
Celebrar o feminino, a ancestralidade e a força da oralidade, foi com esse propósito que o espetáculo “Monocontos – Elas Fantasiam o Tempo” foi concebido. A montagem estreia nesta quinta-feira (13), às 20h no palco do Teatro Cambará, na Casa Rosa, em Salvador. O espetáculo é realizado pelo Coletivo Meio Tempo, grupo de teatro criado em 2016. Os ingressos custam 20 R$ (inteira) e 10 R$ (meia-entrada), com vendas pela plataforma Sympla.
Com uma temporada de 12 apresentações, a peça propõe uma experiência sensorial e inclusiva, ativando as memórias e sentidos do público. O espetáculo é a ação que encerra o projeto Caravana do Meio Tempo, contemplado pelo edital Gregórios – Ano III, com recursos financeiros da Fundação Gregório de Mattos, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, Prefeitura de Salvador e da Lei Paulos Gustavo, Ministério da Cultura, Governo Federal.
O Diretor de “Monocontos”, Ridson Reis, conversou com a reportagem do Portal Umbu sobre os bastidores da montagem do espetáculo e antecipou detalhes do que está sendo preparado para o público. “Monocontos – Elas Fantasiam o Tempo” integra o projeto Caravana do Meio Tempo, que promove a manutenção de coletivos de teatro. O projeto foi aprovado no edital Gregório Ano III, da Prefeitura de Salvador.
“Depois da aprovação, entrei em contato com Elísio [Lopes Jr.] e pedi para ele escrever o texto da peça. Foi então que ele sugeriu que a gente montasse a partir do livro dele “Monocontos”. A partir daí eu fui ler o livro e escolhi a temática do feminino. E ele super apoiou”, explica o diretor.
Protagonismo feminino
Ao longo da sua trajetória, o Coletivo Meio Tempo apresentou três espetáculos que sempre tiveram presença masculina em cena. São eles ‘O Contentor – O Contêiner’; ‘Boquinha… e assim surgiu o mundo’ e ‘Esqueça’. Os espetáculos do Coletivo Meio Tempo abordam temáticas sociais e contemporâneas, apresentando diferentes aspectos da sociedade. Já “Monocontos” quebra esse paradigma ao colocar três mulheres negras, as atrizes Dani Souza, Naira da Hora e Shirlei Silva, no centro do palco.
“Sempre que vamos montar um espetáculo, nos perguntamos o que queremos falar, refletir, discutir, a partir dessas perguntas, chegamos a conclusão de que a presença do feminino no coletivo é um tanto marginalizada, tanto no sentido de temática, quanto no sentido de contratação mesmo. Somos um coletivo basicamente masculino, e as contratações de mulheres são feitas esporadicamente.”

Ridson também destaca a representatividade feminina e preta que o espetáculo aborda. “Vivemos numa sociedade patriarcal, em um contexto em que o feminino ganha muita força, mas ainda precisamos dar poder de fala e que essas mulheres contem as suas próprias histórias. As personagens do livro que a gente escolheu são personagens pretas, então a gente dá o lugar de fala, da perspectiva feminina, num recorte de raça também. E isso muda totalmente a perspectiva, o jeito do coletivo se comportar em cena”, afirma.
Cenário
Segundo Ridson, a escolha da árvore de macramê no cenário surgiu de uma provocação de Elísio quando eles se encontraram para montar a peça. “Ele perguntou, imageticamente, qual a imagem que você projeta para o espetáculo? Ainda na nossa conversa, ele me traz que está pensando em escrever sobre mulheres que tecem o seu próprio fio, suas vidas, as fiandeiras. E as imagens que eu fui pesquisar, a grande maioria, dessas mulheres estão embaixo de árvores, porque ela é um elemento de histórias, então a ancestralidade está neste lugar. Trazemos essas mulheres para debaixo dessa árvore, contando as histórias delas para outras pessoas”, analisa.
A narrativa do espetáculo gira em torno de uma árvore de macramê, elemento central do cenário e também base para os figurinos. O público se posiciona em formato de arena, convidado a fazer uma imersão através de memórias e histórias. O espetáculo propõe uma verdadeira experiência imersiva, onde os sentidos são aguçados e outras formas de escuta do público são ativadas.
“Na mitologia africana, temos o baobá, que faz esse elo entre o real, o místico e o sobrenatural. Utilizamos essa linguagem para os espetáculos. Os fios vão contando a vida dessas mulheres. Trouxe também a metáfora das moiras, que são fiandeiras, que estão ali na roda da fortuna, tecendo a vida das pessoas, criando e sendo responsáveis pela vida e pela morte”.
Após realizar pesquisas para montar a cenografia, o diretor conseguiu fechar os conceitos e signos que seriam trabalhados na peça. “Trazemos esse signo [as moiras] para o espetáculos, que essas mulheres estão costurando, tecendo a vida dessas outras mulheres, tem uma metalinguagem aí. Em que as moiras costuram os fios das vidas de Dandara dos Palmares, de Tereza de Benguela, de Luísa Mahin, de outras mulheres que não são conhecidas do imaginário popular e que não viveram, que são fictícias”, acrescenta.
A trilha sonora foi composta por Roquildes Júnior e trará sonoridades ancestrais e percussivas, utilizando instrumentos como balafon, cabaça e kalimba, criando um ambiente sonoro que embala as histórias tecidas pelas atrizes.
A direção de movimento é assinada pelo coreógrafo Arismar Adoté que se vale de elementos de dança afro, trazendo dinamismo e leveza para a encenação. Já os figurinos, assinados por Guilherme Hunder, utilizam as referências do macramê em diálogo com o cenário e a atividade tecelã desenvolvida pelas personagens durante o espetáculo.
“O espetáculo tem uma estética muito forte e marcada, que não é apenas visual, mas também sonora e textual, trazendo toda essa vivência para a cena. As músicas e trilhas saem de dentro da árvore, com caixas de som projetadas no interior dela, então o som vai de dentro para fora, assim como as histórias. O cenário é em formato de arena, permitindo que todos vejam tudo e, às vezes, nada, dependendo da posição da árvore”, explica Ridson.
Ele acrescentou que a escolha do formato de arena tem o objetivo de unir as pessoas: “Esse formato coloca todos em pé de igualdade, diferente de uma disposição tradicional, em que as pessoas estão uma atrás da outra, quase em um formato militar. O formato circular, inspirado na Sankofa, traz também uma ancestralidade ao espetáculo. Quando dançamos para o orixá, é em roda. Nas tribos indígenas, quando se realiza algum rito, seja religioso ou de vida, também acontece em roda. Brincadeiras brasileiras, afro-brasileiras, afro-indígenas, todas são feitas em roda”.
O diretor de “Monocontos” reforçou que o formato de arena foi pensado para fortalecer a conexão entre público e atrizes: “Todo mundo está dentro, as atrizes ficam muito próximas ao público. O que as pessoas vão levar para casa é muita poesia, porque tudo no espetáculo é muito poético. As reflexões e até os conflitos entre as personagens são poéticos, e eles não são apenas entre elas. Se o público estiver atento, vai levar essas mensagens para a vida, porque todas são direcionadas a ele”.
Por fim, ele destacou que o espetáculo aborda temas profundos: “As pessoas podem esperar uma vivência cheia de poesia. Vão refletir sobre a vida, o tempo, a beleza das coisas, a vida e a morte. Eu, que acredito nas religiões afro-brasileiras, vejo a morte como uma passagem, e acreditamos na vida após a morte. Essa reflexão também está presente no espetáculo”.