da comida.
A gastronomia é contar a história de seus ancestrais e de seu povo. A cozinha é uma alquimia para a escritora Theresa Cristina, que já está em fase de outros testes como, por exemplo, o sanduíche de pãozinho delícia com carne de fumeiro e a criação de um brioche tendo o dendê como matéria prima.
Preservando, valorizando e divulgando a cultura do dendê e seus produtos derivados pelo Brasil e no exterior, a chef baiana Solange Borges também vem ampliando e promovendo impacto social, econômico e cultural por meio da gastronomia e do fortalecimento das comunidades envolvidas na sua produção. Terreiros de Candomblé são alguns dos impactados pelo Festival do Dendê desde a sua criação como é o caso de Júnior Telles, diretor criativo do Ateliê de Criação e Costura – Junior Telles, que promove a expansão da moda afro, roupas de Candomblé, roupas de Orixás e Caboclos em geral com atendimento on-line e presencial no município de Camaçari.
“É um festival que ressalta a nossa ancestralidade e fortalece a cultura do nosso povo. Quem são as pessoas de matriz africana, nosso povo ancestral sem o dendê, o nosso epô? É de grande importância não só para Camaçari, mas para todo o estado da Bahia e do Brasil esse evento. Estar presente nesse lugar ao lado de vários outros empreendedores e chefs de cozinha de todo o país é importante no que diz respeito a só mostra a nossa potência numa luta contra o racismo, contra o preconceito por exaltar o povo negro, o povo de matriz africana, o povo de axé. Que essas datas e eventos como esses se perpetuem por muitos e muitos anos”, finalizou Telles.
Chefs da gastronomia local e nacional tiveram performances durante as suas apresentações em uma “Cozinha – Show”. Nomes como a chef Lige Fuentes, chef João Vitor, a chef do Obá Maylá, Nauane Joyce, chefs Mariana Silva e Leo Modesto, chefs da Oxebah, Maiara Luz e Rafael Oliveira, chefs Idolo Giusti, chef Rodrigo Brito da Matuto Fire, chef Lourence Alves, docente da UFBA e do chef Jônatas Bomfim, pesquisador e mobilizador social entre outros.
A Feira de Saberes e Sabores proporcionou ao público durante todos os dias de programação acompanhar estandes com artesanato local e biojóias, além da exposição e venda de produtos regionais como dendê, mel, licuri, cacau, dentre outros; aulas-show e oficinas, com demonstrativos culinários com chefs e workshops sobre práticas sustentáveis e empreendedorismo feminino; experiências gastronômicas, a partir de degustações exclusivas de receitas tradicionais, releituras criativas, painéis e palestras, com debates sobre gastronomia, cultura alimentar, sustentabilidade e estudos de caso sobre o impacto econômico da cadeia produtiva do dendê; e apresentações culturais de artistas locais, exaltando a ancestralidade baiana e o reconhecimento histórico.
O encerramento do evento foi um jantar para convidados em Camaçari e contou com a participação de todos os chefs que realizaram as vivências imersivas durante os dias de programação do 4º Festival do Dendê , no município de Camaçari neste mês de Março de 2025. O jantar foi assinado pelos Chefs Alex Atála e Solange Borges como culminância do sucesso do evento que teve como protagonista o dendê e contou com o apoio e patrocínio do Governo do Estado e da prefeitura de Camaçari tendo como parceiros .
*escrito por Patrícia Bernardes, jornalista colaboradora do Portal Umbu e mobilizadora de projetos de Impacto Social na Bahia.